Artigo de Eustáquio Ribeiro | A Europa, os EUA e a guerra Rússia x Ucrânia: algumas reflexões

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A Europa paga um preço altíssimo pela relação de subserviência que tem com os EUA quanto à questão russa. Desde o pós Segunda Guerra, talvez traumatizada pela violência que foi o processo de dominação nazista, a Europa se colocou numa posição de subalternidade aos EUA, permitindo que os interesses daquele país se sobrepusessem aos dos países europeus. O que se vê desde 2022 em função da guerra entre a Rússia e a Ucrânia é um caso exemplar disso.

Um dos principais motivos da invasão russa à Ucrânia se deve à sanha desenfreada dos EUA de formar uma barreira de contenção contra a Rússia, usando países europeus integrantes da OTAN que fazem fronteira com aquele país. Este movimento desrespeita acordos anteriores feitos entre os EUA e a Rússia após o colapso da União Soviética, de que a OTAN não avançaria para as fronteiras do leste. Porém, a OTAN, a serviço dos EUA, foi constantemente avançando, capturando Polônia e países bálticos. A Ucrânia, até pelo tamanho da fronteira com a Rússia, é estratégica nesta equação de interesse americano, e, diante de uma realidade que poderia colocar em xeque seus interesses, os EUA ajudaram a fomentar uma oposição virulenta na Ucrânia, que em 2014 protagonizou uma quase guerra civil que derrubou o governo eleito próximo da Rússia. Isso permitiu a ascensão de líderes ucranianos em linha com os interesses dos EUA. Daí, na esteira do desejo americano, vêm as tratativas de entrada da Ucrânia na OTAN. O que ocorreu depois, todos acompanhamos diariamente pelos boletins da guerra.

E a Europa, como fica? Sem uma postura de altivez que demonstre ter voz ativa, sofre as consequências de ajudar a manter esta guerra inútil entre a Rússia e a Ucrânia, apresentando um comportamento que ratifica o discurso de Putin, de a Ucrânia estar sendo usada como ator na investida do ocidente contra a Rússia com o intuito de subjugá-la.

Nos últimos dias, a sociedade europeia assiste a mais um efeito deletério da guerra que ajuda a manter em prol dos interesses do EUA. Produtores rurais de diversos países estão protestando em busca de políticas públicas para o setor, que está sofrendo principalmente por causa dos altos preços de insumos agrícolas, especialmente fertilizantes, que têm na Rússia um dos principais produtores.

Desde o início desta guerra sem sentido, que provavelmente não ocorreria não fosse o interesse dos EUA em cercar a Rússia com seus mísseis a partir da expansão da OTAN para o leste, a população da Europa tem sofrido com uma alta generalizada dos preços de produtos e serviços, muito em função da grande elevação dos preços da energia, uma vez que, insuflada por interesse dos EUA e suportada pela posição subserviente da Europa, foram acordadas sanções econômicas contra a Rússia que incluem o impedimento da compra de produtos e serviços russos, obrigando os países europeus a pagarem muito mais caro pelo gás de outros fornecedores, e, por contraditório que possa parecer, inclusive dos EUA.

A elevação do preço dos fertilizantes decorre da mesma situação, o que, aliado ao alto preço da energia, tem sido o grande fomentador do movimento dos agricultores europeus que têm bloqueado estradas de diversos países. Ressalta-se também que, neste caldo de causas, os agricultores agregam protestos a políticas de compra da União Europeia, que, como mais um mecanismo de ajuda à Ucrânia, comprometeu-se a comprar grandes quantidades de grãos produzidos por aquele país, em detrimento dos produtores locais.

O pior de toda esta situação é que ela insufla os discursos da extrema direita xenofóbica que defende o fim do multilateralismo e de políticas que subsidiem os produtores locais. Não por acaso a extrema direita tem crescido de forma sólida e consistente em todo o continente, estando à frente de governos como Polônia, Hungria e Itália e vencido as últimas eleições na Holanda. E a continuar o clima extremado de raiva latente na França, este pode ser o futuro nas próximas eleições presidenciais do país. Também na Alemanha se assiste a algo mais assustador, o partido neonazista alemão AfD já conta hoje com apoio de aproximadamente 20% da população. Em junho próximo haverá um grande teste para os partidos tradicionalmente democráticos em toda a união europeia, as eleições para o parlamento europeu. Esta eleição será mais um termômetro a evidenciar os caminhos que o “Velho Continente” tem trilhado. Oxalá haja uma migração dos votos da extrema direita para a direita democrática, a exemplo do que ocorreu em julho de 2023 na Espanha, ocasião em que o partido de extrema direita Vox refluiu em deputados eleitos, o que possibilitou a formação de um governo progressista. 

O fato concreto é que, se a União Europeia não resgatar os princípios de sua formação – estabelecer laços de fraternidade que promovam o bem-estar social de sua população – e se desvencilhar dos interesses do EUA, adotando uma política altiva na sua relação com aquele país e com a Rússia e a China, infelizmente o futuro dos países da região ruma para tempos sombrios.

Antonio Eustáquio Ribeiro
Bancário aposentado do BRB, é mestre em Políticas Públicas