O combate à desigualdade na América Latina passa pela tributação dos mais ricos. Entenda

0

Na região mais desigual do planeta, cerca de 41% das riquezas produzidas pelos trabalhadores estão concentradas com 1% da população

Entidades da sociedade civil organizada em países da América Latina cobram por uma tributação justa para combater a pobreza e a fome nesta que é a região mais desigual do planeta em termos de distribuição de renda. Diante dos desafios de altos índices de desemprego e das novas tecnologias, além da acumulação exagerada de capital, resta reafirmar o papel do Estado. Diante disso, crescem os movimentos que exigem justiça social, a partir da tributação correta dos super-ricos. Este movimento, a cada dia, ganha corpo na América Latina. O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) articula formas de reduzir as desigualdades com outros pares do continente.

“O desemprego aumenta, as pessoas perdem renda e as pequenas empresas entram em colapso. Enquanto isso, os super-ricos vão ficando ainda mais ricos. Tributar os super-ricos é um projeto popular elaborado por um conjunto de entidades, que propõem alterações nas leis tributárias, para criar condições”, afirma texto de entidades que reúnem representações sindicais e movimentos sociais dos mais diversos espectros políticos, reunidos na Campanha Tributar os Super-Ricos.

Na última semana, o governo Lula reuniu presidentes de 11 países do continente. Em pauta, uma cooperação efetiva por justiça social, proteção ambiental e crescimento sustentável. Os países, reunidos no bloco da Unasul, enfrentam problemas similares. Entre eles, destaque para os desafios que a nova conjuntura política e econômica impõem. A América Latina, de acordo com dados do Banco Mundial, é a região mais desigual do planeta. Cerca de 41% das riquezas produzidas pelo povo estão concentradas em 1% da população. Enquanto isso, estes super-ricos contribuem apenas com 4% da arrecadação de impostos.

Ampliando o espectro, de cada 100 pessoas do continente, 77 estão em situação de vulnerabilidade. Enquanto isso, os 10% mais ricos ostentam 71% de toda a riqueza. Além disso, 60% destes, jamais produziram nada. São herdeiros que sequer pagaram impostos pelo patrimônio exacerbado.

Trabalho conjunto

“Problemas comuns, soluções coletivas”, apelam as entidades. Então, o caminho óbvio apresentado é uma construção conjunta que tenha impacto nas economias regionais. Entre as medidas urgentes, reformas tributárias em cada nação para construir um caminho de justiça social.

“Crise sem precedentes requer soluções inovadoras”, destaca Adrián Falco, membro da Red de Justicia Fiscal de América Latina y El Caribe (SES), plataforma que, em conjunto com a Red Latinoamericana por Justicia Económica y Social (Latindadd), lidera o movimento. Segundo o secretário da SES, essa não é uma questão de revanche de classes, mas sim uma busca por justiça na alocação de recursos para programas de combate à fome. Ele ressalta que, durante a pandemia, os mais ricos aumentaram seus ganhos, ao contrário da maioria da população.

Tamanho do rombo

Com as propostas tributárias em vigor, estima-se que o bloco possa arrecadar aproximadamente 26 bilhões de dólares por ano. No Brasil, a campanha foi lançada em outubro e consiste em oito projetos legislativos que, se aprovados, poderiam gerar uma arrecadação de R$ 300 bilhões por ano, com uma taxa de apenas 0,3% sobre os mais ricos.

Jorge Coronado, especialista em tributação internacional e porta-voz da campanha, destaca que o atual sistema tributário afeta de forma significativa os mais vulneráveis, uma vez que incide sobre o consumo. Ele argumenta que essa situação é escandalosa, especialmente diante da pandemia, que está ceifando vidas e agravando a pobreza e a desigualdade. Com a perda de 20 milhões de empregos, a intenção é reconstruir os países com uma contribuição justa por parte daqueles que possuem mais recursos.

Dentre as medidas propostas, destacam-se a tributação dos ganhos de capital dos 10% mais ricos e suas empresas, a taxação de heranças e doações, a atualização dos valores dos imóveis para fins de cobrança de impostos e a tributação daqueles que possuem mais de US$ 1 milhão.

Mais do que ética, sobrevivência

Maria Regina Duarte Paiva, presidente do Instituto Justiça Fiscal (IJF) e representante brasileira na campanha latino-americana, destaca que os cadastros nacionais possuem informações detalhadas sobre os indivíduos de baixa renda, enquanto sabem muito pouco sobre os milionários, uma realidade comum em todos os países.

Os ricos não declaram corretamente seus ativos ou fornecem informações muito abaixo do que realmente possuem”, ressalta Adrian de Falco, argentino membro da campanha. Carlos Bedoya, da rede Latindadd, enfatiza a necessidade de reformas tributárias em todos os países do bloco, onde a falta de cobrança de impostos ou a subtributação são uma realidade comum.

Veronica Serafini, representante da Latinddad no Paraguai, destaca que a pandemia revelou um cenário desolador: jovens perdem empregos e abandonam os estudos, mulheres sofrem mais com a perda de emprego e renda durante o isolamento, pois não têm acesso a serviços públicos como escolas para seus filhos, além do aumento da violência doméstica e do estresse. As crianças são profundamente prejudicadas por estarem em casa, e aqueles com mais de 50 anos enfrentarão dificuldades para encontrar emprego e se aposentar. “As dívidas dos países aumentarão significativamente e os governos levarão gerações para se recuperar do endividamento, a menos que medidas de justiça fiscal sejam implementadas”, alerta a economista.

“Taxar a riqueza não é apenas uma necessidade ética. É a única ferramenta para acabar com a pobreza e a desigualdade”, conclui o porta-voz da campanha.

Fonte: Rede Brasil Atual