Banco do Brasil deixa prédio que foi inaugurado com Brasília. Imóvel está disponível para aluguel
Não é um palácio, não é obra de Oscar Niemeyer nem de Lucio Costa, mas é considerado um dos mais bem resolvidos projetos arquitetônicos de Brasília. O sede I do Banco do Brasil, no Setor Bancário Sul, tem múltipla importância: está no memorial descritivo do Plano Piloto, foi inaugurado no mesmo dia que a nova capital e é um exemplo de como a arquitetura moderna pode ser um convite à urbanidade, pode ser bela e, ao mesmo tempo, gregária, confortável, imponente. E pode conter aquilo que Niemeyer gostava de atribuir às próprias criações: provocar espanto, mas não pela beleza escultórica, e sim pela qualidade do conjunto. Era, até há pouco tempo, o epicentro do SBS.
Quase 55 anos depois, o Banco do Brasil transferiu as 13 diretorias lá assentadas para dois endereços: parte para um edifício novo no Setor de Autarquias Norte e outra para o sede III, aquele pretão, com o logotipo do banco (obra ferozmente criticada por Lucio Costa). Restaram apenas a agência bancária, “outras unidades de apoio” (veja ao lado) e os camelôs que contornam a Praça do Cebolão, como os bancários denominam a área sombreada pelas marquises do prédio que testemunhou as grandes mobilizações da categoria na década de 1980 e até hoje acolhe os sindicalistas (e os foliões do Aparelhinho e os garotos e garotas do skate). O nome Cebolão é emprestado do título do jornalzinho do sindicato.
Há nas cidades, escreveu o francês Paul Valéry, edifícios que “são mudos, outros falam; e outros, enfim, mais raros, cantam…”. A citação é do arquiteto Jayme Wesley de Lima, autor de detalhado estudo sobre este prédio. Embora desprezado, o prédio verdinho canta. É símbolo de uma arquitetura e de uma cidade. “E se perdermos os nossos símbolos, vamos perder as nossas almas e vai tudo pelo ralo”, diz Luiz Philippe Torelly, diretor de articulação e fomento do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), a propósito da sede I do BB. “É um prédio altamente contemporâneo”. A boa arquitetura, ensina Torelly, “atravessa os anos sem sofrer desgaste e segue com sua capacidade de despertar sensibilidade nas pessoas.”
O edifício de 26 pavimentos, incluídos três subsolos, térreo e sobreloja, tem painéis de Bruno Giorgi, Athos Bulcão e Burle Marx, e paisagismo deste último. É, em si mesmo, uma aula magna da arquitetura moderna. Tem uma escadaria tão soberana quanto a do Itamaraty. Tem espelho d’água com chafariz, hoje totalmente abandonados à ferrugem.
A história da construção do sede I do BB contém a atmosfera épica da fundação de Brasília. Naqueles meses de terra vermelha tremulante, entre o fim de 1959 e o começo de 1960, enquanto Oscar Niemeyer acompanhava as obras de seus palácios, dos edifícios dos ministérios e das superquadras, o arquiteto capixaba Ary Garcia Roza (1911-1999) se dedicava inteiramente à construção da primeira edificação do SBS. Tinha a seu lado o enteado, o também arquiteto Ivo de Azevedo Penna. Os dois moravam no acampamento e comiam com os operários. “E dia e noite trabalhando, e um volume enorme de candangos com uma capacidade de aprendizado impressionante, com uma adaptação inacreditável”, contou Garcia Roza em depoimento ao Arquivo Público do Distrito Federal, em 1989.
Aos 82 anos, morando em Petrópolis, Ivo Penna reagiu ao saber do abandono: “Fiquei muito aborrecido. Passei quatro anos em Brasília trabalhando nessa obra”. Embora inaugurado em 1960, o prédio não estava pronto. “Até os móveis fomos nós que desenhamos.”
Arquiteto aposentado do Banco do Brasil, Jayme Wesley de Lima estudou o sede I de ponta a cabeça em dissertação apresentada à Faculdade de Arquitetura da Universidade de Brasília (UnB) em 2012. Encontrou uma beleza “discreta e comedida”, que “não é de entrega imediata e fácil, precisa ser descoberta ao longo do percursos de seus espaços e do contanto com as partes que constroem seu significado”. A primeira sede do BB tem um conjunto de valores que mesclam arquitetura e urbanidade, forma plástica e funcionalidade, é sóbrio e gregário.
Não nasceu com Brasília, o Sede I do BB. Do mesmo modo, desde antes da execução do projeto, o arquiteto Ary Garcia Roza estava vinculado à história da construção da nova capital e ao Banco do Brasil. Garcia Roza era presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) quando Juscelino Kubitschek decidiu tirar do Rio os Três Poderes. Niemeyer era vice-presidente. Roza teve reuniões com, entre outros, Lucio Costa e Affonso Eduardo Reidy em busca de um consenso sobre os termos em que se faria o concurso público para a escolha do projeto da nova capital.
Quatro anos antes de Juscelino vencer as eleições presidenciais, Garcia Roza já estava envolvido com um projeto de sede para o BB, só que, àquela altura, para o Rio de Janeiro, então capital do país. O arquiteto venceu o concurso com um projeto de repertório moderno. Para tanto, estudou detalhadamente as necessidades da instituição, tanto técnicas quanto de recursos humanos. Até aquela época, edifícios bancários tinham uma feição grave, como se guardassem toda a riqueza do mundo. Impedimentos de ordem fundiária e a inesperada decisão do presidente recém-empossado de construir a nova capital puseram na gaveta o projeto de Roza.
O desejo inicial de Juscelino era que Niemeyer projetasse a sede do BB na nova capital. Como explica Wesley de Lima: “O Banco do Brasil exercia então o papel de autoridade monetária (não existia à época o Banco Central) e tinha atuação estratégica no governo JK”. Mesmo assim, o então presidente do BB, Sebastião Paes de Almeida, não queria vir para Brasília e, portanto, não se entusiasmou com a construção da sede nos confins do Brasil.
Niemeyer não quis projetar o BB, talvez até por excesso de trabalho. E não só indicou Garcia Roza como o acompanhou a uma visita a Paes de Almeida. O banqueiro mostrou-se desinteressado: “Aquilo é bom fazer uma agência com um pavimento, uma coisa pequena”, conta o autor do projeto em depoimento ao Arquivo Público. O presidente do banco tinha os bancários ao seu lado. Ninguém queria deixar o Rio para vir morar no nada. Não teve jeito.
Garcia Roza iria fazer a sede do principal banco brasileiro na nova capital do país. E o fez de modo primoroso. “A percepção dos volumes de forma clara e simples, o rigor nas modulações, a concatenação de materiais na busca de uma unidade formal e o esmero dos detalhes executivos ultrapassam a mera questão prática do edifício, principalmente quando olhamos em seu interior, naquelas partes onde todos têm acesso”, escreve Jayme Wesley de Lima.
Quem já entrou na agência do sede I experimentou uma surpresa espacial incomum, mesmo para os habitantes da cidades de grandes vazios e muitos espantos. Um grande vão se descortina transportando o visitante para um saguão aparentemente sem teto, como se o arquiteto devolvesse ao brasiliense, dentro de um edifício, o céu que ele deixou lá fora. “Ali, o jogo de espaços, de elementos visuais, de luz diferenciada a cada trecho prenuncia a surpresa do grande saguão”. Quando sentado à espera de ser atendido, o cliente terá à frente um painel de Bruno Giorgi com espaços vazios, ao modo de um cobogó, para vincular a área destinada ao público à do serviço interno.
Os possíveis argumentos de que o edifício se tornou obsoleto para as exigências tecnológicas de agora são refutados pelo arquiteto Wesley de Lima com dois exemplos concretos: o edifício da Pirelli, em Milão, e o Lever House, em Nova York. Obras construídas entre as décadas de 1950 e 1960, de filiação moderna, os dois foram tecnologicamente atualizados e fazem parte do patrimônio cultural de suas cidades. Em 2002, um avião colidiu com o prédio da Pirelli. Era motivo suficiente para abandonar a construção. O edifício foi restaurado com a preocupação de manter a integridade do monumento e de atualizar os sistemas tecnológicos. Mas está-se falando de Itália e de Estados Unidos.
Respostas do Banco do Brasil
O que levou o BB a deixar o prédio?
Decisões estratégicas de reposicionamento do Banco do Brasil.
Que divisões/departamentos/diretorias funcionavam naquele espaço?
Áreas administrativas de 13 diretorias do Banco do Brasil.
Para onde foram transferidos?
As diretorias foram transferidas, parte para a nova sede do BB, localizado no Saun (Setor de Autarquias Norte) e parte para o Edifício Sede III, localizado no SBS.
Quando foi feita a mudança?
A mudança foi finalizada em dezembro de 2014.
Qual será o destino da agência bancária?
A agência bancária permanecerá instalada no prédio.
Além dela, ficou algum outro setor?
Outras unidades de apoio.
Aluga-se um monumento
Vendido em 2004 para um fundo de investimentos, o edifício sede I do Banco do Brasil deixou de ser público para passar às mãos de quase 4 mil cotistas “que são, na prática, mesmo que indiretamente, os proprietários do imóvel”, informa João Paulo Vargas da Silveira, gerente nacional de fundos imobiliários da Caixa Econômica Federal. O BB passou a alugar o prédio até que, em dezembro de 2014, o banco não renovou o contrato de locação. “Era interesse da Caixa e dos cotistas que o BB permanecesse no imóvel”, conta Silveira. O fundo de investimentos “pretende continuar como proprietário do imóvel e vem, desde o ano passado, prospectando novos ocupantes/locatários” para os 21 andares desocupados.
Sobre eventuais reformas no edifício, o representante dos cotistas disse que “qualquer intervenção” que venha a ser feita “deve obedecer às normas do GDF e da legislação vigente”. Não há intenção de fazer mudanças no projeto arquitetônico “sobretudo na parte externa”. Informa também que, “devido à idade do imóvel e à necessidade de mantê-lo atualizado e competitivo no mercado de Brasília, avaliamos a realização de algumas benfeitorias”.
O sede I do BB não é tombado pelo Instituto de Patrimônio Artístico Nacional. O superintendente no DF, Carlos Madson, disse que o Iphan reconhece “a importância do imóvel e defende a sua preservação como referência histórica e urbanística da cidade”. Contudo, “trata-se de um edifício particular”.
Quando os bancários souberam que as 13 diretorias iriam abandonar o sede I, o sindicato da categoria em Brasília procurou o banco para esclarecimentos. Foram informados que, por decisão do Banco Central (de dez anos atrás), as instituições bancárias não poderiam mais ser proprietárias de imóveis. Daí a venda ao fundo de investimentos. A mudança recente deveu-se a uma discordância entre locatário e locador quanto a reformas requeridas, segundo o banco informou ao presidente do sindicato, Eduardo Araújo.
O gestor do fundo de investimento disse que o termo “semiabandonado”, usado numa das perguntas da entrevista feita por e-mail, “pareceu-nos excessivamente forte e inadequado”. Silveira disse que o edifício está atualmente “semiocupado.”
Confira aqui a tese de mestrado sobre o edifício sede do Banco do Brasil
Fonte: Correio Braziliense