Presidente do TST critica proposta de terceirização nas atividades-fim das empresas e defende a criação de regras para que trabalhadores não percam direitos. Embora não veja cenário para comemoração, ele destaca avanços, como a lei das domésticas
Além de inflação, recessão e desemprego em alta, resultado de anos de equívocos na política econômica, o trabalhador brasileiro enfrenta os efeitos das ferramentas que vêm sendo usadas para enfrentá-los: a elevação dos juros e o ajuste fiscal. Tramitam no Congresso Nacional projetos de lei que, para cortar despesas públicas, limitam os benefícios do seguro-desemprego e a pensões por morte.
Diante dessa conjuntura, em 2015, o Dia do Trabalho, comemorado em 1º de maio, tem características especiais, destaca em entrevista ao Correio o presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Antonio José de Barros Levenhagen. “Não é, infelizmente, um cenário que se possa comemorar efusivamente. É um 1º de Maio de reflexão para que o trabalhador não perca ainda mais direitos”, disse.
Ele aponta fatores que preocupam na defesa dos direitos dos trabalhadores. Criticou o projeto que permite a terceirização das atividades-fim, alertando que isso poderá aumentar o número de litígios judiciais. Entre as mazelas nacionais, a principal, diz, são os acidentes de trabalho. Apesar de tudo isso, ele vê motivos para otimismo, destacando propostas que facilitam as relações de trabalho.
O trabalhador tem o que comemorar neste 1º de Maio?
Não é um cenário que se possa comemorar efusivamente. É um 1º de Maio de reflexão, para que o trabalhador não perca mais direitos ainda. Quando acontece um ataque no Oriente Médio, a sociedade brasileira se comove. Mas diante de mais de 700 mil acidentes de trabalho no Brasil, não. Como se tivesse virado uma coisa corriqueira. Se não podemos celebrar, como gostaríamos, o 1º de Maio, pelo menos celebraremos o trabalhador brasileiro, que é mais que sobrevivente, é um vitorioso. Sou um pouco otimista, mas bastante realista. O cenário não parece promissor. Então, a torcida é para que a economia doméstica volte a funcionar e que a economia internacional também dê sinais de aquecimento.
Quais são os maiores riscos hoje a direitos?
Pretende-se fazer ajuste fiscal justamente sobre os mais frágeis. Um bom exemplo é a terceirização, em que se quer alcançar toda a atividade da empresa. É uma norma em branco. Não há um parâmetro percentual para regulamentar.
O que seria o ideal?
No Congresso, eu defendi, no máximo, 30% de mão de obra terceirizada e salários não inferiores a 80% do dos outros contratados. É justo que os empresários queiram maior produtividade e lucro. É da essência de uma democracia e de uma economia de mercado. Mas, para obter essa vantagem, não devem amesquinhar salários e direitos dos empregados.
O Estado tem fiscais do trabalho suficientes?
O mais engraçado na lei de terceirização, e aqui não é nenhuma crítica ao Congresso, porque ele é soberano, é que a lei deixou para a própria empresa contratante verificar os requisitos de solidez econômica, financeira e especialidade.
Não aumenta o direito do trabalhador, já que há solidariedade da empresa maior?
Não. Porque a solidariedade se discute dentro dos níveis salariais estabelecidos pela contratada. A terceirização se iniciou na década de 1980 com os governos conservadores de Margareth Thatcher e de Ronald Reagan. No Consenso de Washington, a economia foi inteiramente liberalizada, o capital sobrevalorizado em detrimento do trabalho humano.
O direito do trabalho é protecionista?
Não só no Brasil. Em toda sociedade democrática, de mercado. A sociedade brasileira e até alguns magistrados menos avisados imaginam que o Judiciário do Trabalho é protecionista porque deseja ser. Mas não. É porque aplica uma legislação protecionista. O empregado só dispõe do salário, tem que ser protegido. A proteção não pode ser exagerada, para não inviabilizar as micro, pequenas e médias empresas. Procuramos ser o mais equilibrados possível. O artigo 1º inciso 4º da Constituição diz: a República Federativa do Brasil se assenta nos princípios da livre iniciativa e da valorização social do trabalho. Coloca os dois no mesmo patamar. O artigo 8º da CLT, de uma extrema atualidade, diz que nenhum interesse particular ou de classe pode prevalecer sobre o interesse coletivo da nação.
Com a terceirização é diferente?
Falando como cidadão — porque, como presidente do TST, eu não posso emitir uma opinião como essa —,se vende a imagem de que a terceirização vem para aumentar a produtividade da empresa. Mas ela vem para aumentar a lucratividade. Esquecem de que, quando se terceiriza a atividade-fim, o objeto social da empresa, o produto pode apresentar defeito. E a empresa corre o risco de, com a mão de obra não qualificada, cair na Lei de Proteção ao Consumidor, tão protecionista quanto a CLT.
Como é a situação dos litígios nas microempresas?
Com as microempresas, a situação para nós é muito delicada. Porque o microempresário, com um ou dois auxiliares, emprega no Brasil mais de 60% dos trabalhadores. Muito mais que as grandes empresas. E quando a economia não vai bem, fica endividado, moralmente em situação difícil, e em débito com empregados. É o que costumamos chamar de litígio do roto contra o esfarrapado.
O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) é visto como algo disfuncional, por render menos que a inflação para o trabalhador e representar um ônus grande para o empresário, incluindo a multa em caso de demissão. Qual é sua avaliação sobre isso?
O FGTS tem uma natureza híbrida. Ele não só constitui uma poupança para o empregado. Também se destina à infraestrutura do país. A multa de 40% foi instituída até que se estabelecesse um mecanismo de proteção do emprego. Até a Constituição de 1988, era a estabilidade decenal. Majorou-se o valor da multa na dispensa, que era de 10%, para 40%. Mas o que era provisório acabou sendo definitivo. No fim, todos se acostumaram. Até os próprios empregados aceitaram bem a ideia, porque, embora haja grande rotatividade, conseguem esse recurso do FGTS. E é a lei do menor esforço.
Outro sistema não seria melhor para preservar o emprego?
A estabilidade, em outros países, está sendo revista. A Espanha, por exemplo, está fazendo um esforço muito grande para diminuir o custo da mão de obra na economia. De modo geral, na Europa, a proteção, até essa crise, era realmente expressiva. E se constatou que a proteção quase sempre vinha do Estado, que já não estava conseguindo dar conta. Aqui, optou-se por tirar a estabilidade, que não voltará. A OIT (Organização Internacional do Trabalho) baixou a Convenção nº 98, que estabelecia condições para a dispensa, exigindo motivo técnico e econômico nos casos em que não há justa causa. Isso está sendo cogitado lá no STF (Supremo Tribunal Federal), mas só para as estatais. O Brasil chegou a ratificar essa convenção, depois a denunciou. Ela regulamentava algo de extrema importância, que é a dispensa maciça. Mas com a denúncia, não se tem algo que a substitua.
Os escândalos da Petrobras fizeram que as contratadas demitirem empregados, e alguns não receberam os direitos. Isso pode entupir os tribunais com ações trabalhistas?
Há uma síndrome da litigiosidade. Precisamos de sistemas alternativos de solução de litígio, porque o Judiciário não avançou. Temos hoje o processo judicial eletrônico. A grande virtude dele é a agilidade. Os atos processuais correm rapidamente, o advogado não precisa sair do escritório; usa a internet, entra no sistema, faz a petição, recorre, ouve as testemunhas, só que tudo vai parando no juiz.
E por que o juiz não libera?
E aí vem a dúvida: o juiz não está julgando porque é preguiçoso ou porque tem muitos processos? Não se pode dar agilidade sem ver o outro lado. É preciso ter segurança e qualidade das decisões. É um perigo. No TST, passamos de 310 mil processos em 2014 e 2015 prenuncia um acréscimo perigoso, sobretudo se a terceirização for aprovada. Vai haver um incremento muito grande de litigiosidade, porque é uma norma em branco, não tem referências objetivas. E quem terá que dar as referências é o Judiciário. O juiz não pode deixar ao desamparo o empregado.
A crise econômica abre o risco de perda de outros direitos trabalhistas?
Não, é muito difícil que isso aconteça. A Constituição de 1988, cidadã, foi muito sábia. Constitucionalizou direitos trabalhistas. Para se alterar aquilo, só por meio de proposta de emenda constitucional. E aí o quórum é qualificado, a tramitação é muito demorada.
Nesse momento de pressão, não há o risco de o Congresso, agora com formação mais conservadora, aprovar propostas que tirem direitos?
Não. Deputado algum, por mais conservador que seja, chega a tanto. Nem senador. Se tirar aquilo, rui todo o sistema. Por outro lado, foram aprovados de projetos em benefício dos trabalhadores. A emenda constitucional das domésticas resgatou uma injustiça muito grande. A do trabalho análogo ao escravo também foi um avanço extraordinário.
Os trabalhadores apontam que a terceirização os prejudica e beneficia o capital e também que os projetos de lei que substituíram as medidas provisórias nº 664 e nº 665 tiram direitos. É verdade?
Fazer esse ajuste fiscal em cima do trabalhador é terrível. Os benefícios que apontei foram criados em uma época em que a economia brasileira voava em céu de brigadeiro. Infelizmente, com a crise de 2008, acabou-se percebendo que não é possível manter sistema de proteção tão amplo.
Esse conjunto de fatores também fez crescer o trabalho do Judiciário?
Muito. Nós insistimos que as negociações cheguem à exaustão. Só quando não há mesmo possibilidade de acordo, se instaura um dissídio coletivo. É muito difícil para nós, juízes, decidirmos um dissídio coletivo sem conhecimento da realidade das categorias econômica e profissional. Às vezes deixamos de dar algo que poderia ser dado, ou damos algo que a empresa não consegue suportar.
Fonte: Correio Braziliense
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