Arcabouço fiscal: como fica o SUS com o novo mecanismo de controle de gastos

Fim do teto de gastos é boa notícia, mas proposta do governo ainda tem potencial para limitar investimentos e preocupa

0

Após cinco anos acumulando perdas que somam R$ 70 bilhões, o Sistema Único de Saúde (SUS) opera sob a perspectiva de reconstrução e retomada de financiamentos. No entanto, o Regime Fiscal Sustentável, ou arcabouço fiscal, pode manter alguns obstáculos no caminho. 

O texto estabelece regras para controle dos gastos públicos e substitui o teto de gastos, definido no governo de Michel Temer (PMDB), que congelou o Orçamento Federal. A política, implementada após o golpe contra a ex-presidenta Dilma Rousseff (PT), ocorrido em 2016, impossibilitou a aplicação do que é previsto pela Constituição para a área da saúde, 15% da receita corrente liquida. 

Pelo arcabouço fiscal, as despesas são vinculadas à arrecadação. Independentemente da inflação, o gasto do governo poderia aumentar, no máximo, 70% do aumento da arrecadação com impostos. A proposta do governo também prevê um teto de 2,5% para aumento anual de despesas.  

O vice-presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde (ABrES), Francisco Funcia, afirma que esse dispositivo efetiva a limitação do crescimento das despesas. 

“Desses 2,5% máximos que pode crescer a despesa, uma parte será obrigatoriamente destinada à garantia do piso profissional da saúde. Isso traz como consequência novamente a ideia de que o piso da saúde vai ser um teto, porque, para se gastar mais do que os 15% da receita corrente líquida, você está tirando recursos de outras áreas.” 

Funcia afirma que o arcabouço representa um avanço em relação ao teto de gastos, mas estabelece uma restrição à capacidade de financiamento de políticas públicas em diferentes áreas. Além disso, declarações de membros da equipe econômica sinalizaram que poderia haver disposição de rever os pisos constitucionais. 

O especialista alerta que a possibilidade representaria um retrocesso. “As despesas com saúde cresceriam menos que o crescimento da receita, o que é muito grave, levando-se em conta o que o SUS tem feito e demonstrou na pandemia [de covid-19] e levando-se em conta que o Sistema Único de Saúde trata desde vacinas até consultas médicas simples, especializadas, transplantes, exames, o complexo industrial econômico da saúde. Está tudo nesse piso de 15%. Reduzir esse piso significa comprometer a capacidade, inclusive, de crescimento da economia”, analisa. 

Refinanciamento de políticas sociais

Promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o refinanciamento das políticas sociais é uma demanda geral dos setores da sociedade que apoiaram a candidatura petista. No caso da saúde, os movimentos consideram que o gasto público deve alcançar 6% do Produto Interno Bruto (PIB). 

Funcia ressalta que o índice está previsto nas diretrizes definidas na 17ª Conferência Nacional de Saúde e é essencial para garantir que a maior parte do gasto em saúde no Brasil seja público e, desse investimento público, que metade esteja entre as responsabilidades do governo federal. Hoje, a maior parcela de gastos é do setor privado e estados e municípios investem mais, apesar de arrecadarem menos. 

“No médio prazo, há, sim, possibilidade de se viabilizar esse nível de financiamento, para que o SUS possa, cada vez mais, cumprir com o preceito constitucional de acesso universal e integral [à saúde]. Com integralidade, com equidade. Principalmente, é fundamental lembrar aquilo que o próprio presidente da República tem falado em diversas ocasiões: que saúde não é gasto, mas é investimento.” 

Votação do arcabouço fiscal

O arcabouço fiscal passou por votação em dois turnos na Câmara dos Deputados, foi apreciado no Senado, onde sofreu modificações e, agora, volta à análise de deputados e deputadas. Havia a expectativa de que ele entrasse em pauta na semana passada, o que não ocorreu. O relator do texto, Cláudio Cajado (PP-BA), disse que a matéria pode ser retomada já na próxima semana. 

Fonte: Rádio Brasil de Fato