Agência da Caixa do RJ passa a se chamar Pequena África

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Coletivo Caixa Preta da Caixa: Francisco Eduardo, Gustavo Ribeiro, Gabriela Pinto, Elisangela Moreira, Gustavo Neves, Yago Feitosa (coordenador de Promoção da Igualdade Racial da Prefeitura do Rio), Debora Barbosa e Raquel Cyrilo

O dia 16 de junho de 2024 teve um significado histórico para os funcionários e funcionárias da Caixa Econômica Federal do Rio de Janeiro, da antiga Agência Barão de Tefé, com a cerimônia do rebatismo da unidade, que passou a se chamar Pequena África. A iniciativa foi da Superintendência Capital Rio de Janeiro. Estiveram presentes autoridades federais, estaduais e locais que tratam das questões raciais, bem como os representantes dos funcionários e funcionárias negros e negras da empresa.

Na abertura do evento, Sérgio Sales, superintendente da Caixa Econômica do RJ, destacou a importância e o comprometimento da instituição pelo reconhecimento cultural e resgate histórico.

O porquê da mudança do nome?

Em função da história do bairro que se chama Pequena África (bairros da Saúde, Gamboa e Santo Cristo), que fica na zona portuária da cidade do Rio de Janeiro. Conhecida por causa da presença expressiva de negros e negras escravizados alforriados e comunidades quilombolas. Entre 1850 a 1920 permaneceram trabalhando na região mesmo após o comércio de escravos se tornar ilegal no Brasil, em 1831. Local que abrigou negros de todo o país. Ergueram casas, locais de convívio cotidiano e centros religiosos.

Próximo da Agência, com o título de Patrimônio Cultural da Humanidade, o Cais do Valongo traz o seu valor histórico de ter sido o mais ativo mercado de escravos do Rio de Janeiro. Além do seu uso para esconder o mercado de escravos das elites do Rio de Janeiro, a qual estava preocupada em não contrair doenças e também em não ter que encarar a feiura do mercado.

O gerente de Carteira Gustavo Neves, um dos fundadores do grupo Caixa Preta, movimento de funcionários negros que luta pela implementação de ações afirmativas na Caixa, esclareceu que a iniciativa de mudar o nome da agência foi da própria empresa. “Mas acredito que a nossa atuação colaborou para isso”, lembra. “Estamos fazendo uma série de reivindicações e a empresa está nos ouvindo”.

Gustavo acrescenta que a mudança do nome da agência, situada na Região do Cais do Valongo, na zona portuária, foi a primeira entre mais de 500 unidades bancárias. “Foi uma grata surpresa, ficamos muitos felizes. Essa iniciativa representa um marco simbólico, estamos reescrevendo a nossa história, a empresa está ressignificando uma série de coisas”, disse, observando: “Porém, continuamos atentos. Não basta só a mudança de nome. Queremos mais negras e negros nos cargos de direção, e políticas de ações afirmativas. Uma vez que somos mais de 50% na população brasileira, temos que ter esse mesmo percentual nos cargos de direção na empresa”.

E acrescentou: “Queremos ter presença. Não queremos representatividade. Queremos estar em todos os espaços com grande número de pretos e pretas. Nos lugares de decisão”.

Reconhecimento histórico

Representando o Caixa Preta no evento, a gerente-geral da Agência Almirante Gonçalves, de Copabacana, Gabriela Pinto, ressaltou que a mudança do nome da agência significa um reconhecimento histórico, uma homenagem à cultura. “Temos uma história marcada por muitas lutas e muito representativa”, assinalou. Segundo ela, a repercussão da mudança do nome da agência, principalmente para a categoria bancária, deixou todos muito orgulhosos. “A iniciativa da Superintendência Capital Rio de Janeiro, na pessoa do senhor Sérgio Sales, tem uma importância significativa para o nosso movimento, desde a sua localização histórica, no Cais do Valongo”.

Gabriela também reiterou que o movimento aguarda mais ações de reconhecimento, mais equidade, resgate da memória e equiparação salarial. Enfim, valorização dos funcionários da Caixa. “Na empresa, aqui no Rio, já existem instâncias que tratam das questões de gênero. A racial não existe, para garantir a implementação das ações afirmativas para nós negras e negros”, pontuou.

Sobre ausência numérica e qualitativa de funcionários negros em cargos de decisão, de poder, Gabriela diz que existem sete agências em Copacabana. “Como gerente-geral, apenas eu, de negra. Estes são os desafios. Precisamos lutar para avançarmos de forma coletiva e com a fundamental participação de todos os colegas”, comenta.

Surgimento do Caixa Preta

Gustavo Neves é funcionário da Caixa desde 2004 e gerente há 10 anos.  Após ser convidado a participar de uma reunião exclusiva dos gerentes-gerais do RJ, à época estava como substituto. “Quando cheguei, olhei em volta: gente, parece que eu estava na Europa, só tinha três gerentes negros, duas mulheres e um homem, numa reunião com mais de 160 gerentes-gerais presentes”.

E continua: “Nem prestei atenção direito na reunião. Aquilo me incomodou de uma forma tão grande. Percebi que tinha uma barreira. Uma barreira institucional para o acesso dos negros em cargos de direção.  Fui para casa, e pensei, temos que fazer alguma coisa. Não adianta ficar parado que as coisas vão continuar na mesma.  Comentando com o meu xará Gustavo, da Assistência da Agência Rocinha, tivemos a ideia de formar um grupo. Começamos nós dois. Com o nome Caixa da instituição e, Preta, por ser indestrutível como caixa de avião. Inserimos primeiramente os funcionários e funcionárias pretos e pretas da Caixa do Rio. Fomos crescendo no estado por meio de indicação”.

Movimento de resistência

Criado em 1º. de junho de 2023, após a realização do Congresso Nacional da categoria, no Paraná, com a articulação de Josibel Rocha Soares, de Brasília, também integrante do grupo Caixa Preta. Hoje são 255 membros, e o grupo está presente em todos os estados do Brasil. “Isto facilitou muito a mobilização para discutir a nossa pauta. A partir desta mobilização passamos a ser ouvido pela alta direção da Caixa”, conta Gustavo Neves.

“O Caixa Preta não é institucionalizado, ainda não é vinculado a nenhuma instância da Caixa RJ. Temos alguns integrantes que exercem cargo de poder, mas o grupo é independente, composto de funcionários e funcionárias negros e negras da Caixa Econômica Federal. Temos apoio do Sindicato e da Associação dos Gerentes, uma vez que não temos fonte de recurso própria”, conclui Gustavo,  o criador do movimento.

Mobilização e luta

Corrobora estas constatações de Gustavo o articulador Josibel Rocha, de Brasília. Ele ressalta que “a participação do nosso Coletivo da Caixa Preta no ato do rebatismo da Agência Pequena África já mostra a disposição, a mobilização e a luta dos empregados pretos e pretas para obter cargos de confiança, na alta direção da Caixa”.

Para Josibel, é inadmissível que a Caixa Econômica, que foi banco dos negros que depositaram suas pequenas quantias para obter as alforrias, isso há 163 anos, nunca teve nenhum ou nenhuma presidenta, presidente ou vice-presidente negra e negro na alta direção da empresa. “Constata-se também nos cargos comissionados e de gerência, a baixa ocupação de pessoas pretas”, desabafa Josibel, enfatizando que esta situação precisa ser mudada na empresa.

“A Caixa Econômica necessita reconhecer a inteligência do povo negro, que tem muito a acrescentar na gestão, na estratégia e  nos produtos da Caixa. Este é o momento que o Coletivo Caixa Preta também tem a questão do pertencimento e o acolhimento dos empregados pretos e pretas que encontram e constroem coletivamente dentro deste Coletivo Caixa Pretas e Pretos”, avalia Josibel.

E conclui: “É a história e nós vamos mudar esta história a partir deste processo de luta e mobilização. Toda esta pressão de mobilização do Coletivo Caixa Preta faz a direção da empresa, pela primeira vez, dar atenção aos empregados pretas e pretos na Caixa Econômica. Somos voz ativa. Somos reconhecidos como movimento de luta”.

Censo em construção

Uma outra demanda do grupo é o Censo, que está em construção para saber a identidade de gênero no universo bancário do estado do Rio de Janeiro. “Há a percepção que são mais mulheres, que são mais ativas, mais atuantes”, aponta Gustavo Neto.

Ele conta que, depois da criação do grupo, a empresa vem fazendo uma série de mudanças. “Na Intranet, atualmente temos muita mais a presença de negros. É uma cobrança nossa. Fomos a Brasília, junto com o colega Josibel Rocha, quando reivindicamos ao Superintendente de Pessoas que era necessário, uma vez que não éramos representados visivelmente dentro da empresa pela Internet”.

Veja também: https://cultne.tv/temas/1/jornalismo/video/413/caixa_rebatismo_da_agencia_pequena_africa

Jacira da Silva
Colaboração para o Seeb Brasília