Artigo de Antonio Eustáquio | Realidade desmonta discurso da direita sobre família

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Há mais de uma década, a reboque da emersão da direita no Brasil, um dos pilares do discurso deste agrupamento social é a defesa do que consideram o modelo de família, a tradicional, aquela derivada do patriarcado machista, formada por um homem provedor, uma mulher submissa e filhos subservientes. Este discurso é a base de todo o ódio exarado por este extrato da sociedade contra qualquer arranjo familiar que não se enquadre neste parâmetro, o que alimenta ações extremas contra quem se insurge contra este modelo, especialmente mulheres que defendem pautas feministas e toda a população LGBTQIAPN+.

Embora existam inúmeros estudos que apontam o acerto da adoção de novos arranjos familiares e a incongruência do discurso da direita, neste dia 20 de julho, a divulgação do Anuário Brasileiro de Segurança Pública referente ao ano de 2022 joga mais uma pá de cal no discurso. No anuário se evidencia mais uma vez um dado alarmante, que não é novo e cresceu espantosamente nos últimos quatro anos, na esteira de um governo flagrantemente machista, misógino e homofóbico, o número de estupros, especialmente de vulneráveis (principalmente crianças).

Segundo o levantamento, foram notificados 74.930 estupros no Brasil em 2022, um crescimento de 8,2% em relação a 2021. Este número corresponde a 205 estupros por dia, sendo que a esmagadora maioria das vítimas são mulheres (88,7%), e 61,4% foram cometidos contra crianças e adolescentes até os 13 anos de idade. E o pior, 7 em cada 10 estupros (68,3%) foram cometidos dentro de casa, e em 82,7% dos casos os agressores eram conhecidos das vítimas e muitos eram os próprios familiares. E é importante ressaltar que estes números podem ser muito maiores, pois os especialistas em segurança afirmam que o estupro é um dos crimes menos notificados no Brasil.

Estes números clamam por uma forte reflexão e desmitificam o falso discurso direitista de que a tradicional família é o espaço sagrado e inexpugnável de segurança. Infelizmente, este tipo de discurso só acrescenta elementos para alimentar esta espiral de violência doméstica, cujas vítimas são exatamente aqueles a quem a sociedade tem a obrigação precípua de proteger: filhos e filhas menores. Rejeitar novos arranjos familiares e insistir no formato antiquado e cruel do patriarcado machista é compactuar com este tipo de violência que atinge esmagadoramente crianças e mulheres, sobretudo negros. Acrescem-se ao estupro ainda a detecção da elevação de ameaças, tentativas e ocorrências fatais de feminicídio e agressões contra crianças e adolescentes dentro de casa, outras manifestações da violência tipicamente doméstica.

Família é um núcleo onde os componentes devem se sentir seguros e acolhidos, e não lugar de disseminação de medo. Assim cabe, para além de aceitar a convivência como novos arranjos familiares, quebrar o conceito de que ao homem hétero cis é dado o direito supremo dentro de uma casa. Todos devem ser respeitados dentro de suas especificidades, e especialmente os menores devem ser amavelmente acolhidos, para que se formem adultos que não reproduzam um comportamento que contribua com esta tragédia mais uma vez desnudada pelo anuário 2022.

Antonio Eustáquio Ribeiro é ex-diretor do Sindicato e da Fetec-CUT/CN e mestre em Políticas Públicas