Viva sem violência: seminário aponta caminhos para combate à misoginia

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Combater a misoginia, ou seja, combater o ódio contra a mulher, que se manifesta na violência e no feminicídio, é uma tarefa complexa e que deve envolver todos os setores da sociedade. Essa é a síntese dos debates do último sábado, 2, no Sindicato dos Bancários de Brasília (Seeb-DF), durante o seminário “Viva sem Violência – Bancárias pelo fim da violência contra a mulher”.

Realizado pela Secretaria de Mulheres do Sindicato, o encontro foi uma das ações da campanha “21 dias de ativismo pelo fim da violência contra a mulher”. Pela manhã, as jornalistas Niara de Oliveira e Vanessa Rodrigues debateram o livro “Histórias de morte matada contadas como morte morrida – a narrativa de feminicídios na imprensa brasileira”, que escreveram a quatro mãos para mostrar como no feminicídio as vítimas são mortas mais de uma vez por uma abordagem midiática que culpabiliza a vítima e não seus algozes.

Vanessa Rodrigues salientou que, ao se aprofundarem na pesquisa sobre feminicídios e seus relatos, perceberam que a situação era ainda pior do que o esperado. “Desde a escolha das fotos da vítima que vão estampar as manchetes, até o uso da voz passiva (a mulher é morta e não homem assassina) há uma intenção deliberada de criar um enredo em que a vítima passa a ser culpada pela ação”, revela ela, ao lembrar do caso Eloá, em que uma adolescente de 15 anos foi assassinada pelo namorado em frente às câmeras de TV.

Niara de Oliveira ressaltou que não existe parcialidade ou neutralidade, tudo no jornalismo é escolha com o objetivo de vender jornal e, atualmente, render cliques. “Então é preciso mudar as mentalidades, a forma de pensar. Nosso esforço ao divulgar esse livro é para que mais pessoas entendam como é importante uma narrativa jornalística que humanize e respeite a vítima”, afirmou. A jornalista Jacira Silva, mediadora do debate, acrescentou que essa realidade de desumanização é ainda pior no caso da mulher negra e periférica.

Trabalho invisível e misoginia

Durante o painel “Os desafios de ser mulher – trabalho invisibilizado e misoginia”, a secretária nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, Denise Motta Dau, anunciou que um grupo interministerial está discutindo diretrizes e metas para estabelecer planos de ações de enfrentamento à violência contra a mulher e para criar o Pacto Nacional de Prevenção ao Feminicídio, que deve ser lançado no início do ano que vem. “Temos muito a reconstruir na capacidade do Estado de atender às mulheres, mas acreditamos que o esforço da sociedade como um todo é para combater a misoginia, a raiz do ódio que leva ao feminicídio e à visão de que a mulher é posse do homem”.   

Ela anunciou ainda a construção de novas casas da Mulher Brasileira e a reestruturação do Disque 180. Mariana Mazzini, coordenadora da Secretaria Nacional de Cuidados e Família, começou sua palestra lembrando que uma simples pesquisa no Google para a palavra “cuidado” reproduzirá imagens somente de mulheres cuidando, de crianças a idosos. “Se o cuidado é um trabalho cotidiano de produção de bens e serviços necessários para sustentar a sociedade, por que só as mulheres cuidam? Isso é injusto, pois a falta de tempo compromete também a autonomia econômica das mulheres” salientou. Ela também anunciou que um grupo interministerial está estudando a criação de uma Política Nacional de Cuidados no Brasil, na premissa de essa responsabilidade deve ser compartilhada.

Realidade das bancárias

Por fim, a deputada Erika Kokay, a representante dos trabalhadores e trabalhadoras no Conselho de Administração (CA) do Banco do Brasil, Kelly Quirino, e a professora do Departamento de Psicologia da UnB Ana Magnólia discutiram a realidade das mulheres bancárias, com a mediação da diretora da Secretaria de Mulheres do Sindicato, Zezé Furtado.

A diretora do Sindicato destacou os dois anos de criação do Canal Viva sem Violência, que funciona 24 horas por dia e tem por finalidade o acolhimento de mulheres bancárias e não bancárias em situação de violência. “Nossa proposta é lutar para erradicar a violência e acolher as mulheres que sofrem com a misoginia”, afirmou Zezé.

Ana Magnólia, que assessora o Sindicato no campo do estudo do trabalho, afirma que hoje em dia, nos bancos, o que é normal não pode ser considerado saudável. “Não é normal trabalhar medicado e doente, vendo em seus colegas um potencial competidor, com medo de perder a função se não atingir metas, isso não é saudável e atinge as mulheres ainda mais que os homens”, afirma.

Kelly Quirino, primeira mulher negra a ocupar o cargo de conselheira de Administração, eleita pelos empregados do Banco do Brasil, concorda que a situação da dificuldade de acesso da mulher piora quando ela é negra e pobre e que, por isso, acredita que o desafio é garantir igualdade de condições. “Muitas vezes, mulheres bancárias estão sofrendo assédio no trabalho, violência psicológica, mas não têm a quem pedir ajuda”, criticou.

A deputada Erika Kokay lembrou que até bem pouco tempo o símbolo da profissão era uma gravata, como se somente homens engravatados pudessem ser bancários. “Seja no ambiente bancário, seja na sociedade como um todo, tempos que ter clareza de que a igualdade de direitos é a única forma de desnaturalizar a violência contra a mulher. E não tenhamos dúvidas, essa luta é parte integrante da luta de classes, porque os trabalhadores e as trabalhadoras são os maiores prejudicados pela opressão de gênero”, afirmou ela. Além dos debates, as participantes e os participantes do seminário puderam apreciar apresentações culturais, com Ju Valentim e Di Feijó, a Batucada Feminista, o Clã das Águas e o show de Dhi Ribeiro para comemorar o Dia Nacional do Samba.

Junia Lara
Colaboração para o Seeb Brasília