Cerca de 600 indígenas irão acompanhar em Brasília (DF) o julgamento do marco temporal no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta-feira (30). As caravanas começaram a chegar à capital federal desde domingo (27) para participar de mobilização coletiva pela rejeição da tese, que começou a ser analisada pela Corte em 2017, mas já teve o julgamento adiado diversas vezes desde então.
Uma comitiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) abriu negociações com a polícia do STF para que cerca de 50 lideranças do grupo acompanhem os votos dos magistrados do plenário. Eles também negociam com as forças de segurança do Distrito Federal para que o restante dos indígenas monitore a sessão do lado de fora, em uma espécie de vigília, assim como foi feito em outras datas para as quais estava agendado o retorno da avaliação do caso.
Dinamam Tuxá, um dos líderes da coordenação-executiva da Apib, afirma que, para eles, a observação presencial do julgamento e o acompanhamento do lado de fora do prédio têm não só um sentido político, mas também místico para os povos tradicionais.
“A nossa presença nas proximidades e até mesmo no plenário do Supremo é também uma forma de a gente emanar a nossa força como povo indígena, até porque, quando estamos nas proximidades, a gente faz os nossos rituais, chama as outras forças que nós acreditamos que fazem parte da nossa cultura, do nosso dia a dia dentro da comunidade, trazemos nossos protetores, nossos anciãos para fazerem a reza, os rituais. Nós acreditamos que essa força pode colaborar com o julgamento a favor dos povos indígenas”, afirma o dirigente.
Segundo a Apib, as delegações incluem ônibus que partiram de São Paulo, Santa Catarina, Rondônia, Pará, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Acre, Minas Gerais e Bahia. Um grupo de 80 integrantes do povo Xokleng, de Santa Catarina, chegou a Brasília na noite de segunda (28). O caso da comunidade é o foco do julgamento, pois a ação que está sob análise dos ministros trata da Terra Indígena Ibirama La-Klãnõ, habitada pelos Xokleng e também pelos povos Kaingang e Guarani. Os ministros irão decidir se a área pode abarcar trechos disputados pelo governo estadual de Santa Catarina e fazendeiros locais.
A universitária Isabel Tukano veio do Paraná junto com outros três colegas para se somar às delegações. O grupo viajou cerca de 12 horas para chegar à capital federal, na expectativa de contribuir com a pressão coletiva para rejeitar a tese do marco temporal. “Queria muito que eles entendessem que votar a favor dos indígenas é votar a favor de toda a humanidade”, afirma a estudante, ao mencionar a cultura de conservação dos recursos ambientais, historicamente mantida pelos povos tradicionais.
A tese do marco temporal se ampara na ideia de que as comunidades tradicionais só têm direito a terras que já estivessem ocupadas ou sob disputa desde antes da promulgação da Constituição Federal de 1988. Isabel Tukano lembra a importância do julgamento, ao destacar que o caso tem repercussão geral, ou seja, a decisão que vier a ser tomada pelos ministros valerá como entendimento de referência para a situação jurídica de todos os demais povos, inclusive os que já têm seus territórios formalmente demarcados.
“Como é um tema que abala todos os povos, principalmente os que estão em áreas de retomada, territórios que ainda não foram homologados ou demarcados, a nossa vinda à Brasília é muito importante porque a gente precisa mostrar ao nível nacional e internacional que os povos indígenas existiam antes mesmo de Cabral chegar ao Brasil. Nós existimos, somos milhares, com territórios e línguas diferentes. Então, eu vim pra Brasília defender o território, porque o indígena sem território não é nada.”
Expectativa
Nesta terça-feira (29) de véspera da retomada do julgamento, são comuns entre os indígenas os relatos de ansiedade diante do placar que venha a ser firmado pela Corte a respeito do caso. A espera se torna ainda mais tensa quando o assunto é o voto do ministro Cristiano Zanin, que foi indicado pelo presidente Lula (PT) e assumiu o posto recentemente. Em poucas semanas de atuação no STF, o magistrado rejeitou a descriminalização da maconha, a equiparação da transfobia e da homofobia ao racismo, assim como votou contra ação que tratava de violência policial sofrida por indígenas.
Este último posicionamento, por exemplo, fez o ex-advogado de Lula se alinhar a Kassio Nunes e André Mendonça, indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e tidos como os integrantes mais conservadores da atual composição da Corte. Essas primeiras manifestações de Zanin no STF deixaram em alerta lideranças indígenas, que temem um possível voto favorável ao marco temporal.
“Estamos bastante receosos do que pode vir porque não sabemos como ele vai reagir. Com as últimas movimentações dele, isso deixa um certo receio, medo e ansiedade na gente”, afirma Dinamam Tuxá. Na mesma sintonia, Isabel Tukano diz que há grande expectativa em torno do voto do ministro.
“A gente espera que ele se sensibilize porque nós também somos conservadores dentro da nossa questão do saber indígena. Que ele entenda que ser indígena é uma forma de conservar, e conservar para todo mundo e para a própria família dele um ar que seja respirável, uma água limpa.”
Até o momento, o placar na Corte está em um voto favorável ao marco temporal por parte de Kassio Nunes e dois votos contrários à tese, sendo estes últimos vindos dos ministros Alexandre de Moraes e Edson Fachin, o relator do caso. O julgamento deve ser retomado na tarde de quarta (30), com a leitura do voto de André Mendonça.
Fonte: Brasil de Fato