O Supremo Tribunal Federal reconheceu, por unanimidade, a existência do racismo estrutural no Brasil e determinou que o governo federal elabore, em até 12 meses, um plano nacional de enfrentamento às violações sistemáticas de direitos da população negra. A decisão, tomada no julgamento da ADPF 973, estabelece medidas em áreas como saúde, segurança alimentar, segurança pública, educação e políticas de reparação histórica.
Entre as determinações estão a revisão de critérios de acesso a políticas de cotas no ensino e no emprego, a capacitação de professores para o ensino da história e da cultura afro-brasileira, campanhas públicas contra o racismo e o preconceito religioso, além da priorização de projetos com presença relevante de pessoas negras em mecanismos de incentivo cultural, como a Lei Rouanet. A coordenação do plano ficará a cargo do Ministério da Igualdade Racial, com participação de outros ministérios e da sociedade civil, e o documento final será submetido à homologação do próprio STF.
Apesar do reconhecimento formal do racismo estrutural e da imposição de medidas concretas, a Corte rejeitou a tese de que o país vive um “estado de coisas inconstitucional”, entendimento que pressupõe violações graves, permanentes e generalizadas decorrentes de falhas estruturais do Estado. Para a maioria dos ministros, o fato de o governo já adotar algumas políticas de enfrentamento ao racismo afastaria a caracterização de omissão estatal sistemática.
A posição gerou críticas de organizações do movimento negro, que avaliam haver uma contradição entre reconhecer o racismo como elemento estruturante da sociedade brasileira e, ao mesmo tempo, recusar o reconhecimento da responsabilidade institucional do Estado. Para essas entidades, sem o reconhecimento do caráter institucional da discriminação racial, há risco de que as medidas determinadas se tornem frágeis ou insuficientes, dependentes da vontade política de governos de ocasião.
O relator da ação, ministro Luiz Fux, votou pelo reconhecimento do racismo estrutural, mas ajustou seu entendimento para afastar o Estado de Coisas Inconstitucional (ECI), posição acompanhada pela maioria da Corte. Divergiram os ministros que entenderam haver omissão estatal contínua e sistêmica no enfrentamento das violações de direitos da população negra.
O debate travado no STF dialoga diretamente com fatos recentes ocorridos fora do Judiciário. Nesta semana, uma militante negra foi presa durante uma manifestação contra o fim das cotas raciais em universidades de Santa Catarina, episódio que ganhou repercussão nacional. A ativista participava de um protesto público contrário à extinção das políticas de ação afirmativa no estado, medida considerada por movimentos sociais um retrocesso no combate às desigualdades raciais. O caso reacendeu críticas sobre a criminalização da mobilização social e sobre a violência institucional enfrentada por pessoas negras em espaços de reivindicação política.
Para entidades do movimento negro, episódios como esse evidenciam que o racismo não se manifesta apenas como fenômeno social difuso, mas também na atuação concreta de instituições do Estado, especialmente quando políticas de inclusão são desmontadas ou quando a contestação a esses retrocessos resulta em repressão.
A ação julgada pelo STF foi proposta por partidos como PT, PSOL, PSB, PCdoB, Rede, PDT e PV, que apontaram violações aos direitos à vida, à saúde, à segurança e à alimentação da população negra. Embora a decisão represente um marco jurídico ao reconhecer o racismo estrutural, organizações da sociedade civil afirmam que a efetividade do julgamento dependerá de monitoramento permanente, dotação orçamentária e responsabilização concreta de agentes públicos.
Para esses grupos, o risco é que o reconhecimento formal produza uma narrativa de missão cumprida, enquanto, na prática, a desigualdade racial continue sendo reproduzida por decisões administrativas, políticas públicas insuficientes e pela atuação cotidiana das próprias instituições estatais.
Victor Queiroz
Colaboração para o Sindicato
Copyright © 2025 Bancários-DF. Todos os direitos reservados