Entrevista Eduardo Araújo: “Quem tem a última palavra são os trabalhadores”

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Um cenário político e econômico adverso, aliado a um discurso contaminado da mídia, já apontava para uma campanha nacional extremamente difícil. Também não eram nada animadores os resultados alcançados pela maioria das categorias com data-base no primeiro semestre, que amargaram perdas, conforme mostrou levantamento do Dieese.

Valendo-se dessa conjuntura, os bancos não mediram esforços para aplicar a mesma receita e até surpreenderam ao tentar ressuscitar a famigerada política de abono, que por muito tempo, no período neoliberal dos anos 90, serviu como uma espécie de “cala boca” da categoria. “Não poderíamos retroceder a um modelo compensatório de perdas com pagamento de abonos pecuniários”, dispara o presidente do Sindicato, Eduardo Araújo, que, nesta entrevista ao Informativo Bancário, faz um balanço esclarecedor dessa histórica Campanha Nacional dos Bancários que, por força da unidade de ação e mobilização dos bancários, derrotou a estratégia dos patrões de tentar impor perdas aos trabalhadores.

Em que formato se dão as negociações com os bancos?

A categoria bancária tem muitas particularidades: congrega empresas públicas e privadas numa única negociação, tem data-base unificada (1º de setembro) e, por isso, firma uma Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) do setor bancário, uma das mais completas dentre todas as existentes no país e que deve ser cumprida por todos os bancos, abrangendo mais de 460 mil trabalhadores. Além da CCT, discutimos também acordos aditivos à CCT e acordos coletivos de trabalho (ACT) que são assinados com cada um dos bancos.

Para chegar a isso fazemos um longo e complexo caminho, começando com assembleias locais, passando por encontros e congressos regionais e nacionais até chegarmos à Conferência Nacional, que reúne mais de 650 bancários de todo o país para definir a pauta e a estratégia de negociações e de mobilizações que é coordenada por um comando nacional. As negociações da pauta geral são feitas com representantes da Fenaban e são divididas em 4 blocos (emprego, saúde e condições de trabalho e segurança, igualdade de oportunidades e remuneração), para que a pauta seja toda debatida. Após essa etapa, aguardamos o retorno de uma proposta global pela Fenaban para ser apreciada pelas assembleias de base.

Qual o papel de Brasília no Comando Nacional?

É bom esclarecer que o Comando Nacional dos Bancários é uma representação das direções dos sindicatos, ou seja, uma comissão geral de negociação que é assessorada pelas comissões específicas de cada banco e tem o papel de orientar deliberações de base, considerando todo o cenário nacional. O Comando é formado por 35 membros: um representante da Contraf-CUT, um representante de cada uma das 10 federações filiadas à Contraf-CUT e um representante dos seguintes sindicatos: ABC, AC, AL, AP, BA, Belo Horizonte, DF, Campinas, Campo Grande, CE, Curitiba, ES, Florianópolis, MT, PA, PB, PE, PI, Porto Alegre, Rio de Janeiro, RO, RR, São Paulo e SE.

Neste grupo, que foi ampliado recentemente, existem representantes de sindicatos filiados a várias centrais sindicais (CUT, CTB e Intersindical) e diversas correntes de orientação sindical. O papel da nossa representação é defender as propostas e deliberações locais, esclarecendo e ressaltando sempre as especificidades de Brasília, sede do BB, da Caixa e do BRB.

As decisões são tomadas sempre pela via do consenso?

Busca-se o convencimento e a aproximação de visões antes de qualquer votação e, assim, a decisão sobre a maioria dos itens de nossa pauta se dá por consenso, mas alguns itens vão a votação e fica registrada a divergência, que pode ou não ser acatada pela base sindical respectiva. Somente uma conferência de bancários tem poder deliberativo na organização nacional e os encaminhamentos podem ser feitos a partir de uma maioria.

Como você avalia o resultado da mobilização?

Uma campanha salarial tem muitas fases. Começamos com reuniões de delegados sindicais, depois com a formatação da pauta com assembleias, congressos e conferências, daí passamos para a fase de mobilização com reuniões nos locais de trabalho e/ou encontros após o expediente, para que todos conheçam as reivindicações. Ou seja, buscamos interagir com todos os bancários num mesmo momento para que tenhamos uma unidade de fato, independentemente de a que banco estejamos vinculados.

De que forma a conjuntura influenciou na Campanha?

Logo no início de nossas reuniões verificamos uma mudança de tendência nas negociações salariais e manifestações do patronato, inclusive em Boletim do Banco Central, querendo imputar aos reajustes salariais a culpa pelo aumento da inflação. Coube-nos então esclarecer para a categoria e a população que os bancos estavam com sua situação econômico-financeira muito equilibrada e os lucros continuavam a bater recordes. Sempre fazemos essas análises com a assessoria do Dieese e do Diap, para não ficarmos apenas com discursos baseados em expectativas.

O foi decisivo para o fechamento da Campanha?

Cada campanha tem sua história, mesmo quando determinados fatos se repetem não podemos ligar o piloto automático e achar que a caminho será igual. Até o momento do início das negociações temos determinado controle de agendas, mas a partir de negativas e de provocações o processo fica quebrado, pois há uma ruptura no diálogo e passamos a medir forças. Se os trabalhadores não acompanharem isso com informações oficiais das entidades sindicais, tudo pode sair do controle. Digo isso porque vimos várias pessoas programando como seria o fim da greve e com que índice seria fechada a Campanha. Até um famoso colunista de rádio se aventurou a dizer que uma ‘fonte segura’ havia lhe passado que seria de tal forma. Nada disso contribui para resolver de fato uma campanha, pois quem tem a última palavra são os trabalhadores, reunidos em assembleia.

O que você avalia de positivo na Campanha deste ano?

Positivo foi o entendimento da categoria de que não poderíamos retroceder para um modelo compensatório de perdas com pagamento de abonos pecuniários. Em Brasília, especialmente, tivemos maior participação da base nos Comitês de Esclarecimento (piquetes) e o entendimento de que quem faz a greve é o trabalhador e não o sindicato, contrariando inclusive outro jornalista da chamada grande mídia que dizia que a greve era um meio de o bancário tirar ‘segundas férias’.

Quais os desafios para o próximo período?

Terminado o ciclo de uma data-base, fazemos um balanço das negociações, avaliando onde não houve avanços e por quê. Já agendamos para o próximo dia 20 de novembro o planejamento estratégico e orçamentário do Sindicato para o próximo ano. Mas não basta conquistar ou uma cláusula ou um compromisso dos bancos, é preciso vê-los implementados e respeitados, e, para isso, novamente a direção do Sindicato conta com a base para informar e denunciar o descumprimento das leis, da CCT, dos ACTs e das demais normas trabalhistas.

Da Redação