A discussão sobre o salário dos servidores públicos costuma ser marcada por generalizações e distorções. Na maior parte das vezes, os dados citados nas manchetes se referem a cargos federais — especialmente do Judiciário e do Legislativo — e são tomados como se representassem o conjunto do funcionalismo. A realidade, porém, é bem diferente.
Segundo Félix Lopez, assessor do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) órgão vinculado ao Ministério do Planejamento, os números de um levantamento feito por ele, até o ano de 2023, mostram que a mediana da remuneração no serviço público — ou seja, o ponto em que metade ganha menos e metade ganha mais — é de R$ 3.281, considerando todos os vínculos. Isso significa que 6 milhões, dos 12 milhões de trabalhadores do setor público, recebem até esse valor.
“Estamos falando de cerca de dois salários mínimos. Essa é a realidade de 50% do funcionalismo no país. É muito diferente da imagem de privilégios que se costuma vender” afirma.
Dos cerca de 12 milhões de vínculos de trabalho no setor público brasileiro, 60% estão no nível municipal, 30% nos estados e apenas 10% no federal. E nos municípios, onde estão seis de cada 10 servidores, a situação é ainda mais difícil. “A mediana da remuneração municipal é de R$ 2.640. Ou seja, metade dos cerca de 7 milhões de vínculos municipais recebe R$ 2.640 ou menos”, diz Félix.
Disparidades entre poderes e níveis
O dado evidencia o abismo entre o discurso e a realidade. “A base do funcionalismo, onde está a massa dos servidores, ganha pouco. Os salários altos são exceção, concentrados em poucos cargos e poderes.”
Ele ressalta que a análise precisa ser feita com base em dados reais e de forma federativa. “Não dá para discutir o serviço público como se fosse uma coisa só. É preciso olhar as diferenças entre municípios, estados e União — e entre os poderes — para entender o que realmente está em jogo”.
Os números ilustram também a desigualdade dentro do próprio setor público. No Executivo Municipal, que responde pela maior parte das contratações, os 10% mais pobres recebem até R$ 1.257, enquanto os 10% mais ricos ganham, em média, R$ 6.664.
O diagnóstico, segundo ele, é claro: “a desigualdade dentro do próprio setor público é grande, mas o discurso que pinta o funcionalismo como privilegiado é falso. A maioria dos servidores está na base, com salários baixos e responsabilidades imensas.”
A comparação com os níveis superiores mostra o contraste: no Judiciário Federal, os 20% com menor remuneração recebem cerca de R$ 11.543 — quase o dobro do que ganham os 10% mais ricos dos municípios. Já o Legislativo Federal apresenta as maiores remunerações médias: no topo, os 10% mais bem pagos chegam a R$ 36.700.
“Isso mostra uma disparidade muito grande”, observa Félix. “Os 20% mais pobres do Judiciário recebem o dobro do que os 10% mais ricos dos municípios. E quando você compara o Legislativo Federal com a base do Executivo Municipal, a diferença é de cerca de 30 vezes.”.
A partir dessa distribuição, é possível compreender o tamanho da distorção. “Quando se fala em salários altos do funcionalismo, normalmente estão se referindo ao funcionalismo federal, e não ao Brasil. O funcionalismo do Brasil é, em sua maioria, municipal e estadual — e tem remunerações significativamente inferiores”, explica.
Reforma administrativa tem base distorcida
Para o analista do Ipea, compreender essas diferenças é essencial para qualquer debate sério sobre o funcionalismo e sobre propostas de reforma administrativa.
“O problema é que as reformas são nacionais, mas o diagnóstico é federal. Usam os dados e os salários do funcionalismo federal para justificar medidas que vão atingir principalmente os servidores estaduais e municipais — justamente os que ganham menos”, critica.
O analista do Ipea lembra que essa distorção tem impactos concretos. “Quando se fala em flexibilizar estabilidade, por exemplo, pode até parecer uma medida de modernização no nível federal, onde há mais controle social e normas claras. Mas nos municípios, onde a patronagem e o uso político de nomeações são muito mais intensos, isso pode ter efeitos devastadores.”
Ele também destaca que as condições de trabalho, a qualificação e a relação com a política variam muito entre os níveis federativos. “A burocracia federal é mais estudada e tem regras mais consolidadas. Já a subnacional — estadual e municipal — é menos conhecida e mais vulnerável às pressões políticas. Isso precisa entrar na conta.”
O peso da narrativa
Para o pesquisador, a insistência em usar apenas os dados do alto escalão federal alimenta uma narrativa que estigmatiza o funcionalismo como um todo.
A imprensa costuma destacar os supersalários do Judiciário ou do Legislativo Federal, mas esses cargos representam uma fração mínima do total de servidores. A imensa maioria ganha pouco, trabalha em escolas, hospitais, prefeituras e serviços locais essenciais- Félix Lopes
Ele alerta que, sem essa diferenciação, a opinião pública acaba sendo levada a apoiar medidas que prejudicam quem ganha menos. “As reformas administrativas e salariais têm um escopo nacional, mas os argumentos são construídos com base nos salários do topo. Isso distorce completamente o debate”, afirma.
A pesquisa completa do Diap pode ser acessada aqui
Diga não a reforma administrativa
É por isso que o discurso de que é preciso fazer uma reforma administrativa, para combater “privilégios”, porque os servidores ganham muito nada mais é do que uma falácia, um ataque aos serviços públicos gratuitos, abrindo a porta para a corrupção. Sem a garantia de que seus empregos serão mantidos, dificilmente um trabalhador terceirizado ou apadrinho por políticos terá coragem de denunciar algum crime. Outra preocupação é a de que a reforma Administrativa permitirá a privatização do que hoje é gratuito, prejudicando toda a população brasileira.
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Prejuízos à população
Com a reforma, boa parte dos serviços públicos pode ser privatizado e terceirizado, além de permitir a contratação de não servidores, fazendo com que os indicados por políticos sirvam aos interesses particulares ao invés de atender a população.
Desde o governo de Jair Bolsonaro (PL-RJ) que a direita vem tentando fazer uma Reforma Administrativa, mas foi a resistência dos servidores que barraram a PEC nº 32 de 2020. Para os servidores o novo texto é uma forma de ressuscitar o que foi barrado anteriormente.
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A reforma e os impactos no serviço público
A proposta de Reforma Administrativa apresentada pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) retoma o discurso de “combate a privilégios” e modernização do Estado, mas provoca impactos diretos nas relações de trabalho do funcionalismo público. A análise técnica elaborada pela LBS Advogadas e Advogados aponta que o texto, dividido em quatro eixos (governança, transformação digital, profissionalização e extinção de privilégios), altera profundamente o regime jurídico dos servidores e pode reduzir direitos consolidados.
Acompanhe (por LBS Advogadas e Advogados)
Aposentados: Vedação de incorporações.
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Os principais pontos da reforma no novo texto
Férias de 60 dias: reduzidas para 30 dias, exceto para categorias específicas (professores e profissionais de saúde em risco).
A PEC, se aprovada, não pode ser vetada pelo Presidente da República. Ela ainda não começou a tramitar, pois precisa de 171 assinaturas dos deputados.
Fonte: CUT
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