Brasil terá Lei de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher

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O Projeto de Lei de Conversão (PLC) 37/2006, conhecido como Lei da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, foi sancionado pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 07 de agosto, às 12h, no Palácio do Planalto. O presidente vai homenagear Maria da Penha, caso simbólico de violência doméstica, no Brasil, dando seu nome à lei sancionada. Ela altera o Código Penal e possibilita que agressores sejam presos em flagrante ou tenham sua prisão preventiva decretada. Acabam as penas pecuniárias em que os agressores eram condenados ao pagamento de multas ou cestas básicas. A pena de detenção dos crimes de violência doméstica triplicou: era de seis meses a um ano e saltou para três meses a três anos. O Brasil passa a ser o 18º país da América Latina a contar com uma lei específica para os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.

O governo federal enviou o projeto de lei ao Congresso Nacional no dia 25 de novembro de 2004, através da ministra Nilcéa Freire, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM). Foi elaborado por um Grupo de Trabalho Interministerial, composto de 8 ministérios, baseado em anteprojeto de um consórcio de organizações não-governamentais. O Legislativo apresentou substitutivo com alterações endossadas pelo governo, após amplo processo de audiências públicas (14) em assembléias legislativas das cinco regiões do país. Teve aprovação unânime em todas as instâncias da Câmara dos Deputados e Senado Federal.

Medidas de proteção e assistência

A nova legislação prevê inéditas medidas de proteção para a mulher que está em situação de violência e corre risco de vida. As medidas, que variam conforme cada caso, devem ser determinadas pelo juiz em até 48 horas e vão desde a saída do agressor do domicílio e a proibição de sua aproximação física junto à mulher agredida e filhos, até o direito da mulher reaver seus bens e cancelar procurações conferidas ao agressor.

A lei também estabelece medidas de assistência social como a inclusão da mulher em situação de risco no cadastro de programas assistenciais do governo federal, estadual e municipal.

Crimes não têm “menor potencial ofensivo”

Até agora, os crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher eram considerados de “menor potencial ofensivo” e julgados pelos Juizados Especiais Criminais, junto com causas como brigas de vizinho ou de rua, acidentes de trânsito, dentre outras. A nova lei determina que esses crimes sejam julgados nos Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, a serem criados pelos Tribunais de Justiça dos estados e do Distrito Federal. Depois da publicação dessa lei, os Juizados Especiais Criminais têm 45 dias para encaminhar os casos de violência doméstica às Varas Criminais, que julgarão esses crimes até a instituição dos novos juizados.

Outra inovação é que a lei tipifica a violência doméstica e familiar contra a mulher como uma das formas de violação dos direitos humanos, além de caracterizar a violência psicológica como forma de violência.

A partir de agora, as investigações passam a ser mais detalhadas, com depoimentos não só da vítima e do agressor, mas também das testemunhas.

Violência contra as mulheres no Brasil

Em todos os países, os índices de violência doméstica e familiar contra a mulher estão sujeitos a uma significativa subnotificação. O medo e a vergonha fazem com que a maioria das mulheres que sofrem violência em casa, não registrem denúncia. O próprio fato dos crimes acontecerem no âmbito doméstico, privado, já lhes confere invisibilidade.

Apesar disso, no Brasil, estima-se a ocorrência de mais de 2 milhões de casos de violência doméstica e familiar, anualmente, com base em pesquisa da Fundação Perseu Abramo, realizada em 2001.

Somente durante o ano de 2005, e considerando apenas as capitais brasileiras, houve cerca de 55 mil registros de ocorrências nas Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs) de todo o país. O índice salta para 160.824 se consideradas as DEAMs das demais cidades. Estes dados, todavia, tornam-se ainda mais significativos por corresponderem a apenas 27% das 391 DEAMs existentes. São informações preliminares do levantamento – ainda em curso – que a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) vem fazendo junto às Delegacias Especializadas.

Caso Maria da Penha

Maria da Penha é um caso simbólico de violência doméstica e familiar contra a mulher. Em 1983, por duas vezes, seu marido tentou assassiná-la. Na primeira vez por arma de fogo e na segunda por eletrocução e afogamento. As tentativas de homicídio resultaram em lesões irreversíveis à sua saúde, como paraplegia e outras seqüelas. À época do crime Maria da Penha tinha 38 anos e três filhas. A caçula com 1 ano, e as outras duas com 4 e 6 anos.

A investigação policial iniciou-se em 06 de junho de 1983, tendo sido apresentada a denúncia do Ministério Público Estadual, somente em 28 de setembro de 1984. A tramitação processual levou oito anos para proferir sentença em 1º grau: condenação a oito anos de reclusão. O acusado usou todos os recursos jurídicos para protelação do cumprimento da pena. A indignação dos movimentos de mulheres levou o caso à Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da OEA, com base na Convenção Americana de Diretos Humanos e na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra à Mulher (Convenção de Belém do Pará), ambas ratificadas pelo Governo brasileiro. O réu foi preso somente em 28 de outubro de 2002 e terminou por cumprir apenas 2 anos de reclusão. A OEA acatou, pela primeira vez, a denúncia de um crime de violência doméstica.

Sentindo na sua própria vida a ineficácia do Poder Judicial e a falta de políticas públicas adequadas para a prevenção da violência contra as mulheres, Penha tornou-se integrante dos movimentos sociais que lutam contra a violência e a impunidade. Decidiu compartilhar a sua experiência, escrevendo o livro “Sobrevivi…posso contar”, publicado em 1994, com apoio do Conselho Cearense dos Direitos da Mulher e a Comissão dos Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Ceará. Foi ativa impulsionadora do Observatório de Judiciário do ceará e integrante da Diretoria Executiva e Coordenadora de Estudos, Pesquisas e Publicações da APAVV (Associação de Parentes e Amig@s de Vítimas de Violência), além de se envolver em diversas outras atividades de militância em direitos humanos às quais se dedica cotidianamente.

Tabela comparativa

Hoje

Com a nova lei

NÃO EXISTE LEI ESPECÍFICA SOBRE A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER

TIPIFICA E DEFINE A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

NÃO ESTABELECE AS FORMAS DESTA VIOLÊNCIA

ESTABELECE AS FORMAS DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER COMO SENDO FÍSICA, PSICOLÓGICA, SEXUAL, PATRIMONIAL E MORAL.

NÃO TRATA DAS RELAÇÕES DE PESSOAS DO MESMO SEXO.

DETERMINA QUE A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER INDEPENDE DE ORIENTAÇÃO SEXUAL.

APLICA A LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS (LEI 9.099/95) PARA OS CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. ESTES JUIZADOS JULGAM OS CRIMES COM PENA DE ATÉ DOIS ANOS (MENOR POTENCIAL OFENSIVO).

RETIRA DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS (LEI 9.099/95) A COMPETÊNCIA PARA JULGAR OS CRIMES DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER.

PERMITE A APLICAÇÃO DE PENAS PECUNIÁRIAS COMO AS DE CESTAS BÁSICAS E MULTA.

PROÍBE A APLICAÇÃO DESTAS PENAS.

OS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS TRATAM SOMENTE DO CRIME, MAS PARA A MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA RESOLVER AS QUESTÕES DE FAMÍLIA (SEPARAÇÃO, PENSÃO, GUARDA DE FILHOS) TEM QUE INGRESSAR COM OUTRO PROCESSO NA VARA DE FAMÍLIA.

SERÃO CRIADOS JUIZADOS ESPECIAIS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER COM COMPETÊNCIA CÍVEL E CRIMINAL PARA ABRANGER TODAS AS QUESTÕES.

A AUTORIDADE POLICIAL EFETUA UM RESUMO DOS FATOS ATRAVÉS DO TCO (TERMO CIRCUNSTANCIADO DE OCORRÊNCIA).

PREVÊ UM CAPÍTULO ESPECÍFICO PARA O ATENDIMENTO PELA AUTORIDADE POLICIAL PARA OS CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER.

A MULHER PODE DESISTIR DA DENÚNCIA NA DELEGACIA.

A MULHER SOMENTE PODERÁ RENUNCIAR PERANTE O JUIZ.

É A MULHER QUE MUITAS VEZES ENTREGA A INTIMAÇÃO PARA O AGRESSOR COMPARECER EM AUDIÊNCIA.

É VEDADA A ENTREGA DA INTIMAÇÃO PELA MULHER AO AGRESSOR.

A LEI ATUAL NÃO UTILIZA A PRISÃO EM FLAGRANTE DO AGRESSOR.

POSSIBIBILITA A PRISÃO EM FLAGRANTE.

NÃO PREVÊ A PRISÃO PREVENTIVA PARA OS CRIMES DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA.

ALTERA O CÓDIGO DE PROCESSO PENAL PARA POSSIBILITAR AO JUIZ A DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA QUANDO HOUVER RISCOS À INTEGRIDADE FÍSICA OU PSICOLÓGICA DA MULHER.

A MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA GERALMENTE NÃO É INFORMADA QUANTO AO ANDAMENTO DOS ATOS PROCESSUAIS.

A MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA SERÁ NOTIFICADA DOS ATOS PROCESSUAIS, ESPECIALMENTE QUANTO AO INGRESSO E SAÍDA DA PRISÃO DO AGRESSOR.

A MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, EM GERAL, VAI DESACOMPANHADA DE ADVOGADO OU DEFENSOR PÚBLICO NAS AUDIÊNCIAS.

A MULHER DEVERÁ ESTAR ACOMPANHADA DE ADVOGADO OU DEFENSOR EM TODOS OS ATOS PROCESSUAIS.

A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER NÃO É CONSIDERADA AGRAVANTE DE PENA.

ALTERA O ARTIGO 61 DO CÓDIGO PENAL PARA CONSIDERAR ESTE TIPO DE VIOLÊNCIA COMO AGRAVANTE DA PENA.

HOJE A PENA PARA O CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA É DE 6 MESES A 1 ANOS

A PENA DO CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA PASSARÁ A SER DE 3 MESES A 3 ANOS.

A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA MULHER PORTADORA DE DEFICIÊNCIA NÃO AUMENTA A PENA.

SE A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA FOR COMETIDA CONTRA MULHER PORTADORA DE DEFICIÊNCIA, A PENA SERÁ AUMENTADA EM 1/3.

NÃO PREVÊ O COMPARECIMENTO DO AGRESSOR A PROGRAMAS DE RECUPERAÇÃO E REEDUCAÇÃO.

ALTERA A LEI DE EXECUÇÕES PENAIS PARA PERMITIR QUE O JUIZ DETERMINE O COMPARECIMENTO OBRIGATÓRIO DO AGRESSOR A PROGRAMAS DE RECUPERAÇÃO E REEDUCAÇÃO.