Um momento de descrença

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Para além da crise econômica e política, o brasileiro vive hoje um momento de falta de perspectiva, sem enxergar no governo da presidente Dilma Rousseff (PT), tampouco na oposição, capacidade para devolver ao país um quadro de estabilidade e volta de oportunidades. A avaliação é de Renato Meirelles, presidente do Data Popular, instituto que se tornou famoso por pesquisar as classes C, D e E no Brasil. Segundo ele, as dificuldades já chegaram à vida das pessoas, que estão fazendo mais bicos ou realizando alguma ação para aumentar a renda.

Meirelles enxerga um brasileiro de mau humor e órfão de uma liderança política que fale sua linguagem. Os mais próximos dessa conexão, segundo o pesquisador, são os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Também diz que não há ninguém que ofereça solução para os problemas colocados hoje. A bronca do eleitor, aliás, é generalizada e atinge toda a classe política.

Embora os discursos populares hoje apontem para o impeachment da presidente da República, o pesquisador diz que a maioria das pessoas fala no assunto como forma de expressar sua indignação, mas não tem a dimensão real do que isso representa. Ainda segundo Renato Meirelles, os manifestantes que vão voltar às ruas em 16 de agosto não representam a visão de sociedade da maioria do país, que defende programas sociais, distribuição de renda e oportunidade para todos. Essa plataforma, segundo Meirelles, é capaz de conquistar o eleitor nas próximas eleições para as quais não existem favoritos, e pode aparecer um nome completamente novo. Confira abaixo os principais pontos da entrevista:

Corrupção

Faz tempo que na história recente do Brasil a gente não encontra uma situação de crise econômica, de uma certa ressaca moral relacionada a corrupção, somada a uma crise política. Quando você começa a juntar esses três fatores, o humor do brasileiro deixa de ser um bom humor. A crise econômica existe, está pegando na vida das pessoas e existe a crise moral, esse cansaço do brasileiro relacionado à corrupção. O debate sobre corrupção no Brasil ganhou a proporção que ganhou porque ela passou a ser apontada como a grande responsável pela crise econômica e, portanto, pela piora da qualidade de vida das pessoas.

Perspectivas

A maior crise que existe no Brasil hoje é de perspectiva. Esse brasileiro não enxerga capacidade no governo de resolver o problema, mas também de não enxergar capacidade na oposição. Nem oposição nem o governo conseguem se comunicar com a população, reconhecendo a atual situação e oferecendo saídas para a sociedade. Se enxergassem isso na oposição, a perspectiva seria a mudança de governo. A situação que aparece nas pesquisas do Data Popular é como se esses brasileiros achassem que os políticos querem derrubar a presidente Dilma porque querem o lugar dela e não porque querem melhorar a vida das pessoas.

Os políticos e os partidos

Esse modo de funcionar de discurso no parlamento, essa forma de fazer oposição por fazer oposição, não representa mais os anseios da população. As pessoas não acreditam nos partidos políticos. A sensação clara que tenho é que os políticos não entenderam o recado de 2013. O recado de que a forma de fazer e levar a política não representa mais os anseios do povo brasileiro. É como se o eleitor tivesse amadurecido muito mais rápido do que sua classe política. A população quer um político que vá à tribuna defender os interesses de quem mais precisa e não o interesse da própria classe política. O maior problema não é do governo Dilma, é da classe política, que perdeu completamente a conexão com a população.

A oposição

Está mais preocupada em desgastar o governo do que oferecer uma solução para a sociedade brasileira, apontar qual é a porta de saída da crise. Então, se por um lado as pessoas estão decepcionadas com a atuação do governo no processo de redução das desigualdades, de melhores oportunidades para todos e aumento de geração de renda, que foi a marca da última década, por outro lado só enxergam a oposição como um ente que critica, mas não é capaz de propor soluções para o país. Esse brasileiro está muito irritado com a crise.

Impeachment

Quando se tem pesquisa para saber se as pessoas são a favor ou contra a abertura de processo de impeachment a gente vê que a maioria dos brasileiros se diz favorável. A gente foi tentar saber por que eles diziam isso e era muito mais como uma demonstração de insatisfação e de descontentamento com o governo Dilma do que necessariamente com uma compreensão clara do que é impeachment e uma vontade de derrubar o governo. As pessoas não enxergam efetivamente que o impeachment é a solução para o problema. E, se a oposição não for capaz de mostrar alternativa para o país, não vai conseguir levar a cabo essa ideia de impeachment.

Os manifestantes

Você tem um contingente grande de pessoas que já não gostavam da presidente, votaram na oposição, têm o interesse de ter um Brasil melhor e não enxergam mais essa possibilidade dentro de um governo do PT. Mas são pessoas que, por outro lado, têm uma visão de Estado completamente diferente da maioria da população brasileira. A maioria da população apoia os programas de distribuição de renda, políticas de redução da desigualdade, e a maioria dos manifestantes é contra. O que une todos é que estão insatisfeitos com o governo. O que divide oposicionistas e manifestantes daqueles que estão simplesmente descontentes com o governo é uma visão de país e sociedade. Não são as mesmas pessoas.

PSDB nas manifestações

Por um lado aumenta a divulgação, mas, por outro, acaba com qualquer ilusão de que as manifestações são apartidárias. Temos que entender que a população está insatisfeita com o governo, mas, sobretudo, com a classe política, eles acreditam que ela não os representa mais. Quanto mais associado a um movimento político-partidário, de simplesmente chegar ao poder e não de melhorar a vida das pessoas, menor vai ser a adesão. É muito cedo pra saber se vai ter muita ou pouca gente na rua, mas não é para dizer que a população brasileira está totalmente descontente com a atual situação do país e mal-humorada com a crise de perspectiva que existe.

Desafio do governo Dilma

O grande desafio do governo é se reconectar com o projeto político que o reelegeu. Primeiro, reconhecer o real tamanho da crise e mostrar saídas para ela. E mostrar também que o próprio governo está fazendo sua parte no combate à corrupção e na economia de gastos. Qual é a fortaleza do governo efetivamente? A fortaleza é o projeto político que saiu vitorioso de uma sociedade que reduz a desigualdade, tenta oferecer oportunidades iguais para todos. E é nisso que a população está órfã hoje.

Lula

A maior frustração que a população brasileira tem hoje com relação ao ex-presidente Lula é ele ter fugido do seu protagonismo político. Os brasileiros se acostumaram durante oito anos a ter um político que falava de uma forma que eles entendiam. Não estou dizendo se o governo foi bom ou ruim, mas é inegável que o ex-presidente Lula tinha capacidade de transmitir para as pessoas o que estava acontecendo, de propor saídas e gerar identidade com o eleitor. Esse brasileiro não está enxergando hoje isso em absolutamente nenhum político.

Estadistas

O mais próximo de políticos que existem com esse perfil são os ex-presidentes Lula e FHC. Hoje, são os únicos políticos brasileiros vistos como estadistas. Só que o presidente Fernando Henrique tem duas desvantagens: a de ter sido presidente antes, o que significa que o eleitorado mais jovem não tem uma visão estabelecida do que foi o governo dele; e a de não ter construído um lastro emocional com a população. As pessoas o reconhecem como alguém inteligente, um homem que tirou o Brasil do processo de inflação, assim como reconhecem Lula como quem reduziu a miséria e deu oportunidades iguais para todos. Mas o presidente Lula, além disso, conseguiu construir um laço de identidade com parte da população.

Fonte: Correio Braziliense