Tribunal culpa Banco do Brasil por fraude

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Foram necessários seis anos de investigação. Mas o Tribunal de Contas da União (TCU) conseguiu fechar um dos mais rumorosos processos envolvendo o Banco do Brasil: o que trata de suspeitas de fraudes na administração de fundos de investimentos, cujos prejuízos foram cobertos pelo BB. A valores de hoje, as perdas da instituição chegaram a R$ 430 milhões e foram provocadas por operações suspeitas com títulos públicos cambiais, durante o processo de desvalorização do real, no início de 1999. Todas as transações foram realizadas por meio da BB DTVM, subsidiária do banco que administra atualmente patrimônio próximo de R$ 150 bilhões.

As evidências de irregularidades são tão fortes, informou o TCU por meio de acórdão publicado ontem, que seus ministros decidiram notificar 16 pessoas envolvidas diretamente com as operações para que cubram os prejuízos do BB. A lista inclui Paolo Zaghen, então presidente do banco na época das perdas, e Rossano Maranhão, atual presidente da instituição. Outro ex-presidente, Cássio Casseb, foi multado em R$ 5 mil por obstruir os trabalhos do tribunal. As suspeitas de fraudes começaram a ser investigadas em março de 2000, com base em matéria publicada pelo Correio Braziliense.

Maquiagem
As operações suspeitas foram comandadas pelo então diretor de Finanças do BB, Carlos Gilberto Caetano, e por Evandro Lopes, então superintendente da BB DTVM. Eles decidiram apostar quase todo o patrimônio de um fundo de renda fixa administrado pela DTVM na queda do dólar, descumprindo as determinações do Banco Central, que limitava em 15% a aplicação do dinheiro desse fundo em tais transações. Com a desvalorização do dólar, o patrimônio do fundo diminuiu rapidamente — quase virou pó, como se diz no mercado —, resultando em perdas para os investidores que ali haviam depositado todas as suas economias.

Para mascarar as perdas, os administradores do banco e da BB DTVM criaram uma série de movimentações fictícias de compra e venda de títulos que estavam em poder de outros nove fundos e, no final, transferiram os prejuízos para o BB. Na época, sem assumir as irregularidades, o BB informou que tinha arcado com as perdas para evitar que mais de 300 mil cotistas dos fundos administrados pela DTVM fossem prejudicados. Mas não convenceu. Além do TCU, o Banco Central, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e o Ministério Público do Rio de Janeiro abriram processos para investigar as operações. No caso da CVM, o inquérito 12/2003 foi arquivado, porque o BB assinou um termo de compromisso, assumindo todos os erros e se comprometendo a corrigi-los.

Erro de gestão
No acórdão publicado ontem, o Tribunal de Contas ressaltou que o BB se negou a entregar uma série de documentos que poderiam comprovar as irregularidades — entre eles, as atas das reuniões de diretoria do banco que trataram do assunto. As dificuldades foram criadas, principalmente, por Paolo Zaghen, que, por isso, terá de pagar multa de R$ 4 mil. Já sob o comando do governo Lula, o BB também pouco fez para que o TCU avançasse nas investigações. Daí, a punição para Cássio Casseb, hoje presidente do Grupo Pão de Açúcar.

Segundo o advogado Antonio Pedro Machado, que representa o BB no processo movido pelo TCU, durante os seis anos de investigação, o banco pouco foi acionado pelo tribunal. Portanto, não havia como a instituição atrapalhar o processo. Ele afirmou ainda que a morosidade nos trabalhos deve ser atribuída ao TCU. E garantiu que, tão logo receba o acórdão, prestará todas as explicações. Machado adiantou, porém, que não houve fraudes nas operações que resultaram nos R$ 430 milhões de prejuízos ao BB. “O que ocorreu foi um equívoco, um erro, na gestão dos fundos. Isso faz parte do mercado. O banco não tinha como prever que haveria uma desvalorização do real naquele momento”, afirmou Machado.

Consultor jurídico do Mercado de Capitais do BB, Acélio Jacob Roehrs acrescentou que, caso o BB não arcasse com as perdas dos fundos, beneficiando os cotistas dos fundos, a imagem do banco seria arranhada, o que poderia estimular a fuga de investidores da instituição, beneficiando a concorrência. “Com certeza, se isso acontecesse, os prejuízos seriam bem maiores”, assinalou Roehrs. É nesse ponto, por sinal, que mais se detém o TCU. “Não há por que um banco público cobrir perdas privadas”, ressaltou o Tribunal.

Mais custos
Não bastassem as perdas que já absorveu, o BB poderá arcar com os custos das defesas de todos os citados pelo TCU. “Isso ainda não está definido. Vamos analisar, caso a caso, e decidir o que será feito. Mas alguns custos teremos”, admitiu Machado. Ele não revelou se o BB puniu de alguma forma os responsáveis pelas operações suspeitas de irregularidades.

Por lei, os acusados pelo TCU terão aproximadamente 15 dias para apresentar suas defesas. Depois de analisá-las, o tribunal poderá ratificar ou não a exigência de cobertura das perdas do BB. No caso de manutenção das penas e de não ressarcimento, o TCU poderá determinar o seqüestro de bens dos acusados e impedir que eles exerçam qualquer função no serviço público. A legislação também permite que todos os punidos recorram à Justiça contra a decisão do TCU.

OS CITADOS PELO TCU
Dezessete pessoas, entre funcionários e ex-empregados do BB, terão de ressarcir a instituição por prejuízos de mais de R$ 400 milhões.

Antônio Luiz Rios da Silva
Ari Sarmento do Valle Barbosa
Arnaldo José Vollet
Carlos Gilberto Gonçalves Caetano
Carlos José da Costa André
Cássio Casseb Lima
Edson Atsumi Tanigaki
Evandro Lopes de Oliveira
Leandro Martins Alves
Luiz Fernando Gusmão Wellisch
Marcelo Gomes Teixeira
Paolo Enrico Maria Zaghen
Ricardo Alves da Conceição
Rossano Maranhão Pinto
Sérgio Mamede Rosa do Nascimento
Vicente de Paulo Diniz
William Bezerra Cavalcanti Filho

Crédito de R$ 6 bilhões

Descapitalizados e menos dispostos a oferecer patrimônio em troca de novos empréstimos, grande parte dos produtores rurais bateu à porta do Banco do Brasil para renegociar parcelas de investimento e custeio da safra que está sendo colhida. Segundo o banco, maior financiador do agronegócio, 365 mil contratos poderiam ser prorrogados e chegaram às agências 348 mil pedidos de renegociação. O resultado dessa operação pode alcançar R$ 6 bilhões.

O prazo para a apresentação das propostas terminou no dia 31 de julho. O BB pretende finalizar as análises de todas as solicitações até o fim de agosto. “Com essas medidas, esperamos conseguir superar um pouco das dificuldades vividas desde 2005”, explicou José Carlos Vaz, gerente-executivo da diretoria de agronegócios do Banco do Brasil. Ontem, a instituição informou que vai liberar R$ 5 bilhões para financiamento aos produtores durante o mês de agosto. Em julho, foram aplicados R$ 770 milhões — envolvendo operações de custeio, investimento e comercialização.

Este ano, o governo anunciou uma série de medidas de socorro ao campo. As principais tratam de redução de juros para a compra de máquinas e equipamentos agrícolas, ampliação dos limites para a tomada de crédito a juros controlados (8,75% ao ano) e reforço na política de preços mínimos. O câmbio fraco, a seca na Região Sul e o endividamento do setor provocaram perdas estimadas em R$ 30 bilhões nos últimos dois anos.

As medidas de ajuda ao produtor também privilegiaram as culturas mais afetadas pela crise. Depois de intensas e demoradas negociações com a área econômica, o Ministério da Agricultura autorizou a prorrogação por até cinco anos — e em percentuais diferenciados por região do país — para os agricultores que plantaram produtos como soja, algodão, arroz e milho.

Para a safra que começará a ser plantada no último trimestre do ano, o Banco do Brasil definiu como prioridades a oferta de recursos controlados até os tetos definidos em lei e as operações de proteção de preços — mercado futuro e seguro rural. (Vicente Nunes e Luciano Pires)

Correio Braziliense