Investigações em curso deflagradas pela Polícia Civil do DF e pelo Ministério Público colocaram na última semana o senador Joaquim Roriz (PMDB) no centro dos escândalos de fraudes envolvendo a cúpula do BRB. O senador foi flagrado pela Operação Aquarela negociando, em 13 de março último, por telefone, com o então presidente do BRB, Tarcísio Franklin de Moura, o resgate em espécie de um cheque de R$ 2,2 milhões do Banco do Brasil. Segundo as investigações, o cheque era do empresário Nenê Constantino, dono da Gol, e foi descontado no BRB (embora fosse do BB).
Desde que as denúncias vieram a público, Roriz ainda não falou pessoalmente sobre o assunto. Limitou-se a divulgar nota com explicações que em nada convencem.
O jornalista Ricardo Noblat, em seu blog, analisa a nota publicada por Roriz (a qual classifica de explicação furada), confrontando-a com as conversas gravadas pela polícia. Confira a seguir.
A explicação furada de um senador
Examinemos a nota distribuída ontem à noite pelo senador Joaquim Roriz (PMDB-DF) confrontando-a com o diálogo travado por ele com o ex-presidente do Banco Regional de Brasília, Tarcísio Franklin Moura, e as informações oferecidas às revistas ÉPOCA e VEJA no último fim de semana pelo próprio Roriz e pelo empresário Nenê Constantino, dono da GOL.
1. Roriz diz na nota que no dia 12 de março último pediu R$ 300 mil emprestados a Nenê para dali a dois dias pagar uma bezerra que comprara à Associação de Ensino de Marília. Informa que tem comprovante de R$ 271.320,00 depositados na conta da tal Associação em uma agência do Banco do Brasil. E que deu os R$ 28.680,00 restantes para o primo Benjamim Roriz, às voltas com problemas de saúde.
(Á ÉPOCA, Valério Neves, assessor de Roriz e escalado por ele para ser seu porta-voz, disse na quinta-feira que o senador não recebera dinheiro algum de Nenê. Apenas teria prestado a ele o favor de descontar no Banco Regional de Brasília um cheque de Nenê no valor de R$ 2,2 milhões.
Ora, o cheque era do Banco do Brasil. Nenê sequer tem conta no Banco Regional de Brasília. Por que pediria a Roriz para descontar no Banco Regional de Brasília um cheque do Banco do Brasil? Teria sido mais fácil descontá-lo… Onde mesmo? No Banco do Brasil, é claro.
No dia seguinte, Valério ofereceu outra versão à ÉPOCA. Basicamente é a mesma repetida na nota distribuída há pouco por Roriz. Com um detalhe a mais e no mínimo curioso: o preço da bezerra era R$ 532 mil. Saiu por R$ 271, 320,00 porque o vendedor resolveu dar um desconto. E que desconto – de quase 50%.
À VEJA, na sexta-feira, Nenê confirmou que emprestara R$ 300 mil a Roriz. O empréstimo deu origem a um contrato assinado pelos dois e a promissórias assinadas por Roriz. Contudo, não há registro do contrato em cartório. Nem reconhecimento em cartório de assinaturas. Quanto ao cheque de R$ 2. 231.155,00 milhões contra o Banco do Brasil entregue a Roriz para que o descontasse no Banco Regional de Brasília, Nenê disse à VEJA que nunca ouvira falar.
No sábado, procurado por repórteres de jornais, Nenê recuperou a memória e avalizou a história do cheque contada por Roriz.
2. A respeito do seu diálogo com Tarcísio grampeado pela polícia no dia 13 de março último, Roriz limita-se a dizer na nota que ele se deu "ante a necessidade de resgatar, em espécie, a pedido do beneficiário do cheque (Nenê), os R$ 2.231.155,00".
(Vamos a trechos do diálogo publicados na VEJA.
Roriz Recebeu aí?
Tarcísio Recebi e já estou resolvendo. Lá pelas 4 horas vai ser entregue para o Major o valor total. (…) Lá na MSPW (refere-se à sigla SMPW, que designa a região da residência de Roriz em Brasília).
Roriz Não, mas o, o… Mas pode ser separado.
Tarcísio Não, mas o melhor era tirar de uma vez só, porque não tem jeito de o cheque ficar no caixa.
Roriz Ah, sei. Não tem, não?
Tarcísio Não. Não tem como tirar o dinheiro e pôr o cheque na compensação, e pronto.
Roriz Não pode tirar? Tiraram tudo?
Tarcísio Tudo. (…)
Roriz Então tá… Mas aí não dá pra entregar assim porque… Mas… Se você… Na hora que tiver com você, você avisa para mim.
Tarcísio Não, não vai estar na minha mão, não. O dinheiro vai da tesouraria, vai direto. Vai num carro.
Roriz Ah, não. Aí não quero, não. (…) Desse jeito, não.
Tarcísio E como eu vou transportar esse dinheirão todo?
Roriz Mas não quero, não. (…)
Tarcísio Então eu vou ter que… Porque não tem jeito, não tem como… Onde é que vai pôr esse dinheiro?
Roriz Não tem um cofre, tesouraria?
Tarcísio Saiu da tesouraria tem que entregar para alguém.
Roriz Não tem um cofre, não?
Tarcísio Mas pra isso tudo não tem, não. (Risos)
Roriz Então vamos esperar, ver o que faz. (…) Eu não sei, eu não sei como é que faz… Assim eu não gostaria, não.
Tarcísio Não?
Roriz O dinheiro é de muita gente.
Como o dinheiro "é de muita gente"? Parte do dinheiro (R$ 300 mil) era de Roriz emprestada por Nenê, e o resto do próprio Nenê, segundo Roriz disse na nota.
Tarcísio Ahã. Pois é. O problema é que tinha que centralizar num lugar e fazer (refere-se a fazer a partilha). Porque depósito mesmo é só um, de 200 e poucos mil (refere-se ao fato de que apenas uma pessoa receberia o dinheiro na forma de depósito). E como é que entrega os outros? Não tem jeito. Tinha que entregar num lugar, pra naquele lugar dividir. Eu imaginei que podia levar para lá ("lá", no caso, era a MSPW, região onde mora Roriz).
Roriz Não, não convém, não.
No mesmo dia, em outro telefonema que Roriz também se negou a comentar em sua nota, ele e Tarcísio se acertaram:
Tarcísio Posso sugerir um negócio?
Roriz Pode.
Tarcísio Por que a gente não leva lá para o escritório do Nenê (refere-se a Nenê Constantino, dono da Gol)?
Roriz Era pra isso mesmo.
Tarcísio E de lá cada um sai com o seu.
Como "de lá cada um sai com o seu"? Roriz sairia com o dele (R$ 300 mil), a se acreditar no que ele diz. Nenê, dono do cheque do Banco do Brasil descontado no Banco Regional de Brasília, ficaria com o resto.
Não teria sido mais fácil mandar entregar R$ 300 mil a Roriz e o resto a Nenê? Por que a partilha do dinheiro teria de ser feita no escritório de Nenê?
A resposta é óbvia: porque mais gente participaria da partilha. E porque essa história contada por Roriz não se sustenta. É uma história inventada para enganar os trouxas.
Roriz é um homem riquíssimo.
Não cola a desculpa de que estava duro e de que não poderia pagar menos de R$ 300 mil por uma bezerra.
Não cola a informação de que o dono da bezerra deu um desconto no preço de quase 50%.
Não cola que Nenê pediu para Roriz sacar no Banco Regional de Brasília um cheque que era do Banco do Brasil.
Nada simplesmente cola.
Pode colar para os senadores – muitos deles acostumados com práticas parecidas, quase todos dispostos a ser cúmplices de crimes.)