Jacy Afonso: A imprensa foi além de todos os limites na campanha

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Coordenador de mobilização da campanha da presidente Dilma Rousseff à reeleição fala ao blog

Antes da campanha da reeleição da presidente Dilma Rousseff, eram unânimes as queixas dos movimentos sociais sobre o diálogo escasso que tiveram com ela ao longo do primeiro mandato. Quando a disputa se apresentou, ficou evidente a necessidade de refazer as pontes com os movimentos que sempre foram um pilar importante da força social do PT. Jacy Afonso, petista fundador, membro da executiva da CUT e interlocutor qualificado dos movimentos sociais foi chamado para o posto estratégico de coordenador de mobilização. Nesta entrevista ao 247 ele fala do papel dos movimentos sociais, das redes sociais e da ressurreição dos militantes na mais adversa campanha enfrentada pelo PT depois da chegada ao governo, em 2002.

P – Quando você assumiu a coordenação de mobilização da campanha de Dilma, a militância estava muito distanciada e os movimentos sociais muito queixosos. Isso não o desanimou?

R – Quando eu fui convidado, alegaram a minha condição de militante fundador do PT (eu estava na primeira convenção do partido, em 1981), o fato de integrar a executiva nacional da CUT e ter bom relacionamento com as outras centrais, bem como com o MST, UNE, Contag, Central de Movimentos Populares e tantos outros. E ainda o fato de ser membro do CDES (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o chamado “conselhão”), onde também estabeleci bom diálogo com os empresários que o integram. O CDES tem um comitê gestor de seis membros, eleitos entre seus 90 integrantes. Fui o mais votado por meus pares. Eu sabia que não ia ser fácil mas aceitei o desafio convencido de que o presidente Rui Falcão estava certo: precisávamos despertar o espírito combativo da militância, resgatar a força e a garra que marcaram sobretudo a campanha de 1989. E, não menos importante, restabelecer nossa aliança histórica com os movimentos sociais.

P – Tanto a militância quanto a atuação dos movimentos sociais foram mais visíveis no segundo turno. Foi o risco de derrota que os despertou?

R – No primeiro turno, pela complexidade da eleição, em que se votava para deputado estadual e deputado federal, para senador e governador, além de presidente da república, nós tivemos mais dificuldade para dar centralidade à campanha presidencial. No Rio de Janeiro, por exempli, havia quatro candidatos que apoiavam a presidente Dilma. Esta complexidade levou a uma dispersão da mobilização em torno da candidatura da presidente Dilma no primeiro turno. Mas no segundo, quando ficou clara a disputa entre dois projetos para o país, a mobilização foi crucial e a militância se fez presente, tanto em atos de campanha como nas mídias sociais.

P – O PT e os partidos políticos em geral foram atores ausentes ou secundários nas manifestações de junho de 2013. Qual foi o reflexo daquelas jornadas na campanha eleitoral?

R – Houve uma consequência muito importante, que foi a unidade construída entre o partido, a CUT e os movimentos sindicais e sociais em torno da questão da reforma política. As manifestações, negando os partidos e a política, deixaram claro que o sistema precisava ser reformado. Esta unidade culminou com o lançamento, em 15 de novembro do ano passado, da campanha pelo plebiscito popular sobre a reforma política. Embora boicotado pela mídia, o plebiscito foi uma experiência vitoriosa. Quase oito milhões de pessoas votaram, pela Internet ou presencialmente. Então, no primeiro turno, apesar da diferença de posições sobre as disputas locais e mesmos sobre a disputa presidencial, já existia a unidade em torno da reforma política. No segundo turno, houve a convergência e toda uma mobilização pela reeleição da presidente Dilma e a continuidade das mudanças conquistas dos últimos anos.

P – Quais foram os movimentos mais destacados nesta unidade que teve a reforma política como cimento?

R – O momento mais emblemático foi o da entrega do resultado do plebiscito, no dia 13 de outubro, com a participação de todas as entidades sindicais, exceto a CGTB, do movimento estudantil, do movimento negro, do LGBT, do MST, do MTST, de dezenas de organizações não governamentais. O movimento estudantil foi muito ativo. Na Paraíba, no Rio Grande do Norte, no Ceará, em tantos outros estados, fizeram grandes mobilizações pelo plebiscito.

P – Foi difícil combater Marina Silva, por sua origem petista e sua trajetória de vida?

R – Certamente, mas aos poucos foi ficando claro que se tratava de uma disputa ideológica. Marina foi revelando, por ela mesma, suas inconsistências e contradições. Foi ela mesma que falou em independência do Banco Central e em flexibilização de direitos trabalhistas. A presidente apenas reagiu, firmando o compromisso não mexer em direitos, e a partir de sua fala num encontro com sindicalistas, lançamos a campanha “nem que a vaca tussa”. O ato com as mulheres aqui em São Paulo foi extraordinário. A atividade de cultura no TUCA também. E tudo isso aconteceu país afora, de Norte a Sul passando pelo Nordeste, onde a mobilização foi excepcional, inclusive naquele momento em que afloraram as discriminações contra os nordestinos. O risco do retrocesso, quando ficou claro, foi uma fagulha que incendiou a militância e os movimentos sociais na defesa do nosso projeto.

P – A militância ainda é um dos trunfos do PT nas eleições ou ela perdeu um pouco de sua importância para outras ações políticas, como o marketing e as alianças?

R – A mobilização sozinha não resolve a eleição. A estratégia de campanha, a política de alianças, o marketing e a comunicação, o programa de governo, os palanques estaduais, tudo isso pesa muito. Sem uma aliança ampla, a coligação com os outros partidos, Dilma não teria tido o tempo de televisão que teve, e ele foi importante para sua comunicação com o eleitorado. Mas a militância é um diferencial na campanha e isso só foi aparecer significativamente no segundo turno. Ali ficou claro que, embora existissem outras candidaturas de esquerda no primeiro turno, na verdade não havia três projetos para o Brasil. Em verdade, Marina e Aécio representavam o mesmo projeto, e isso ficou claro no segundo turno, quando ela o apoiou e endossou suas propostas. Algumas delas, apresentadas por ela mesma no primeiro turno. A nitidez dos projetos concorrentes e da diferença ideológica levou a militância às ruas e às redes sociais para não permitir o retrocesso.

P- Nesta campanha o conflito com a mídia foi maior?

R – A campanha deixou claro o papel desempenhado pelos grandes meios de comunicação, que se jogaram com toda força na disputa. Isso coloca a necessidade do debate, que já fazemos no partido e na CUT, sobre a democratização dos meios de comunicação. A imprensa foi além de todos os limites nesta campanha. Aquele manchetódromo da UERJ mostrou o tempo todo o desequilíbrio no tratamento dispensado a Dilma e aos outros candidatos. Sem falar na jogada final da Veja e no coro de outros veículos para amplificar o crime eleitoral. Até no próprio dia da eleição foram semeados boatos e mentiras com a intenção de confundir o eleitorado.

P – E o papel da Internet e das redes sociais?

R – As redes sociais não substituem a militância. São uma ferramenta da militância. Foram determinantes no esforço para responder acusações, na guerra da mentira contra a verdade. As redes sociais e a militância derrotaram a mídia conservadora, que se valeu dos mecanismos mais sórdidos para tentar impedir a reeleição da presidente. Esta é uma reflexão que precisamos fazer agora.

P- Mas, independentemente da mídia, houve manifestações muito agressivas de pessoas contra o PT, veiculadas através das redes sociais também…

R – Sim, nós percebemos um viés muito conservador na sociedade, um discurso xenófobo, de direita mesmo. Vide o que disseram contra os nordestinos e os mais pobres. E isso não tem acontecido só aqui. Se verificarmos os resultados eleitoras no Brasil, nos Estados Unidos e na França, os percentuais serão parecidos. Aqui, foi reafirmada uma disputa de classes, fortaleceu-se uma oposição elitista contra as mudanças feitas pelos governos democráticos de Lula e Dilma. Como militante do PT, digo que precisamos repensar nossa atuação, oxigenar os sindicatos, conquistar os corações e as mentes desta juventude que está muito distante da vida política. Conquistamos uma parte significativa dela agora mas é preciso avançar com a palavra de ordem “mais mudança”. Precisamos investir em formação política, valorizando o legado desta campanha. Daqui para frente será uma disputa cotidiana.

P – A oposição agora será mais dura?

R – O que dizer de um Congresso que no primeiro dia de trabalho depois da eleição derruba um decreto da presidente que ampliava a participação popular nas decisões sobre políticas públicas? E depois, veio o descabido pedido de auditoria na apuração dos votos apresentado pelo PSDB. Eu tenho dito que só a militância será capaz de reorganizar a esperança para derrotar o ódio e a arrogância.

P – Acredita que a presidente vá ter agora uma relação de maior proximidade com os movimentos sociais, vai dialogar também com eles?

R – O governo nunca deixou de dialogar, e teve no ministro Gilberto Carvalho um interlocutor importante, sempre atento. Gilberto fez um trabalho extraordinário de conservação das pontes durante o primeiro mandato. E agora, tenho certeza de que a presidente fará mais pessoalmente esta interlocução. Durante a campanha ela se reuniu com centrais sindicais e ouviu em mais de uma oportunidade os movimentos sociais. Ela tem dito que fará um governo de mais diálogo com todos os setores, e isso inclui os movimentos sociais e o Partido dos Trabalhadores, cujo protagonismo na campanha ela mesma destacou.

Fonte: Brasil 247