Movimentos populares: atuação da Caixa na pandemia reforça importância das políticas públicas

Declaração é de Raimundo Bonfim, coordenador da CMP. Segundo ele, diversas entidades promovem campanhas de solidariedade em prol dos grupos mais vulneráveis, mas é preciso maior empenho do poder público no enfrentamento da crise

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De um lado a solidariedade, do outro a necessidade de uma participação popular cada vez maior. De acordo com Raimundo Bonfim, coordenador nacional da Central de Movimentos Populares (CMP), a campanha “Movimentos populares contra a Covid-19” visa estimular a cooperação, mas também cobrar, de todos os níveis de governo, medidas eficazes para o enfrentamento da crise do coronavírus.

“Todos que participamos dos movimentos populares no país sabemos que essa solidariedade é muito importante, fundamental até, mas insuficiente. O que a gente precisa é da ação forte do Estado, não só para o pagamento do auxílio emergencial de R$ 600, mas por medidas concretas de proteção do emprego e da renda”, afirmou. O coordenador da CMP disse ainda que, do ponto de vista dos grupos mais vulneráveis, taxar grandes fortunas ajuda a salvar vidas.

Raimundo Bonfim é advogado e diretor da Associação dos Moradores da Favela Heliópolis, a maior da cidade de São Paulo. Ele defendeu o trabalho que a Caixa desempenha durante a pandemia, atuando como um instrumento importante para o desenvolvimento econômico e social. O coordenador da CMP disse que o banco sempre cumpriu papel fundamental na operacionalização de programas voltados para a população mais empobrecida do país.

Confira a seguir a íntegra da entrevista que Raimundo Bonfim concedeu ao portal da Fenae. 

O Brasil e o mundo passam por uma grave crise nas áreas sanitária, econômica, política e social. Como essa situação afeta os grupos mais vulneráveis da população?

Raimundo Bonfim – O grupo de pessoas mais vulneráveis tem mais dificuldade de acesso à saúde, não possuindo renda suficiente para suportar o isolamento social. Daí ser necessário que o Estado proporcione a essa população uma renda básica, protegendo o emprego de quem esteja atuando no mercado de trabalho.

Para enfrentar tamanha crise sanitária, econômica e social, é preciso suspender os gastos com os juros e encargos da dívida pública e direcionar os recursos para financiamento da seguridade social. É urgente uma auditoria da dívida pública!

O coronavírus tem provocado uma devastação como poucas na história recente da humanidade. Já resultou na morte de milhares de pessoas, tem impactado negativamente na economia mundial e acelera a piora nas condições de vida do povo, sobretudo o setor mais pobre.

No Brasil, diferentemente de outros países em que os governantes tomam medidas de enfrentamento ao vírus, com investimento na saúde, isolamento social e medidas de garantia da renda e emprego, o governo Bolsonaro reafirma sua face mais cruel: ataca direitos, aumenta o autoritarismo, contraria recomendações de seu próprio governo e despreza a vida.

A única preocupação do atual governo é assegurar e manter sua base de sustentação e atender aos interesses dos financistas, mesmo que isso custe a morte de milhares de brasileiros. Em seus atos e gestos, o presidente tenta passar a falsa ideia de que é contra o sistema político.

É preciso urgentemente revogar a Emenda Constitucional 95, para aumentar os investimentos na saúde pública e fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS), taxar as grandes fortunas e nacionalizar toda a produção de álcool em gel, máscara e Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), para assegurar a saúde de todos os trabalhadores que não podem parar suas atividades, especialmente os profissionais da saúde.

Os movimentos populares de todo o país defendem também a restauração do programa Saúde da Família, com retomada da política de expansão da rede básica, com equipe ampliada e volta do Mais Médicos. Consideramos fundamental ainda a produção e distribuição da merenda escolar para todas as famílias que dependem dessa alimentação, com retomada do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e garantia de uma alimentação saudável para as crianças.

Defendemos também água e saneamento básico para todos, com o fim das privatizações no setor. Nossa reivindicação é pela expansão do abastecimento de água e esgotamento sanitário para as áreas não atendidas das favelas e periferias, considerando que o direito à água e ao saneamento é essencial para o enfrentamento da Covid-19.

A CMP lançou a campanha “Movimentos populares contra a Covid-19”. Qual o significado dessa iniciativa?

Raimundo Bonfim – Estamos cobrando para que o Estado assuma a responsabilidade de enfrentamento da crise. A campanha “Movimentos populares contra a Covid-19”, lançada pela Central de Movimentos Populares (CMP), em 2 de abril, visa arrecadar e distribuir alimentos, além de produtos de higiene e limpeza, para as famílias dos grupos mais vulneráveis. Estamos promovendo ainda uma vaquinha online, cujo endereço de acesso é http://vaka.me/978192. O propósito dessa ação é ajudar moradores de áreas com extrema pobreza, alto índice de desemprego e informalidade.

Trata-se de uma campanha de solidariedade de classe, não é caridade, pois, além de fazer doação, desenvolve também ações de organização e conscientização das pessoas, para fortalecer os movimentos populares e sindicais na luta por direitos. É solidariedade, organização e luta. Esse é o significado dessa iniciativa, organizada por grupos que atuam em favelas, ocupações, com população de rua, ambulantes e famílias que vivem nas periferias das grandes cidades brasileiras.

Para impulsionar essa corrente do bem, a Central de Movimentos Populares, junto com outras entidades do movimento popular urbano, criou um site para cadastrar e divulgar os pontos de solidariedade. O acesso se dá pelo seguinte endereço eletrônico: https://movimentoscontracovid19.com/. Essa iniciativa é necessária diante da lentidão e de medidas pouco concretas e eficazes por parte dos governos, especialmente o federal.  

O que caracteriza a atuação da Caixa Econômica Federal na atual conjuntura de pandemia?

Raimundo Bonfim – Com o surgimento do coronavírus e suas consequências sociais, políticas e econômicas, a fragilidade da política do atual governo fica ainda mais exposta: o Brasil está economicamente desprotegido e socialmente abandonado.

Sob a perspectiva dos movimentos populares, a Caixa Econômica Federal, banco 100% público e de caráter fortemente social, sempre cumpriu papel importante na operacionalização de programas para a população mais empobrecida do país. E, nesse momento de pandemia, também atua, de maneira fundamental, para efetuar o pagamento do auxílio emergencial.

O problema é que o governo, ao invés de colocar todo o sistema bancário para uma tarefa de tal magnitude, joga o peso dessa responsabilidade apenas nas costas da Caixa. Defendemos o fortalecimento do banco público. A falta de informações, as falhas no sistema e a concentração do pagamento do auxílio emergencial, apenas nas agências da Caixa, estão prejudicando bancários e população. A dinâmica dessa operação é responsabilidade exclusiva do governo federal.

Nas agências do banco de todo o país, o volume de pessoas tem sido muito grande e a fome não espera. Recebemos ligações telefônicas de pessoas pedindo informações e explicamos que o problema não é da Caixa, um instrumento importante para o desenvolvimento econômico e social. É inadmissível, portanto, o governo e a direção do banco deixarem a população pernoitando dois, três dias para receber o benefício.

Percebemos que muitas famílias não conseguem resolver os problemas por aplicativo, por site e até mesmo por telefone e se expõem indo até a Caixa, hiper lotando as agências e colocando também os empregados do banco em risco, para buscar respostas a dúvidas simples que poderiam ser sanadas com propagandas na televisão, que é o meio de comunicação com mais alcance, principalmente entre as famílias da periferia.

Nesse momento de pandemia, se a Caixa tivesse sido privatizada, como era o desejo do atual governo, estaríamos agora em situação muito mais complicada, apesar de que o modelo de gestão do banco tem diminuído o quadro de pessoal e desvalorizado o trabalhador bancário. Esperamos em breve resgatar os programas de habitação para toda a população brasileira, porque o deficit habitacional no Brasil é muito grande.

A Caixa pública, social e forte combina com o eixo central de atuação dos movimentos populares do país, que é o das políticas públicas com participação popular.

E os bancos públicos, que papel desempenham nesse momento crítico para o país? 

Raimundo Bonfim – São os bancos públicos que registram condições, vocação e atribuição para ajudar a desenvolver e apoiar políticas de crédito e de fomento ao desenvolvimento econômico e social. Isso mostra-se indispensável para que o país, apesar de um governo alheio ao interesse público, enfrente a crise sanitária, econômica e social, na retomada de programas socais como o Minha Casa, Minha Vida, dentre outras ações.

Como os movimentos populares podem se unir ao movimento sindical na defesa da democracia e do direito à cidade?

Raimundo Bonfim – É preciso fortalecer articulações que reforçam o Estado Democrático de Direito, unindo-se em torno da campanha contra a privatização dos bancos públicos e de outras estatais. Juntas, as forças políticas que atuam no campo democrático e progressista devem formular políticas de mobilidade urbana, saneamento, habitação e transporte.

Fundamental ainda é avançar no conceito de que a cidade não é mercadoria, mas lugar de se viver com dignidade e de maneira saudável, inclusive do ponto de vista ambiental e da segurança alimentar. 

Como compreende as perspectivas de futuro para a sociedade brasileira?

Raimundo Bonfim
 – A expectativa é de que tenhamos condições políticas e organizativas para construir um país que retome o crescimento econômico com distribuição da riqueza e da renda, restabelecendo assim a democracia e a luta permanente contra a desigualdade social.

A crise provocada pelo coronavírus mostrou, de forma inconteste, que o capitalismo, com suas ações de conteúdo privatista, não é a solução para a humanidade. Vamos atuar agora para que, no futuro, haja no Brasil uma sociedade justa, democrática e soberana.

As entidades dos movimentos populares vão continuar atuando nas favelas, bairros e comunidades, dialogando com as classes populares sobre as possibilidades de transformar a realidade que vivemos. Com uma permanente construção de força popular, articulada em torno de um projeto de país soberano e democrático, poderemos retomar o caminho da efetivação de direitos, sempre na busca por crescimento econômico, geração de emprego, distribuição da riqueza e inclusão social.

Fonte: Fenae