O futebol não é “alienação”, mas uma conquista da luta dos trabalhadores brasileiros

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Com a chegada da Copa do Mundo de Futebol, reacende o debate entre a esquerda sobre o caráter desse esporte, o mais popular do mundo. Tornou-se comum nos pequenos círculos da esquerda pequeno-burguesa a ideia de que o futebol seria alienante, uma espécie de “ópio do povo” ou parte da “política de pão e circo” promovida pela burguesia.

Essa ideia parte de uma concepção errada sobre o caráter não só deste esporte mas da cultura em geral, particularmente a cultura de massas. Por exemplo, é comum vermos a mesma ideia sobre o carnaval, que seria uma festa oferecida pela burguesia para alienar o povo por quatro dias, enquanto o escraviza o resto do ano.

Essa concepção ignora em primeiro lugar as contradições inerentes a todos os fenômenos sociais, políticos e culturais; em segundo lugar, ignora a própria origem dessas manifestações culturais.

Sobre o carnaval, deixemos para um segundo momento, mas apenas vale frisar que as comemorações carnavalescas no Brasil foram uma conquista das massas. O povo pobre e negro precisou enfrentar muita repressão da burguesia para garantir o direito de sair na rua, com sua própria cultura, suas próprias músicas e fantasias, para se manifestar. A burguesia, uma vez derrotada, foi obrigada a mudar de tática, passou da repressão pura e simples para obter um certo controle do carnaval. O carnaval foi produto de uma luta, cujo resultado foi o que conhecemos hoje. A repressão nunca deixou de acompanhar o carnaval, e a burguesia, ao menor sinal de fraqueza do povo, procura estrangular o quanto pode essa manifestação popular. A ofensiva da direita golpista atualmente tem aumentado os casos de repressão e censura no carnaval.

Com o futebol acontece um movimento muito parecido. Vindo da Inglaterra para o Brasil, o esporte passou a ser praticado nos clubes da burguesia. O povo pobre, em particular os negros, foram colocados à margem desse circuito “oficial”, mas adotaram o esporte nas ruas, inclusive organizando ligas alternativas.

Com a gradual popularização do futebol, os clubes “oficiais” foram obrigados a aceitar os jogadores negros. A disseminação do esporte começou a produzir jogadores habilidosos que os círculos restritos da burguesia já não davam conta.

O futebol então torna-se um fenômeno de massas. Naturalmente que, ao se tornar tão popular, passa a ser um esporte majoritariamente da classe operária, pobre e negra do País.

Há ainda outro fator importante no caso brasileiro que é essencial para compreender por que o futebol se tornou o que é no Brasil. Os negros, para serem aceitos nos clubes da elite das grandes cidades, precisavam apresentar um estilo de jogo superior. Eram obrigados a se destacar muito mais do que os brancos da burguesia que se apresentavam nos clubes tradicionais. Dessa maneira, a população negra e oriunda da classe operária acabou desenvolvendo um estilo de jogo inovador, que exigia inteligência e malícia em campo.

Pode-se dizer então que o que se conhece hoje como futebol brasileiro é produto de uma equação que envolve a massificação do esporte e o desenvolvimento de uma técnica nova por parte dos jogadores. É uma das máximas da dialética vista bem concretamente: a quantidade se transformando em qualidade. Foi esse fenômeno também o que permitiu que o Brasil produzisse um jogador da envergadura de Pelé.

É isso que tornou o futebol brasileiro conhecido em todo o mundo como “futebol arte”. Portanto, não se trata aqui de uma invenção e falsificação ufanista da burguesia brasileira com o mero intuito de “alienar” o povo com um falso sentimento nacionalista.

O chamado futebol arte, que é uma invenção do brasileiro, é uma conquista da classe operária e especificamente dos negros brasileiros, ou seja, um fenômeno cultural genuíno do povo brasileiro. Da mesma forma como fez com o carnaval, uma vez tendo perdido a batalha, a burguesia tratou de controlar o futebol de acordo com seus interesses, ou seja, passou a conviver com esse fenômeno de massas que nasceu contra ela.

Claro que esse movimento histórico desde a introdução do futebol no País até sua transformação em fenômeno de massas passou por várias fases, idas e vindas e muitos fatos contraditórios, como é comum. O objetivo desse artigo, no entanto, é traçar em linhas gerais como se desenvolveu o chamado futebol brasileiro.

É possível dizer inclusive que o brasileiro fez no futebol aquilo que os modernistas brasileiros defendiam na arte. O brasileiro recebeu o futebol europeu e o transformou, criando novas formas de jogar, absorvendo os fundamentos do esporte europeu, mas criando um estilo novo, original de jogo. É a antropofagia muito bem definida por Oswald de Andrade e outros modernistas que criaram uma literatura nacional/universal a partir dos movimentos vanguardistas europeus.

Em outros artigos, iremos desenvolver outros aspectos da cultura e do futebol brasileiro. Mas por hora, fica claro que a esquerda proletária e revolucionária deve ter como princípio a defesa do futebol como um patrimônio do povo brasileiro, um povo oprimido que soube se impor e desenvolver até o máximo o futebol, a ponto de se tornar o maior do mundo no esporte mais popular do mundo. Isto se deve à classe operária e aos negros brasileiros.

A burguesia, como classe dominante, foi obrigada a conviver com isso. Procura, portanto, tirar seu lucro e se aproveitar da cultura nacional para seus próprios interesses. Mas essa contradição, que existe em todos os fenômenos culturais no capitalismo, não significa que o futebol pertence à burguesia. Pelo contrário, a burguesia procura a todo momento estrangular as manifestações espontâneas de massas nos estádios e na própria Copa do Mundo. O imperialismo, a burguesia mais poderosa do mundo, precisa convencer sua colônia de que a cultura dela é inferior, ou seja, de que o futebol brasileiro não é o melhor do mundo e que não deveríamos ter orgulho da Seleção Brasileira que, mesmo sendo de um País oprimido e pobre como o Brasil, consegue vencer todas as potências imperialistas jogando em uma competição controlada por essas potências.

Um povo que é privado de sua cultura mais autêntica é um povo mais facilmente dominado. Por isso, a esquerda deve defender o futebol brasileiro e travar uma luta política para que ele seja realmente controlado pelo povo. A ideia de que o futebol é alienante ou o “ópio do povo”, portanto, é o lado da classe média “esquerdista” da mesma política de desmoralização da cultura do povo brasileiro.

Fonte: Diário da Causa Operária