Nova Caref BB, Kelly Quirino tem sua posse celebrada em cerimônia no Teatro dos Bancários

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Sob aplausos, a nova representante dos funcionários no Conselho de Administração do Banco do Brasil foi recepcionada no ato de celebração da posse promovido pelo Sindicato. Kelly Quirino, eleita em primeiro turno, agradeceu pelos mais de 30 mil votos, se emocionou com a presença de familiares, amigos e lideranças negras do DF na cerimônia e recebeu homenagem do coletivo BB Black Power. A noite terminou com música e dança para celebrar.

O evento contou com a participação de bancários e bancárias do BB, integrantes de coletivos de mulheres, de pessoas negras, com deficiência e LGTBQIAP+. Lideranças do movimento negro, como a suplente de deputado federal Ruth Venceremos, a Ialorixá Mãe Baiana, as integrantes do Movimento Negro Unificado Jacira da Silva e Graça Santos, além de membros do Ministério da Igualdade Racial e do coletivo Mulheres Baobá.

Logo na abertura da cerimônia, o coletivo BB Black Power rendeu homenagens à nova Caref BB, a primeira mulher negra a ser eleita para o conselho. Edileusa, que integra o coletivo, chamou ao palco a mãe de Kelly, dona Ana Quirino, grande referência para a nova conselheira. O coletivo entregou flores e um turbante “em nome dos mais de 300 funcionários do banco que hoje fazem parte do quilombo chamado BB Black Power, fundado por Kelly”, contou a bancária.

Presidente do Sindicato, Kleytton Morais saudou os trabalhadores e as entidades que se somaram para eleger uma representante coesa com a luta em defesa do BB e do funcionalismo. “A defesa do Banco do Brasil, que passa pela valorização das ‘pratas da casa’, está ainda mais resguardada porque esta companheira estará lá nos representando”, apontou o dirigente.

Depois de seis anos de ataques sistemáticos, Kleytton disse ainda que “é este instrumento chamado Banco do Brasil, com as pessoas que a gente elege para nos representar, somado aos esforços dos bancários e bancárias, entidades e parceiros, fará com que o Brasil saia dessa armadilha de produção de miséria porque temos capacidade de nos mobilizar pela dignidade humana e contra as injustiças. É com esse instrumento que vamos mudar a cara do Brasil”.

“Defendemos o nome da Kelly para o Caref do BB porque sabemos o que significa ter uma mulher negra ocupar este cargo. Acreditamos que a gestão trará o respeito a todos os trabalhadores do Banco do Brasil, principalmente aqueles que até então não tiveram voz e voto. Conte conosco nesta missão”, destacou o presidente da Federação dos Bancários do Centro Norte (Fetec-CUT/CN), Cleiton dos Santos.

Fernanda Lopes, secretária da Mulher da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), contou da emoção e orgulho de trabalhar pela eleição de Kelly para o Caref. “A gente sabe o quanto é difícil para uma mulher assumir postos de comando. Ainda hoje vemos o reflexo disso dentro do Banco do Brasil: depois de 214 anos, temos hoje a primeira mulher presidenta, o que impacta em toda a estrutura. É um avanço muito grande ter a Kelly no Conselho de Administração”, comemorou a dirigente, comentando que ainda são poucas as mulheres conselheiras nas estatais.

A deputada federal e empregada da Caixa Erika Kokay também participou do ato de posse. Em sua fala, a parlamentar disse se tratar “de um momento histórico porque bancários e bancárias do BB elegeram a primeira mulher negra para o Conselho de Administração. Uma mulher com uma trajetória de transformar a sua pele preta em traje de gala para entrar em todos os espaços”.

Fala, conselheira

Às lágrimas, Kelly começou seu discurso de posse (leia a íntegra ao final da matéria) agradecendo a todos que apostaram em sua candidatura e saudou as mais velhas dizendo que “se eu consegui chegar aqui, foi porque vocês pavimentaram o caminho”. E seguiu “de Dandara a Acotirene, de Luiza Mahin a Lélia Gonzalez e Carolina Maria de Jesus. Eu sou o sonho e a esperança dessas mulheres. Elas me sustentaram e me possibilitaram estar diante do meu maior desafio agora: ser Caref do BB. Fui eleita para integrar o Conselho da principal instituição financeira estatal do país, com o voto dos meus colegas, disputando com 90 candidatos. Bancários e bancárias do BB escolheram uma mulher negra para representá-los”, contextualizou a nova Caref.

Ao falar sobre o histórico do banco bicentenário, Quirino resgatou as lamentáveis participações do BB no período de escravidão no Brasil (quando a instituição chegou a ter mais de 40 mil pessoas escravizadas hipotecadas) e apontou para os caminhos da mudança de rota. “Capazes de reescrever o passado, temos a responsabilidade de melhorar o presente e criar um futuro melhor para gerações vindouras que seja caracterizado pela igualdade e pelo respeito à diversidade. Hoje, com a minha eleição, parte da reparação que está começando a ser escrita”, disse a Caref.

Kelly assume a vaga de representante do funcionalismo do Conselho de Administração do BB, com mandato de dois anos.

Confira o discurso de posse de Kelly Quirino:

Boa noite a todas! Boa noite a todos! Boa noite a todes!

Agradeço a todes pela presença nesta noite de muita emoção para mim, e  de muito simbolismo para nosso Banco do Brasil! 

Quero agradecer aos meus mais velhos, em especial a minha mãe  e minha tia que estão presente nesta noite. Aos colegas do Banco do Brasil, meus amigos dos grupos de afinidade do  BB Black, LGBTQIAP+ do BB, Liderança Feminina, PCD’s. Agradeço a todas as pessoas que votaram em mim, ainda que não me conhecessem. Acreditaram em mim, no nosso projeto e me elegeram. 

As pessoas que chegaram antes de mim e pavimentaram o meu caminho, de gerentes, de líderes, mentores. Cada um que me ajudou a construir minha carreira no BB e hoje, estar aqui como representante dos colegas do BB. 

Quando uma mulher negra se movimenta, toda uma estrutura se movimenta. É isto que estamos fazendo agora. De Dandara, Akotirene, Luiza Mahin, Lélia Gonzalez e Carolina Maria de Jesus. As minhas mais velhas na luta como Sueli Carneiro, a Jacira da Silva e Graça Santos. Eu sou o sonho e a esperança destas mulheres. Elas que me sustentaram e me possibilitaram a estar diante do meu maior desafio: ser Caref do BB. 

Em 27 de janeiro deste ano, fui eleita para integrar o Conselho de Administração do Banco do Brasil. Com o voto de 19.091 colegas, disputando com outros 90 candidatos, as funcionárias e os funcionários da principal instituição financeira estatal do país, escolheram – pela primeira vez, e em primeiro turno – uma mulher negra para representá-los.

Nos quase 215 anos de existência, o Banco do Brasil foi protagonista de muitos trechos da história do país: em verdade, ajudou a escrevê-la.

Muitas dessas histórias são motivos de orgulho. Afinal, o Banco foi celeiro do desenvolvimento de nossa economia, apoiou a industrialização da nação, esteve presente como protagonista no fomento à agricultura e é uma grande ferramenta de Estado para implementar políticas públicas.  Ele está presente em todo o nosso território continental.

E, sendo protagonista das crônicas do Brasil desde 1808, desde a monarquia, o Banco do Brasil também deu arrimo para páginas bastante ultrajantes de nossa história. 

Não posso deixar de trazer à tona nessa cerimônia uma dessas páginas: ela se encontra nos anais da escravidão de meus ancestrais.

Atuando como a principal instituição bancária do país, o BB testemunhou de perto, durante décadas, o comércio lucrativo e sanguinário de pessoas escravizadas, ainda no período colonial. 

Envergonho-me profundamente ao recordar que, no início da história deste Banco, ele não apenas contemplava passivamente as profundas tristezas da escravidão, mas, em muitas ocasiões, serviu como base de transações que impulsionaram o mercado de seres humanos.

Como fruto da atuação na época, o BB colaborou para transformar vidas em meros registros contábeis, assolando milhares de africanos raptados e escravizados, que foram drasticamente reduzidos à mercadoria, à “ativo” no balanço de brancos endinheirados e poderosos. 

Registros acadêmicos apontam que o Banco do Brasil chegou a ter mais de 40 mil escravizados “hipotecados”, dados em garantia de operações de crédito. Feito bens, feito máquinas, feito mero colateral financeiro.

O machado esquece. A árvore recorda e espalha sementes.

Incapazes de reescrever o passado, temos a responsabilidade de melhorar o presente e criar um futuro melhor para as gerações vindouras, que seja caracterizado pela igualdade e pelo respeito à diversidade.

Ao relembrar desse tempo, que não se apaga, tenho a clareza de que, se hoje me torno uma conselheira eleita pelos funcionários do BB, não se trata apenas de uma conquista pessoal. 

Na verdade, presenciamos, sem falsa modéstia, um marco para a representatividade racial e de gênero, e um grito contra o racismo e sexismo estrutural que ainda vivemos no Brasil, e em particular no mundo corporativo. Eu mesma sofri situações racistas em minha carreira como ser impedida de usar o turbante em uma agência. O argumento é que não era um código de vestimenta do BB. Meu turbante incomodou. Meu riso incomodou. Minha determinação incomodou. Mas, com o apoio da minha família, amigos, colegas negros e negras do BB Black, do movimento negro de Brasília, deste Sindicato fui me fortalecendo e de forma coletiva fomos combatendo o racismo, o sexismo e o classismo. 

Não caio no discurso de meritocracia que é liberal e raso, por um motivo muito simples: sei muito bem das lutas que foram travadas por grandes mulheres, grandes pretas e pretos, para que eu pudesse estar aqui. 

É assim que me sinto enquanto tomo posse como CAREF: orgulhosa por construir e ser parte da mudança que a sociedade tanto necessita.

Essa conquista me faz lembrar do longo caminho que trilhei: de uma família pobre da periferia de São Paulo, filha de uma faxineira e de um costureiro, estudei toda minha vida na educação pública. Com muito esforço dos meus pais, dona Ana e seu Tica, consegui cursar uma universidade pública – um privilégio para poucos de onde eu vim.

Lá em 2003, quando coloquei o pé na universidade, as cotas sociais e raciais ainda não eram uma realidade na Unesp. Eu era uma das pouquíssimas pessoas negras a circular naquele espaço universitário e sentia esse peso o tempo todo.

Percebi logo que aquele cenário precisava mudar. Foi justamente na sala de aula que tive a oportunidade de moldar minhas ideias, desenvolver meus sonhos e refinar minha capacidade de liderança para atuar no mercado financeiro e no espaço acadêmico. 

Cresci querendo ressignificar o lugar de mulher negra e periférica: ousei ser jornalista, ousei ser mestra, ousei ser professora, doutora, estudar nos Estados Unidos… E agora ouso, respaldada por vocês, ser conselheira de uma importante estatal de meu país.

Se quer ir rápido, vá sozinha. Se quer ir longe, escolha bem quem vai te acompanhar, e vá em grupo. Eu não estou sozinha. Nunca estive. Aqui estão companheiros de luta do Sindicato. Aqui estão meus amigos jornalistas negros e negras da Cojira-DF. Aqui estão amigos queridos, que moram em várias cidades que já morei por trabalhar no BB como Bauru, Santos e Brasília. Amigos de infância que estão me acompanhando em São Paulo. Meu quilombo de pretos e pretas do BB: BB Black. 

O apoio do movimento sindical foi fundamental para que hoje eu esteja nesse púlpito: a participação de cada colega, atuando na base, divulgando a candidatura, postando nas redes sociais, e validando meu nome. Sem esse trabalho e essa dedicação, não estaríamos hoje aqui celebrando. A cada um, de cada sindicato, em cada estado, eu agradeço profundamente. 

Meu agradecimento especial ao presidente do Sindicato de Brasília, Kleytton Morais, e aos colegas desta casa, que além de todo o respaldo na campanha, ainda abriram as portas de sua sede para este evento tão marcante. 

Em São Paulo, no mês passado, tive a oportunidade de celebrar, juntamente com os associados, a marca histórica de 100 anos do Sindicato de São Paulo, Osasco e Região, e agradecer a cada um pela receptividade ao meu nome como CAREF.

Algumas coisas mudam, mas a importância da representação sindical e dos movimentos sociais permanece mais viva do que nunca. Sentimos isso na pele nos últimos anos de retirada de direitos e de desorganização social, trabalhista e previdenciária.

Obrigado, amigas e amigos do movimento sindical e dos movimentos sociais! Vocês estão em  meu coração e fazem parte desse mandato!

Durante anos, as mulheres negras foram excluídas das cúpulas dirigentes das grandes corporações brasileiras, sendo ainda invisibilizadas. 

De acordo com pesquisa publicada pelo IBDEE em 2021, o percentual de mulheres em conselhos de administração de empresas brasileiras é de apenas 17%. 

Quando fazemos o recorte de gênero e raça, interseccionalmente, mulheres negras não chegam a 1% das vagas de conselheiro: são representadas por um traço, como destaca o manifesto criado pela organização Women On Board.

Esse índice revela a vergonhosa sub-representação e mostra qual o tamanho do esforço ainda será necessário para ecoar a voz da diversidade pelos espaços de poder.

Nosso mandato como CAREF é pautado pela defesa de políticas efetivas de diversidade e inclusão no Banco do Brasil. Acreditamos que a estatal deve servir de exemplo para as demais empresas do país, sendo um paradigma de governança forte e transparente, respeito aos funcionários e defesa de princípios democráticos e dos direitos humanos.

Quero ser a voz dos funcionários no Conselho, e trabalhar fortemente para que o CAREF tenha maior escopo de atuação, podendo, inclusive, debater e votar temas ligados ao funcionalismo.

Defendo que o CAREF tenha papel legitimado do Conselho e das diretorias para dialogar diuturnamente com o corpo funcional e com os atores importantes para nossa empresa. Que o mandato possa ter o respaldo para atender efetivamente a expectativa dos colegas.

Todos os funcionários devem saber quem é o seu representante no Conselho do BB, e como acioná-lo. Para isso, abri minhas redes sociais para serem canais permanentes de comunicação, inclusive criando o “Zap da Kelly”.

Assumo como conselheira do BB num momento de união e reconstrução do país. 

E o Banco que queremos construir é diverso, é plural, e é público em sua essência de atuação. Defendo a ampliação do protagonismo do BB no mercado financeiro e nas entidades em que atua como membro. Combaterei todas as formas de enfraquecimento do conglomerado, assim como medidas para vender seus ativos. 

O país não precisa de um banco público atuando com as mesmas diretrizes de um banco privado: o nosso papel é outro!

É o de fomentar linhas de crédito adequadas ao desenvolvimento das economias locais, pequenos e médios agricultores, cooperativas e as ações de desenvolvimento sustentáveis. Desenvolver as iniciativas de bancarização, microcrédito e capacitação em crédito consciente e gestão financeira de clientes. É apoiar a cultura com os CCBB e apostar em projetos sociais sólidos com a nossa querida e poderosa Fundação Banco do Brasil. 

Desejamos retomar o papel de interiorização de atendimento bancário, revendo o fechamento de agências em localidades que ficaram sem acesso aos serviços financeiros. Devemos respeitar a decisão dos clientes com relação à forma de atendimento preferida.

Apoiarei a revisão de políticas de crédito para agricultura não-sustentável, para empresas sem aderência a princípios de direitos humanos e de ASG, e para envolvidos em quaisquer atos antidemocráticos. 

Darei suporte de modo enérgico aos trabalhos do recém criado “GT de Diversidade”, como fruto de uma longa demanda dos grupos identitários do Banco, como o BB Black Power, do qual sou uma das fundadoras.

O país que queremos pode não ser fácil de ser alcançado, mas ele começa por nossas próprias ações nos meios em que atuamos.

Acreditamos que mudanças verdadeiras começam com representatividade nas esferas de decisão. Por isso, queremos ver mais mulheres negras, pessoas LGBTQIA+, PCDs e outros grupos historicamente excluídos assumindo responsabilidades nos diversos níveis das organizações. Por que não começar pelo BB?

É necessário que se invista em políticas de diversidade e de combate ao assédio moral e sexual para fortalecer as nossas instituições, e estamos dispostos a contribuir para este objetivo, em parceria com as representações sindicais e os movimentos da sociedade civil.

Estamos aqui prontas para lutar pela mudança que a sociedade precisa. É hora de apostar na diversidade e inclusão nas posições de decisão das grandes instituições. É hora de levantar a bandeira contra o racismo e sexismo estruturais. É hora de destacar as mulheres negras nos grandes empreendimentos brasileiros. É hora de nos erguermos e lutarmos contra estereótipos, preconceitos e exclusão social.

Um antigo provérbio africano diz que quando as teias de aranha se juntam, elas podem amarrar um leão.

Invoco aqui todas as pessoas que acreditam na transformação social à luta pela superação das barreiras de gênero, raça e orientação sexual na economia. Somente respeitando nossos funcionários, retendo nossos talentos e construindo espaços abertos para as diferenças, é que alcançaremos a justiça, a igualdade e o bem-estar social do qual sonhamos.

Mais uma vez agradeço todos que estão aqui no Teatro dos Bancários. Quem está me acompanhando na transmissão. Contem comigo para transformar nossa realidade naquilo que queremos e sonhamos!

Ubuntu – Eu sou porque nós somos. Tenham uma boa noite

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Joanna Alves
Do Seeb Brasília