O ASSÉDIO SEXUAL CONTRA A MULHER NO AMBIENTE DE TRABALHO

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Não há como discutir o papel da mulher na sociedade atual sem olhar para o passado porque ainda hoje é clara a herança de um tempo no qual o gênero determinaria possibilidades de atuação no meio social. Em linhas gerais, sempre coube à mulher os deveres de zelar pela sua imagem de boa filha para o casamento e ao sair dos domínios do pai servir ao marido, assumindo o dever de cuidar dos desejos do mesmo, dos filhos e do lar. Era desprovida de direitos civis e políticos e um objeto de servidão ao homem.

Ainda que tenhamos tido algum avanço, com as mulheres conquistando direitos e ocupando espaços importantes, essa posição de submissão permanece presente, não apenas nas relações afetivas, mas principalmente nas relações de trabalho. Por conta da conquista dos espaços de formação e profissionalização, a dificuldade em continuar rotulando a mulher como ser incapaz e incompetente profissionalmente é cada vez maior, tendo em vista que esta conquista se deu exatamente pela produção, pela capacidade. Não foi um espaço concedido, foi um espaço conquistado.

Apesar disto, ainda subsiste a imagem da mulher como objeto de satisfação do desejo, sendo este o ponto fraco e o terreno confortável para o assédio, em especial, no ambiente profissional. O assédio sexual constitui-se essencialmente em abuso de poder sobre o empregado, retirando deste a liberdade de decisão sob suas próprias vontades, em busca da obtenção de vantagem de cunho sexual pelo superior.

Esta ocorrência não se dá necessariamente entre o homem superior e a mulher subordinada, podendo ocorrer entre os diferentes gêneros sem importar qual deles está posição de superioridade, podendo se dar inclusive entre homem superior e homem subordinado, mulher superior e mulher subordinada. Contudo, a situação é recorrente entre homem superior e mulher subordinada, dado ao contexto histório-social.

O assédio sexual foi considerado crime por meio da Lei 10.224 de 16.05.2001, que estabeleceu no artigo 216-A do Código Penal, sua definição legal: “Constranger alguém com intuito de levar vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente de sua forma de superior hierárquico, ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.”

Tal prática se configura por meio de manifestações explícitas ou implícitasperpetradas de forma reiterada, de cunho sensual ou sexual, sem que haja o consentimento do empregado-subordinado. Em outras palavras, essa manifestação pode ser expressa e na presença de demais empregados, ou de forma mais sutil e contida, subentendida, como, por exemplo, o pedido do chefe para que a subordinada vá até a sua sala para que ele apenas elogie a sua beleza ou esteja a sós com a mesma, sem tratar de nenhum assunto do âmbito profissional. Em suma, trata-se de constranger o subordinado em troca de favores sexuais, se utilizando da posição de superior.

O mais comum para a vítima mulher é a prática de chantagem oucoação em troca de promoção, a ameaça de perder seu emprego ou até mesmo ser rebaixada nos quadros da empresa. Tal situação ocorre mais comumente do que se imagina, em razão da sociedade não ser paritária, já que as mulheres, via de regra, ainda são submetidas aos cargos inferiores e aos menores salários. Apesar de não ser criminalizado pela lei, o assédio pode se dar também pela modalidade de intimidação, seja com piadas, insinuações, elogios ao corpo, convite para passeios em lugares ermos, contatos físicos inoportunos como roçada, beliscões e outras formas de aproximação que ultrapassem o comum, além de ameaças diversas ainda que em tom de brincadeira, dentre outras atitudes desta mesma natureza.

Ainda que não haja a configuração do assédio sexual em si como crime, tais situações além de criarem um ambiente de trabalho desconfortável e opressor, criam uma zona de conforto ao assediador e favorecem a prática do crime. Este ambiente opressor é tão comum que há uma dificuldade inclusive por parte da mulher em reconhecer que está sofrendo assédio, dado a constância e liberdade que os homens têm de agir indistintamente e essas ações serem levadas em tom de brincadeira, de desimportância, como algo corriqueiro e que é comum, natural. Não é.

É exatamente por isso que a dita “cultura do estupro” precisa ser fortemente combatida, pois é o que facilita e precede a violência em si, seja verbal ou pelas vias de fato.

Como se vê a luta das mulheres pela liberdade em sentido amplo atravessa diferentes setores. A busca por direitos pressupõe, primordialmente, lutar pelo mínimo, pela dignidade humana, pelo direito de ser livre na tomada de decisões em todos os âmbitos da vida social.

É o direito de dizer SIM ou NÃO, principalmente no quis diz respeito à sexualidade e ao próprio corpo. É o direito de decidir que roupa usar sem ter a preocupação de parecer um convite ao sexo, o direito de conquistar espaços e posições sem ter sua capacidade associada à boa aparência, o direito de andar na rua seja a hora que for sem medo de ser estuprada, o direito de ir ao ginecologista sem o receio de ser abusada, o direito de ser altiva e falar alto sem ser taxada de louca e desequilibrada, o direito de não aderir ao casamento e procriar sem ser vista como ser humano inútil, o direito de unicamente SER, de livremente SER.

Assim deve ser no trabalho. A mulher cada dia mais vem conquistando seu espaço por competência, capacidade e com muito esforço, já que sempre tem que estar pondo a prova seus conhecimentos e habilidades.

É o direito ser pessoa e MULHER sem tem que pedir licença para isso ou ficar justificando qualquer atitude que possa ser vista como afronta ou desconstrução da mulher como objeto do homem e produto da sociedade machista, misógina e patriarcal na qual vivemos.

Louise Helene Teixeira é graduada em Direito pela PUC-Campinas e advogada trabalhista de LBS Advogados.