Em sua edição desta segunda-feira (26), o jornal Valor Econômico publicou reportagem sobre a operação de aquisição de títulos do Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS), que provocou prejuízo de mais de R$ 130 milhões ao BRB, operação esta realizada no auge da operação Caixa de Pandora, nos momentos finais da gestão de Ricardo Vieira, último presidente indicado pelo governador Arruda para a presidência do banco.
Confira, abaixo, a íntegra da reportagem.
BRB pede e Justiça bloqueia cotas de fundo
Uma briga judicial vencida liminarmente em duas instâncias pode fazer do Banco de Brasília (BRB) sócio minoritário indireto em negócios do empresário Antônio José de Almeida Carneiro. AJAC, como é conhecido, detém a maior parte do capital da Energisa, dona de cinco distribuidoras de energia elétrica no país; é controlador indireto da João Fortes Engenharia, construtora e incorporadora de imóveis com atuação nacional; e também da Log Print Gráfica e Logística, controladora da Print Laser.
Nos três empreendimentos, o banco do governo do Distrito Federal poderá ter um pequenina fatia por intermédio do fundo de investimento em participações (FIP) da Serra, no qual AJAC e a esposa, Maria Lucia Carneiro, são atualmente os únicos cotistas. A Justiça do DF mandou bloquear, em favor do banco, R$ 155,28 milhões em cotas do fundo, ao deferir pedido de indisponibilidade de bens em ação movida contra o empresário.
Na ação, o BRB pede rescisão de um contrato de compra e venda de créditos imobiliários firmado em novembro 2009 e o ressarcimento, em valores corrigidos, da quantia paga a AJAC. O valor apurado para fim de setembro deste ano foi o bloqueado. O empresário tentou reverter a liminar obtida pelo BRB em primeira instância. Em decisão publicada na semana passada, a desembargadora Ana Maria Brito, do Tribunal de Justiça do DF, indeferiu o recurso.
O patrimônio líquido do FIP da Serra somava R$ 2,6 bilhões em setembro. Não havendo pagamento do montante reclamado, o BRB pode pedir a transferência definitiva da titularidade das cotas bloqueadas, disse ao Valor o consultor jurídico do banco Romes Ribeiro. "Vamos dar ao processo a sequência necessária à recuperação do ativo", confirmou o presidente do BRB, Jacques Pena, convicto de que a ação será vencida no mérito, ainda não julgado. Mantida a situação de setembro, o banco ficaria dono de 6% do FIP.
O conflito judicial surgiu porque, em 2011, a Caixa Econômica Federal recusou-se a reconhecer os créditos contra o Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS) que o BRB tinha comprado de AJAC em 2009. A Caixa é operadora do FCVS, cujos passivos são, em último instância, do Tesouro Nacional.
O FCVS é o fundo que arcou com saldos devedores residuais de quem tinha financiamento habitacional e foi beneficiado por subsídios implícitos dados pelos planos de estabilização econômica nas décadas de 1980 e 1990. Os planos fizeram com que as prestações se tornassem insuficientes para quitar dívidas de contratos com garantia de cobertura pelo FCVS. O fundo ficou devendo dezenas de bilhões de reais aos bancos, que venderam parte desses créditos no mercado secundário.
Um pedacinho disso foi parar nas mãos de AJAC e revendido ao BRB por R$ 97,686 milhões, 15,8% abaixo do valor de face da época. Em 2011, quando o banco tentou fazer a novação dos créditos, a fim de substituí-los por títulos do Tesouro Nacional, a Caixa alegou que a dívida não existia mais. Justificou que o saldo estava zerado por causa de antecipações ao credor original, o antigo Banco do Estado do Rio de Janeiro (Banerj).
Com a privatização do Banerj, comprado pelo Itaú em 1997, os créditos contra o FCVS ficaram com o BERJ, parte do antigo banco que remanesceu sob controle do Estado. Segundo informações do processo movido pelo BRB, do BERJ foram para o mercado e, antes de comprados por AJAC, passaram pela empresa Tetto SPE5.
O Postalis, fundo de previdência dos empregados dos Correios, também comprou créditos imobiliários oriundos do BERJ que a Caixa depois se negou a reconhecer. A Caixa denunciou os dois casos como fraude no fim de 2011, levando a Polícia Federal e o Ministério Público Federal (MPF) a abrir investigações ainda em curso.
Ao mesmo tempo, a Caixa admitiu que uma falha no sistema de controle do FCVS propiciou a venda de créditos já pagos. Entre setembro de 2008 e fins de 2010, a informação sobre valores antecipados ficou desvinculada dos extratos dos credores, fazendo crer que não havia gravame sobre os créditos. Em função disso, o Postalis está processando a Caixa na Justiça.
Ainda assim, AJAC reconhece que o contrato com o BRB lhe obriga a ressarcir o banco por qualquer motivo que impeça a novação dos créditos. Em carta juntada ao processo, ele afirma a disposição de fazer o distrato e devolver o valor recebido em 2009 corrigido. A carta, do fim de 2011, fala em correção pela Taxa Referencial apenas. A Justiça do DF atualizou o valor pela inflação do INPC mais juros de 1% ao mês. O valor original, de R$ 97,686 milhões, no entanto, é incontroverso, embora ainda não tenha sido pago, levando o BRB a reclamar judicialmente o total.
Na mesma correspondência, o empresário diz ter " plena convicção da ilicitude de qualquer movimento da Caixa" no sentido de bloquear os créditos. Conforme ele, a operadora do FCVS teria bloqueado os créditos para garantir pagamento de dívidas do BERJ com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), do qual também é operadora. Porém, segundo AJAC, "não existe fundamento jurídico" nisso porque os créditos contra o FCVS "não estão caucionados em garantia de dívida confessada pelo BERJ".
Procurada pela reportagem, a Caixa disse, em nota, que não figurou como parte ou interveniente em quaisquer dos negócios de cessão de créditos e acrescentou que "os vendedores (cedentes) eram conhecedores de sua real condição". Disse ainda que prossegue com as medidas para resguardar o patrimônio do FCVS. Além de acionar Justiça, PF e MPF, a instituição abriu processo disciplinar interno, em curso, e multou uma empresa prestadora de serviços pelo erro de sistema que propiciou a suposta fraude.
Fonte: Valor Econômico
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