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14 de Março de 2016 às 17:13

Qual é a pior das crises?

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» ROBERTO BOCACCIO PISCITELLI - Professor da Universidade de Brasília

Há poucos dias, o Supremo Tribunal Federal, alterando entendimento até então pacífico, decidiu que o indivíduo pode ser preso após sentença condenatória de segunda instância, o que desencadeou nova onda de prisões no país que já tem a quarta maior população carcerária do mundo, nas piores condições de sobrevivência de que se tem notícia. 

Sabe-se, hoje, que cerca de 25% das decisões de segunda instância são reformadas nas instâncias superiores. Poderia ser ocaso de indagar: o que é pior? Postergar o início do prazo de cumprimento da pena, mantendo provisoriamente o réu em liberdade, ou manter preso — por período indeterminado — um indivíduo que venha a ser considerado inocente? Qual é o preço da liberdade?Talvez a própria vida. 

Mas o que há de atroz nisso? Se a crença é a de que se deveriam suprimir instâncias, recursos, prazos, nesse rito, então que se tenha a coragem de mudar a lei. Mas e a questão é encontrar solução para a ineficiência do Judiciário, o problema é muito mais sério. 

É espantoso que 38% dos presos no Brasil não tenham sido condenados em sentença final (ou sequer julgados), e que a nossa taxa da população encarcerada seja de 98 por 100 mil habitantes, indicadores que nos colocam entre os primeiros do mundo.Triste é ninguém se escandalizar com isso. 

É inacreditável que, em um país em que se aceitem tantas denúncias que se convertem em verdadeiro justiçamento, ninguém da alta hierarquia denuncie a prática contumaz de decretar prisões preventivas que não têm prazo para acabar e, muitas vezes, sem que o indiciado tenha a oportunidade de depor, uma vez aceita como regra a prisão para investigar e o automático linchamento do indiciado.

É preocupante constatar o retorno do mesmo filme sempre em novas versões, melancólica lembrança que constitui um dos poucos privilégios dos que já passaram mais anos na vida. A rigor, o cumprimento de penas em regime fechado só se justificaria em casos em que o criminoso representasse risco efetivo à vida e à segurança das pessoas, ou quando suas transgressões fossem continuadas ou provocassem danos irreparáveis à sociedade. 

O desregramento institucional do país se traduz nos poderes praticamente ilimitados de algumas instituições e agentes públicos,movidos, em grande parte, pela torrente de denúncias de indivíduos de reputação mais do que duvidosa, que ditam o rumo, o ritmo e a duração das investigações e dos processos judiciais, e, de outra parte, pelo clamor da turba, insuflada e incendiada pelo radicalismo e pela paixão. Quanto mais poderoso,influente ou rico foro acusado ou suspeito, maior é a catarse coletiva, como nos velhos circos ou arenas, onde o que importa é ver sangue, numa escalada de ódio e de preconceito sem precedentes. 

As ações empreendidas por certas autoridades adquiriram o caráter de um grande show midiático — antes, durante e depois —, estrelado por alguns mocinhos, que, diante da indigência histórica e cultural do país, são alçados à condição de heróis redentores reverenciados como semideuses. Os alvos são cuidadosamente preparados, porque o show não pode parar. Enquanto isso, todos exigem mais autonomia, independência, autarquizando cada estrutura da administração, numa órbita exclusiva, como se fosse seu próprio partido. Tudo vai se esgarçando; está-se perdendo a noção de Estado. 

Diante de todo esse estado de coisas, não é de estranhar que sobrem manifestações de ministros de tribunais superiores, entre outros, preenchendo o vácuo da política, posicionando-se até como líderes partidários, e os demais, engolidos pela chamada opinião pública. A título de reflexão final, torna-se cada vez mais presente nosso Machado de Assis e O Alienista. Faltará cadeia para todos nós se, antes disso, não formos capazes de construir manicômios para internar os que estão nos jogando no precipício do passado.

Fonte: Correio Braziliense

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