ARTIGO: A moratória argentina e a destruição de um país

0

Por Antonio Eustáquio Ribeiro*

Diuturnamente somos bombardeados pela grande mídia acerca dos benefícios de se entregar o controle total da economia aos mercados. Sempre ouvimos os mesmos argumentos: o mercado se auto regula, quem não é competente não se estabelece, as pessoas e as empresas precisam de total liberdade para empreender, e outros típicos da cartilha liberal.

Nas últimas décadas, temos visto ocorrer no mundo em geral e na América Latina em particular uma duríssima luta entre aqueles que pregam a supremacia do mercado e aqueles que defendem o social desenvolvimentismo, também conhecido como capitalismo de estado, em que o Estado, além de regulador, é indutor do crescimento econômico via políticas públicas de expansão do crédito e do mercado interno, do poder de compra das famílias e ainda de políticas industriais altivas que fortaleçam a indústria nacional e o conteúdo local, propiciando assim uma demanda agregada que sustente o crescimento.

Pois bem, miremos nosso olhar para nossa vizinha Argentina, cujo governo acaba de decretar moratória da dívida, e se ajoelhar pedindo nova renegociação com o FMI, isto depois de um aporte bilionário do próprio FMI para tentar estabilizar a economia naquele país.

Aqueles que não têm memória curta se lembram como o mercado louvou com todos os elogios possíveis quando Macri foi eleito presidente da Argentina para “dar fim à política desenvolvimentista dos Kirchner” e levar a Argentina ao paraíso do desenvolvimento. O mais irônico, e extremamente triste para o povo argentino, é que, inadvertidamente, compraram da grande mídia daquele país, o mesmo modelo que levou à maior crise da própria Argentina, que quebrou em 2001 após uma década de governo neoliberal de Menem, que a tudo atendeu de determinações do mercado.

Uma das primeiras medidas de Macri, a exemplo do que foi feito aqui quando Temer assumiu o governo após o golpe que depôs Dilma Roussef, foi a liberalização total dos preços que deveriam ser administrados, como combustíveis e energia, pois são fatores determinantes para o espraiamento geral de preços na economia como um todo. Feito isto, Macri empreendeu um acordo com os chamados fundos abutres, que não à toa têm este nome, que detinham quase nada da dívida argentina, mas se negaram a negociar com Kirchner e entraram na justiça americana contra aquele país. A alegação de Macri é que assim, o mercado ficaria dócil e investimentos abundariam na Argentina, trazendo o paraíso prometido pelo mercado.

Ledo e doce (ou azedo) engano. ´”O mercado é intrinsicamente mal” já disse há muitos anos D. Mauro Morelli, bispo progressista brasileiro, e, quando ganha um anel, cobra o dedo, depois a mão, depois o braço, e por fim o corpo inteiro. O fato é que, o mercado cobrou muito mais de Macri, e nada deu em troca, e o país entrou numa espiral inflacionária, de desinvestimento e de desindustrialização, com o respectivo desemprego e piora da qualidade de vida do povo. A moeda, vem sofrendo sucessivos ataques especulativos, e o que se vê hoje na Argentina é o Estado novamente quebrado, com inflação galopante e moeda em queda livre frente ao dólar.

O povo, óbvio, sofrendo horrores com mais uma experiência neoliberal fracassada, o país de joelhos frente aos financiadores mundiais, e o resultado é o reconhecimento do próprio país da impossibilidade de continuar pagando sua dívida. Medida tomada por um governo que se iniciou com a marca de atender a sanha de fundos abutres internacionais.

Esta ladainha do mercado como solução, que entorpeceu milhões de brasileiros em 2016, que num primeiro momento apoiaram o golpe contra Dilma, e que agora começam a se desiludir, também está fazendo o Brasil de vítima. Depois do estardalhaço de que com Temer, e depois Bolsonaro, o país deslancharia, após políticas de contenção de gastos sociais, desregulação das leis trabalhistas, destruição da indústria nacional, arrocho, arrocho e mais arrocho, se vê às voltas com um crescimento medíocre de pouco mais de 2% em três anos. E a sociedade pagando, com desemprego, redução do poder aquisitivo, piora na saúde, educação e segurança e esperança no futuro.

Enfim, isto é o mercado, isto é o neoliberalismo, que consegue destruir os países por onde passa, porém, promovendo ganhos absurdos aos donos das dívidas públicas destes países (os rentistas), e, não concidentemente, também donos das corporações de mídias que vendem à sociedade a falácia de que o mercado resolve tudo.

Para terminar, gosto de propor uma reflexão aos que, inadvertidamente, defendem o mercado: como explicar o aporte de mais de um trilhão de dólares do contribuinte norte americano no sistema financeiro daquele país após a crise de 2007/2008, uma política intervencionista típica de keynesianos, que causa assombro e urticária nos liberais? É assim o mercado, privatiza o lucro nas mãos de pouquíssimos e socializa o prejuízo. Não nos custa repetir para jamais esquecer: “o mercado é intrinsicamente mal”.

*Antonio Eustáquio Ribeiro é diretor da Federação Centro Norte (Fetec-CUT/CN) e mestrando em políticas públicas