‘Se a proposta não for aprovada, situação da Cassi ficará insustentável’  

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As ameaças à Cassi têm levado muitas dúvidas e insegurança aos trabalhadores do Banco do Brasil. É nesse cenário que o funcionalismo vota, até o dia 27, para votar na nova proposta de manutenção da Caixa de Assistência dos Funcionários.

Para falar sobre a situação do plano de saúde, o Sindicato entrevistou o bancário do BB Alberto Alves Júnior, que possui mais de 20 anos de experiência na área de gestão de saúde. Ele foi direto ao defender o SIM na votação: ‘Se a proposta não for aprovada, situação da Cassi ficará insustentável’. 

Alberto Júnior inicia a entrevista dizendo que não entende qual o motivo que levou a Cassi a estar nessa situação. Para ele, não há um culpado por má gestão ou por algum alto de improbidade ou de irresponsabilidade. Mas acredita que o modelo de gestão dentro da Cassi não acompanhou as transformações do setor de saúde suplementar. 

O bancário comenta que o aumento das contribuições para o BB e os participantes é inevitável, avalia a intervenção da ANS e afirma que, a se considerar a atual tendência, o sistema de saúde suplementar está quebrado. 

Encerrando a entrevista, ele observa que, entre as reduzidas opções de que o mercado dispõe, ainda não viu ou leu de maneira concreta que caminho, de fato, a Cassi irá seguir. “Não consigo enxergar qualquer perspectiva dela se alinhar às mudanças do setor se mudanças radicais na sua estratégia de mercado não forem implementadas urgentemente”.  

Informativo Bancário – Qual o principal motivo para a CASSI estar nessa situação? Existe um culpado nessa história? 

Alberto Júnior – Primeiro que não entendo que existe um culpado na CASSI por má gestão ou por algum ato de improbidade ou de irresponsabilidade, acredito sim que o modelo de gestão dentro da CASSI não acompanhou as transformações do setor de saúde suplementar. 

Desde o início da regulamentação das operadoras de mercado, pela Lei 9.656 de 1998, e a criação da Agência Nacional de Saúde – ANS, as operadoras de mercado, que até então eram as grandes vilãs do mercado, passaram a ser obrigadas a atender a inúmeras regras, normas, instruções em todos as direções – na comercialização, assistência, atendimento, finanças. Medidas mais que justas para a população, mas que afetariam significativamente os preços dos planos. 

Embora muitas dessas regras fossem adequadas para as operadoras de mercado, elas não faziam nenhum sentido para as autogestões, mas elas também passaram a nos regular. Falo das exigências de ativos garantidores e provisões incompatíveis com o histórico financeiro, garantia de atendimento, restrições para descredenciamentos, entre outras. 

A partir daí, o que vimos foi um desequilíbrio no mercado: de um lado as operadoras sob rígida regulamentação e do outro o restante do mercado – hospitais, clínicas, profissionais – sem o mesma cobrança ou rigor. Isso, já há algum tempo, tem contribuído onerar o orçamento das famílias e das empresas patrocinadoras: incentivo ao consumo, tecnologias caras introduzidas sem ganhos para os pacientes, cobertura não contratualizada (me refiro à judicialização da saúde), banalização na aplicação de multas pela ANS. 

O problema não tem atingido somente a CASSI ou as autogestões, mas a grande maioria das operadoras do setor e das empresas com despesas de saúde. O índice de sinistralidade do setor está próximo de 85%, enquanto o das autogestões é de 90%. Pesquisa recente publicada pela Consultoria AON, apontou que a participação dos custos de saúde nas folhas de pagamento de mais de 30% das empresas com esse benefício já supera 10%, sendo que mais de 7% já é superior á 20%. Pelo que sei, a do BB gira em torno de 7%. 

Hoje para se ter uma ideia, a CASSI está operando com uma sinistralidade acima de 110% nos centros onde nossa população está mais concentrada, tal como São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Salvador, Recife, Fortaleza por exemplo. As cidades do sul são exceções a essa regra. 

A grande diferença da situação de déficit da CASSI para as operadoras de mercado é que elas não tem gestão sobre suas receitas. Essas receitas só ocorrem por meio dos reajustes salariais, que não acompanham o crescimento dos custos da saúde, ou por meio da aprovação pelo Corpo Social e Patrocinador do modelo de custeio, do Estatuto, de tempos em tempos. 

Informativo Bancário – Então o sistema de saúde suplementar está quebrado? 

Alberto Júnior – Para quem enxergar apenas a atual tendência, diria que sim. O mercado de saúde privado já perdeu 3 milhões de vidas de 2014 para 2017, e outros trocaram de planos, indo para planos mais humildes. Enquanto isso, mesmo período, o custo assistencial só cresceu, passando de 106 para 150 bilhões, algo em torno de 40%. Na CASSI, o crescimento ainda foi um pouco maior, de 50%, e também tem perdido vidas. 

Mas, na minha concepção, não. Muito pelo contrário. Enquanto a maioria caminha nessa direção e só vê pedras no caminho, algumas empresas tem investido alto para se moldar a essa nova conjuntura. São empresas tanto de capital estrangeiro como de capital nacional. Elas sabem que a taxa de cobertura da população, de 24%, é muito baixa e pretendem trazer novas vidas e ganhar as vidas que já estão no setor. O grande desafio é conseguir baixar os preços e a receita é investir. 

O segredo do seu sucesso está em concentrar seus investimentos na mudança cultural da população. E no que consiste essa mudança cultural? Consiste na organização dos serviços sob a lógica da atenção primária, da Estratégia de Saúde da Família. 

Os novos planos que já estão surgindo na praça estão voltados para cerca 100% da população contratante. Alguns planos, que já publicaram alguns resultados, indicam que cerca de 80% da demanda tem sido seus casos resolvidos dentro de suas unidade próprias e cerca de 15% de internações foram evitadas. 

Essa nova estratégia de mercado está atrelada a um acesso hierarquizado aos serviços, com prioridade para hospitais e clínicas da própria operadora. Os serviços não atendem apenas os participantes dos seus planos, mas ganham também das outras operadoras. Com a possibilidade de direcionamento da sua demanda, os hospitais fora da rede, em troca de volume, estão aceitando negociar a compra de serviços numa lógica diferente de remuneração. 

Essas operadoras estão trabalhando com sinistralidade abaixo de 70%. Por isso tenho apresentado a tese de que as operadoras de saúde que não seguirem essa direção, terão seu negócio inviabilizado muito em breve. E as que mais correm risco, são exatamente as autogestões, pela insuficiência de recursos para investir. Para se ter uma ideia, tem operadoras que já investiram mais de sete bilhões para mudar seu modelo de operação. Isso é quase a uma vez e meia a arrecadação anual da CASSI. 

Na mesma linha, as grandes cadeias de hospitais, de olho nesse crescimento, iniciaram grandes investimentos na ampliação e construção de novos unidades. Eles terão que ser cada vez mais eficientes para fazer frente à concorrência.

A receita desse novo modelo são planos com preços mais baixos, margem e de escala mais altos. 

Informativo Bancário – E na CASSI, este tem sido o caminho também? 

Alberto Júnior – Definitivamente, não. Os níveis de investimentos exigidos por esse novo modelo são altos e a CASSI não tem como entrar nesse circuito estando deficitária. As ações implementadas até aqui pela gestão da Cassi, com foco na redução das despesas assistenciais não se mostraram eficazes, porque ela ainda se situa num modelo de negócio antigo com foco em processos internos, utilização, modelo negocial improdutivo com base em preço de insumos, taxas e serviços individualizados e não na assistência ou em novos modelos de remuneração. 

E quando se volta para reduzir despesas administrativas essa situação piora, por que diferentemente do Banco do Brasil, essas despesas não são as mais relevantes. As operadoras de saúde com melhores resultados são exatamente as que detém os maiores níveis de despesa administrativa. Diria que a CASSI atua com um nível de despesa administrativa e investimento que a torna incapaz de atuar sobre sua despesa assistencial, que é o mais relevante. Enquanto a despesa administrava da CASSI caiu de 9 para menos de 7% em dois anos, somente no ano passado a despesa assistencial do Plano de Associados (sem os Dependentes Indiretos) cresceu 28,8%. 

Informativo Bancário – Então o aumento das contribuições para o BB e os participantes é inevitável? 

Alberto Júnior – Acredito que sim, embora entenda que o crescimento das despesas assistenciais deva ser controlado urgentemente. Temos hoje uma situação deficitária acumulativa que está em R$ 215 milhões e com reservas inferiores aos níveis técnicos exigidos, os ativos garantidores estão negativos em R$ 74 milhões, PL negativo em R$ 99 milhões, Margem Mínima de Solvência em R$ 810 milhões negativos. Insustentável. 

Informativo Bancário – Houve evolução da proposta anterior para essa? 

Alberto Júnior – Claro. Não somente em relação à proposta, mas também ao processo negocial. O reestabelecimento da mesa de negociação e a postura propositiva do movimento sindical e das entidades representativas foi muito importante para que se chegasse a uma proposta melhor. 

A proposta em si avançou em aspectos importantes, tanto em relação aos itens de governança como no modelo contributivo e destacarei dois em especial. Mas antes de tudo, gostaria de frisar que essa proposta deve ser vista como um bloco e não separadamente, por ativos e aposentados de forma individualizada. 

O primeiro ponto a ser destacado é que a contribuição por dependentes deixa de ser um valor nominal, com reajustes atrelados às correções de mercado, e passa a ter um referencial de salário, mantendo os reajustes atrelados às negociações dos trabalhadores.  

  PARTICIPANTE BB
SALÁRIO R$ 4.200,00
TITULAR (4%)  R$                        168,00  R$                        189,00
1 DEP 1%  R$                          42,00  R$                        126,00
2 DEP 0,5%  R$                          21,00  R$                        126,00
3 DEP 0,25%  R$                          10,50  R$                        126,00
TOTAL  R$                        241,50  R$                        567,00
% do Salário 5,75% 13,50%
Relaçao Participante x BB 29,87% 70,13%
CONTRIBUIÇÃO ANTIGA  R$                        168,00  R$                        189,00
CRESCIMENTO Contrib Antiga 44% 300%
     
PLANO DE ASSOCIADOS  R$                        808,50  
PLANO CASSI FAMÍLIA  R$                     2.049,50 153%
2 NA PRIMEIRA FAIXA 0-18  R$                        423,24  R$                        846,48
2 na faixa de 20-33 anos  R$                        601,51  R$                     1.203,02

Fica evidente, por este cálculo, que a contribuição do BB por dependentes foi criada para manter os níveis de contribuição do banco sem afetar o cálculo da CVM 695. Vejo que essa contribuição, em parte, cobre os ativos num nível superior ao que seria necessário para compensar a não contribuição pelos dependentes dos aposentados. A proposta final, portanto, mantém a relação muito próxima dos atuais 60/40 praticada atualmente para o conjunto da categoria. 

Importante destacar também que mesmo com essa mudança, a Taxa de Administração até 2021 foi mantida e será aplicada retroativamente a jan/19. 

Informativo Bancário – Nesse novo modelo existe quebra de solidariedade? 

Alberto Júnior – Não há como se falar que esse modelo de custeio não seja solidário. Com essa decisão, a solidariedade é mantida, mesmo que em condição diferente da anterior. O que mudou é que os dependentes passaram a ser considerados na nova fórmula de cobrança, mas como disse anteriormente, com valores atrelados aos salários. Continuará a não haver diferenciação por faixa etária, risco ou qualquer outra variável que são obrigatórias nos planos de mercado. 

As autogestões possuem os mais diferentes modelos de contribuição e nem por isso podemos afirmar que não são solidários. No final, o importante é contribuir de acordo com o que se pode e utilizar tudo aquilo que é necessário. Só para se ter uma ideia, a contribuição na Petrobrás é por faixa etária, na Caixa Federal e no BRB a coparticipação compõe grande parte da arrecadação. 

A coparticipação, por exemplo, que temos no plano hoje, é muito mais danosa para o participante do que qualquer outro modelo. Esse é um critério financeiro de regulação, feito para baratear o preço do plano, mas oferecido para pessoas que não serão tratadas por eles a vida inteira, ao contrário dos participantes das autogestões. 

Isso significa que ela está atrelada a preço de mercado e que quanto mais você necessita, mais vai pagar. Considerando que a pessoa pode decidir não realizar um exame preventivo por não dispor daquela receita, poderá ter seu problema agravado e desenvolver outras comorbidades que lhe acompanharão até o final da vida. Essa pequena economia de hoje pode significar um grande prejuízo no futuro.  Embora isso não esteja sendo analisado nessa proposta, entendo que é algo que devemos discutir no futuro.   

Informativo Bancário – E o funcionário que está ingressando no BB, terá que contribuir com a parcela patronal ao se aposentar? 

Alberto Júnior – Entendo que isso será revisto nos próximos anos. Lembro que, no governo FHC, o Plano de Associados teve a entrada de novos funcionários interrompida, com ingresso no Plano CASSI Família. Posteriormente, ao serem migrados para o Plano de Associados, o Banco passou a contribuir apenas com o mesmo valor do funcionário. 

Com a mudança de governo, a isonomia foi conquistada e isso mudou para que todos ficassem na mesma condição. O mais importante agora, na atual conjuntura, é garantir o direito do novo funcionário de ingressar no Plano e manter a oxigenação da carteira. 

Informativo Bancário – Durante a negociação, o BB se mostrou intransigente em relação ao voto de minerva. Você entende que isso pode convencer os associados a votarem contra a proposta? 

Alberto Júnior – Primeiramente gostaria de dizer que sou contrário ao voto de minerva. Não acho que o voto de minerva vá mudar alguma coisa para CASSI. Durante minha vida profissional já deu pra perceber que durante crises, gestores e consultorias, procuram encontrar algum culpado para a situação. E quem procura acha. Entendo que o maior problema da CASSI sempre foi a falta de planejamento, de reunir todos os gestores e conselheiros a cada ano e discutir qual seriam os objetivos e estratégias da empresa para cada período e os resultados pretendidos. Como diria Lewis Carrol, em Alice no país das maravilhas: “Se você não se sabe para onde ir, qualquer caminho serve”. 

Esse planejamento, já há algum tempo que não se faz, e também não existem indicadores ou metas que possam orientar a atuação dos níveis táticos e operacionais. O que se vê são ideias e ações independentes de cada Diretoria, sem a devida análise dos resultados, ou com análises muito restritas, as áreas não interagem.  Daí surgem as principais crises nos colegiados da CASSI.  

Entretanto, o fato do voto de minerva ter sido reduzido apenas a fatores operacionais da Direção, e de não haver qualquer possibilidade de alcançar os regulamentos dos Planos ou o Estatuto, não vejo que seja algo que justifique comprometer a negociação como um todo. 

Mesmo sendo contrário, o preço a se pagar por não fechar o acordo e de não interromper o déficit da CASSI, é muito alto. Se houver planejamento e alinhamento na Direção, dificilmente esse voto será exercido para as questões operacionais e mesmo que seja, não consigo acreditar em como isso poderia afetar a assistência aos participantes, até porque todas as regras de cobertura e de atendimento são regulamentadas e controladas pela ANS e por isso não se tem modificar. 

Informativo Bancário – E quanto à intervenção da ANS? 

Alberto Júnior – Primeiramente é importante deixar claro que a ANS enxerga a situação da operadora e não do Plano individualmente. Graças às reservas do Plano CASSI essa discussão vem sendo adiada há algum tempo. Se o conceito de solvência fosse por plano, a situação dos associados estaria bem pior. 

Esse tema está regulamentado pela RN 316 da ANS e pela Lei 9.656/98. A CASSI já foi acionada pelo menos uma vez em novembro do ano passado para que se tomasse providências no sentido de sanear o Plano de Associados. E certamente já estaria sob regime de direção fiscal se fosse uma empresa de mercado. O fato do plano estar ligado a um grande Patrocinador e aos Funcionários do Banco do Brasil, entendo que a ANS esteja aguardando a conclusão das negociações para tomar uma posição. 

O grande objetivo da ANS com a intervenção é garantir que a assistência seja mantida. Se entender que a operadora não terá como garantir isso, ela pode decidir pela alienação compulsória da carteira para outra operadora e até decretar a liquidação da CASSI. 

Entrar sob direção fiscal da ANS é entrar em uma aventura que ninguém sabe onde vai parar. As pessoas que dizem que essa situação é boa para os Associados, que nos favorece, desconhecem a realidade ou estão sabendo de algo que ninguém mais sabe. 

Mesmo com a intervenção, a negociação continuará entre patrocinador e associados, as soluções encontradas pelas operadoras nessa condição têm apresentado soluções por elas mesmas, com exceção dos casos onde as carteiras foram alienadas ou a operadora encerrada. 

Ainda prefiro, e tenho essa esperança, que as coisas se resolvam entre patrocinador e associados pela via negocial. 

Informativo Bancário – Para encerrar, como você enxerga o futuro da CASSI? 

Alberto Júnior – Vejo com certo ceticismo. Dentre as reduzidas opções que o mercado dispõe, ainda não vi ou li de maneira concreta, que caminho, de fato, a CASSI irá seguir.  Não consigo enxergar qualquer perspectiva dela se alinhar às mudanças do setor se mudanças radicais na sua estratégia de mercado não forem implementadas urgentemente. 

Além disso, sem parcerias ou investimentos compatíveis, a situação tende a se agravar, e a proposta que está aí para ser votada, se aprovada, resolve o problema da CASSI para os próximos três anos, mas, se não, a situação tende a ficar insustentável. 

É preciso que haja uma conscientização dos nossos representantes à frente da CASSI, gestores, representantes do Banco, das entidades e do movimento sindical, de que o tempo é curto e os recursos escassos para mudar nossa realidade nesse jogo. 

Mesmo que as propostas sejam aprovadas, sugiro que o patrocinador, entidades e o próprio movimento sindical mantenham equipes monitorando as ações e resultados da CASSI, ou que seja criada uma mesa de negociação permanente, para não serem surpreendidos num futuro breve.

Da Redação