15 DE OUTUBRO: Mais do que nunca, ensinar deve ser um ato político

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*Por Rodrigo Rodrigues

Não restam dúvidas de que o espaço da escola é determinante para a formação de indivíduos conscientes de sua condição de cidadão e que saibam exercer esse direito de forma autônoma e crítica. O processo tem como condicionante as figuras de quem ousa ensinar e de quem se atreve a aprender, verbos que funcionam sempre em mão dupla. Por ser organicamente revolucionário, o ensino e a educação no ambiente escolar e seus atores vêm sendo duramente atacados por um projeto político avesso ao propósito de contestar, resistir e se libertar; de se reconhecer pertencente ao mundo e ter capacidade de transformá-lo.

A estratégia de abafar o potencial poder transformador do ensino não é novidade na história do mundo, e os objetivos disso são tão claros como obscenos. Entretanto, para nós brasileiros, a tática vem agregada a um processo de retrocesso profundo.

Após passar pela ditadura militar e, na sequência, por uma onda neoliberal que tentou destruir tudo o que fosse público, tivemos 14 anos de fartos investimentos econômicos na educação pública, atingindo todas as etapas do ensino. Neste período, que teve na presidência da República Lula e Dilma, foram criados programas e leis como o Piso Nacional do Magistério, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), o Mais Escola. Também foi criado o Prouni e realizada a Reestruturação e Expansão de Universidades Federais, com a criação de 173 campi universitários e 18 universidades federais. De 2003 a 2014, o número de matrículas nas universidades pulou de 505 mil para 932 mil. No mesmo período, o número de professores universitários da rede federal aumentou de 40,5 mil para 75,2 mil. Pela primeira vez, filhas e filhos de empregadas domésticas levantavam diplomas de Medicina, Direito e outros cursos de nível superior marcados pela ausência de negros e pobres. De 2003 a 2016, o índice de estudantes matriculadas no ensino fundamental (4 a 17 anos) subiu de 88,9% para 93,6%. Finalmente estávamos rumo a índices justos no que diz respeito ao acesso e à qualidade da educação.

Agora, não há um respiro sequer. Bolsonaro, que chegou a dizer que os primeiros anos do ensino têm prioridade nas ações do Ministério da Educação, encaminhou recentemente ao Congresso Nacional projeto de orçamento que prevê para 2021 corte de R$ 1,4 bilhão no caixa da pasta, o que vai atingir principalmente a educação básica. O dinheiro será remanejado para a realização de obras federais. Outra promessa foi de que pelo menos R$ 220 milhões seriam investidos nas escolas para conexão à internet banda larga em 2019. Mas apenas 16% desse recurso foi pago. Isso em um contexto permeado pela Emenda Constitucional 95, que desde 2016, ainda no governo Michel Temer, gerou uma perda de R$ 99,5 bilhões para a educação, R$ 32,6 bilhões só em 2019, segundo dados da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

Ainda na esfera econômica, o governo propôs a reforma administrativa, que viabiliza a mercantilização de direitos humanos como a educação através da privatização das escolas e outros serviços públicos. Além disso, a proposta, que tramita na Câmara dos Deputados, torna regra o contrato temporário, acaba com o direito de férias de 45 dias para os professores, indica o fim da estabilidade via concurso público e despeja uma série de medidas que precarizam as relações de trabalho de professores e outros servidores do funcionalismo. Tudo isso, diga-se de passagem, via decreto.

Os ataques vão além da desidratação financeira da educação e se mostram na mesma proporção de gravidade na esfera ideológica.

Na corrida eleitoral de 2018, Bolsonaro foi o líder do combate a um suposto kit gay para estudantes, material que nunca existiu. Em rede nacional de televisão, ele chegou a apresentar um livreto que, segundo o então candidato, fazia parte do programa que seria elaborado pelo PT. Ali, ao mesmo tempo em que mentia sem pudor para milhões de brasileiros em um momento decisivo para direcionar os rumos do país, Bolsonaro mostrava – como fez tantas vezes em seus discursos – que orientação sexual e questões de gênero não poderiam ser temas de debates em sala de aula, ignorando a homofobia e o feminicídio que se mostram em números alarmantes no país. Embora absurda, a ideia foi materializada no projeto Escola Sem Partido, que continua com a ameaça de ser aprovado nacionalmente.

Em plena pandemia do novo coronavírus, Bolsonaro utilizou o recurso da desinformação para questionar o saber científico. Ele inflamou a sociedade com a falsa promessa da Cloroquina como solução para acabar com o vírus que já matou mais de 150 mil pessoas em todo o Brasil. Em nenhum momento, Bolsonaro deu crédito às pesquisas realizadas em universidades públicas e, muito menos, falou em investimento para acelerar a busca por uma vacina que imunize a população contra a Covid-19.

Na era Bolsonaro, governos que esperavam a brecha obscurantista entraram em ação. No DF, por exemplo, o governador Ibaneis Rocha (MDB) torce o nariz para a gestão democrática nas escolas, inviabilizando a consolidação do princípio da autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira. Quando o tema é educação, o governador prefere empenhar todos os esforços na militarização das escolas, afastando desses espaços a participação popular e o ensino como ferramenta de emancipação.

É neste contexto de imensurável retrocesso que devemos trazer à tona neste 15 de outubro a reflexão do nosso papel enquanto professoras e professores. Precisamos pensar em quais indivíduos queremos formar para o amanhã e, de forma horizontal, construir com quem também nos ensina caminhos alternativos ao autoritarismo, à opressão, ao medo, à miséria, à ausência da consciência de classe. Para além disso, devemos nos reconhecer como sujeitos de transformação, não apenas individualmente, mas sobretudo como categoria, elevando a unidade de classe como princípio máximo. Não podemos deixar que nos transformem em um corpo que anda sem pernas. Mais do que nunca, ensinar deve ser um ato político.

*Rodrigo Rodrigues é professor de História da rede pública de ensino do DF e presidente da CUT-DF