Retrocesso: Câmara dos Deputados vota PL que equipara aborto a homicídio

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PL da Gravidez Infantil impede direito previsto em lei há 80 anos e impõe tortura a meninas e mulheres

A Câmara dos Deputados aprovou, entre a noite desta quarta-feira (12) e madrugada de quinta-feira (13), a tramitação em regime de urgência do projeto de lei que equipara aborto acima de 22 semanas a homicídio simples. Agora, o PL 1904/2024 será votado no plenário da Casa, sem passar antes pelas comissões pertinentes. 

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O projeto foi proposto pelo deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e assinado por outros 31 deputados. A maioria deles são do Partido Liberal, o mesmo do ex-presidente Jair Bolsonaro.  

Veja quem são os deputados que votaram pelo PL

PL: Carla Zambelli (SP), Delegado Paulo Bilynskyj (SP), Mario Frias (SP), Eduardo Bolsonaro (SP), Abilio Brunini (MT), Coronel Fernanda (MT), Delegado Ramagem (RJ), Bia Kicis (DF), Pastor Eurico (PE), Capitão Alden (BA), Julia Zanatta (SC), Nikolas Ferreira (MG), Junio Amaral (MG), Eli Borges (TO), Gilvan da Federal (ES), Filipe Martins (TO) e Bibo Nunes (RS). MDB: Delegado Palumbo (SP), Simone Marquetto (SP), Renilce Nicodemos (PA) e Pezenti (SC).  União Brasil: Cristiane Lopes (RO) e Dayany Bittencourt (CE). Republicanos: Ely Santos (SP) e Franciane Bayer (RS). Partido Progressistas: Evair Vieira de Melo (ES) e Luiz Ovando (MS). E de outros partidos: Dr. Frederico (PRD/MG), Greyce Elias (Avante/MG), Lêda Borges (PSDB/GO) e Cezinha de Madureira (PSD/SP). 

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O que está em jogo 

O PL prevê prisão de até 20 anos para as vítimas de violência sexual que realizarem aborto. Hoje, o crime de estupro tem pena entre 8 e 15 anos de reclusão, o que significa que as mulheres e os profissionais de saúde que realizarem o procedimento serão punidos com maior rigor do que o criminoso que cometeu a violência sexual. A pena para o estuprador só é maior (de 12 a 30 anos) caso a vítima seja assassinada.

O projeto tem inúmeras camadas que envolvem direitos humanos, da mulher, da criança, à saúde e o combate ao racismo, já que as vítimas são, na maioria, mulheres e crianças negras (veja dados abaixo).

O Atlas da Violência estima que ocorram, na realidade, 822 mil casos de estupro por ano no Brasil, dos quais apenas 8,5% chegam ao conhecimento da polícia e apenas 4,2% são notificados ao sistema de saúde.

Em 2022 foi registrado o maior número de estupros tanto entre adultos como em vulneráveis na história do país, com 74.930 vítimas. Dessas, seis em cada 10 são crianças, com idades entre zero e 13 anos. A maioria foi estuprada por familiares e outros conhecidos.

No ano passado o número de estupros de vulneráveis chegou a 36,9 casos para cada grupo de 100 mil habitantes (segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública). Nos últimos 10 anos, a média de partos de meninas com menos de 14 anos foi de mais de 20 mil por ano, sendo 74,2% negras.

Em 10 anos (2013-2022), a média de nascidos vivos de meninas menores de 14 anos foi de 21.905,5 por ano. Ou seja, a cada ano, mais de 20 mil meninas deixaram a infância ou a adolescência para viverem a maternidade.

Confronto do Legislativo com o Judiciário

Na última semana, um grupo de deputados federais das bases evangélica e bolsonarista, pediu a urgência do PL, o que permitiu colocar diretamente em votação sem passar por comissões e outros trâmites. 

Essa decisão cabe ao presidente da Casa, Arthur Lira (PL-AL). Os autores do projeto são Sóstenes Cavalcante (PL/RJ), Evair Vieira de Melo (PP/ES), Delegado Paulo Bilynskyj (PL/SP). O PL tem ainda a subscrição de 32 deputados da base bolsonarista.

O requerimento de urgência para a votação do PL foi protocolado algumas semanas depois do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspender a medida do Conselho Federal de Medicina (CFM) que dificultava o acesso ao aborto legal por vítimas de estupro.  

A resolução do CFM proíbe o método recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em casos de gestação com tempo superior a 22 semanas, que é a técnica de assistolia fetal, um procedimento de uso de fármacos para interromper as batidas cardíacas do feto antes da retirada dele do útero.

A decisão é liminar e foi submetida ao plenário da Corte. O julgamento, no entanto, foi interrompido após um pedido de vista do ministro Kassio Nunes Marques (indicado por Bolsonaro). Ainda assim, a resolução continua suspensa.

O confronto iniciado pelo Poder Legislativo para responder o Poder Judiciário continuará ocasionando o que, há décadas, o movimento feminista e demais defensores dos Direitos Humanos lutam diariamente para evitar: a morte de pessoas inocentes e vulneráveis. 

Colaborou com este texto Rosely Rocha 
Com informação do Brasil de Fato