“Estaremos nas ruas contra o retrocesso em 2016 e sempre”

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A sociedade, de forma geral, corre grande risco de retroagir em direitos conquistados nas últimas décadas. Isso porque a atual composição do Congresso Nacional é considerada a mais retrógrada e a menos representativa dos trabalhadores, estruturada, majoritariamente, por empresários, banqueiros, ruralistas e religiosos fanáticos. Diante da complicada conjuntura, as forças sociais vêm se somando para barrar a onda de conservadorismo apresentada por projetos de lei que tramitam na Câmara e no Senado. A previsão é de recrudescimento dessa onda já neste início de ano.

A CUT Brasília entrevistou a secretária nacional de Relações do Trabalho da CUT, Graça Costa, para saber como está sendo traçada a estratégia de mobilização da classe trabalhadora para enfrentar retrocessos iminentes. Para ela, as principais motivadoras do caos que se apresenta são a mídia e crise política, que se retroalimentam. “A crise política veio na onda dessa conjuntura alimentada pela mídia, onde a oposição se aproveita, tentando dar um golpe na democracia para assumir o poder novamente, além de emplacar projetos no Legislativo, atendendo os seus interesses e aproveitando da fragilidade do governo”, diz Graça Costa.

Segundo a dirigente CUTista, as ruas sempre foram e continuarão sendo o principal espaço de luta da classe trabalhadora e dos movimentos sociais. Leia a entrevista completa.

CUT Brasília – Pelo menos 10 projetos de lei que retiram direitos ou abalam a democracia tramitam no Congresso Nacional e poderão ser aprovados neste ano. Na sua avaliação, qual setor da sociedade será mais atingido com a possível aprovação desses projetos e qual o papel da classe trabalhadora diante dessa situação de iminente retrocesso?

Graça Costa – Antes de mais nada, é importante citarmos os 10 projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional, com possibilidades de serem aprovados nesse ano de 2016, e que retiram direitos ou abalam a democracia no país, são eles:
1) Estatuto da Família (PL 6583/2013) – determina que a família é formada exclusivamente por homens e mulheres e exclui, portanto, casais LGBTs desse conceito;
2) Maioridade Penal (PEC 171/1993) – reduz a maioridade penal para 16 anos;
3) Lei Antiterrorismo (PL 2016/2015) – altera a lei para reformular o conceito de organização terrorista, sendo que, da forma como está redigido, pode permitir que manifestações de trabalhadores possam ser entendidas como um atentado à estabilidade democrática;
4) Criminalização da vítima de violência sexual (PL 5069/2013) – abre brechas para punir qualquer pessoa que oriente o uso de método contraceptivo e preste orientações sobre o aborto legal definido pela Constituição;
5) Terceirização sem limites (PLC 30/2015) – permite a subcontratação sem limites, inclusive em atividades fim, precarizando generalizadamente as relações e condições de trabalho;
6) Altera participação da Petrobrás na exploração do pré-sal (PLS 131/2015) – retira a obrigatoriedade da Petrobrás como exploradora exclusiva do pré-sal;aspa1
7) Estatuto do desarmamento (PL 3722/2012) – facilita a aquisição e o porte de armas de fogo;
8) Privatização das Estatais (PLS 555/2015) – permite a venda e a participação do capital privado em empresas estatais como Correios e Caixa Econômica;
9) Flexibilização do Conceito do Trabalho Escravo (PLS 432/13) – desconfigura e ameniza o conceito de trabalho escravo;
10) Redução da idade de trabalho (PEC 18/2011) – autoriza o trabalho de regime parcial a partir dos 14 anos.

Diante disso, fica claro que os principais setores da sociedade que serão atingidos com uma possível aprovação desses projetos são: a classe trabalhadora tanto do setor privado quanto do setor público, do campo e da cidade, que é a maioria da população; as mulheres; os casais LGBTs; os jovens; os negros; as crianças; os mais pobres e os movimentos sindical e social.

Portanto, estamos nos referindo à grande maioria da população que será afetada diretamente se esses projetos forem aprovados nesse ano. Por isso, é fundamental que a classe trabalhadora, através da CUT, e os movimentos sociais se organizem para estar nas ruas e se manifestarem contrários à aprovação desses projetos, pressionando fortemente os parlamentares a agirem conforme o interesse da maioria da população. Em 2015, nós mostramos a nossa força através de várias manifestações nas ruas das principais cidades do país, dizendo não ao golpe e exigindo políticas do governo que assegurem e ampliem os direitos, principalmente uma nova política econômica que leve ao crescimento com distribuição de renda. Foi dessa forma que conseguimos conter o cenário político que vinha se desenhando, de golpe à democracia.

CUT Brasília – Ainda quanto aos projetos que apresentam um verdadeiro pacote do conservadorismo apresentado pelo Congresso, a quem interessa este tipo de conteúdo e o que contribuiu para que temas como esses ganhassem espaço na Câmara e no Senado?

Graça Costa – Estes projetos interessam tanto às elites econômica e política desse país quanto das estrangeiras. São grandes latifundiários, empresários e banqueiros que querem manter suas posições privilegiadas e barrar os avanços que o país viveu nos últimos 13 anos de governo democrático e popular. E não há dúvidas de que dois fatores influenciaram e muito para que esse avanço do conservadorismo não só no Congresso, mas em toda a sociedade, crescesse vertiginosamente nos últimos tempos: a mídia e a crise política, numa conjuntura em que uma alimenta-se da outra. A mídia, desde o início do governo petista, tem tentado desestabilizar e desinformar, criando e fortalecendo um sentimento antipetista, através da criação da imagem de um governo que seria o mais corrupto da história, por um lado, e por outro lado, super dimensionando os efeitos da crise no país. A crise política veio na onda dessa conjuntura alimentada pela mídia, onde a oposição se aproveita, tentando dar um golpe na democracia para assumir o poder novamente, além de emplacar projetos no Legislativo, atendendo os seus interesses e aproveitando da fragilidade do governo.

CUT Brasília – Por que para a CUT projetos como o Estatuto da Família, a PEC da Maioridade Penal, a Lei Antiterrorismo e outros são considerados antidemocráticos?


Graça Costa –
Para a CUT estes três projetos são antidemocráticos, pois violam direitos fundamentais e constitucionais de grande parcela da população. O Estatuto da Família propõe que sejam reconhecidas apenas as famílias formadas por um homem e uma mulher, excluindo os casais LGBTs, ferindo um preceito constitucional já reconhecido recentemente pelo STF. A PEC da maioridade penal paspa5ropõe a redução da maioridade penal dos atuais 18 anos para 16 anos, ignorando completamente o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), oferecendo para as nossas crianças e adolescentes, principalmente carentes e negras, apenas uma política de punição. Por fim, a lei antiterrorismo fere o direito constitucional de manifestação e expressão da população, já que da forma como está redigida, pode permitir que manifestações de trabalhadores possam ser entendidas como um atentado à estabilidade democrática.

CUT Brasília – Em 2015, a classe trabalhadora, por diversas vezes, foi impedida de acessar a Câmara dos Deputados. Enquanto isso, os empresários tinham entrada livre à Casa. A CUT planeja alguma ação para garantir que os trabalhadores tenham acesso à Câmara?

Graça Costa – A CUT entende que é um absurdo que a Câmara dos Deputados, conhecida como a Casa do Povo, tenha o seu acesso restringido aos trabalhadores e trabalhadoras que ali vão para se manifestar ou pressionar os deputados e deputadas. É inconcebível que a classe trabalhadora que elege os deputados e deputadas federais não possa ir até eles fiscalizar e cobrar pelo que os parlamentares prometeram durante as campanhas eleitorais. E pior do que isso, é inadmissível que a Câmara autorize apenas empresários a entrarem na casa. É por essas e outras razões que esta legislatura é tida como uma das mais retrógradas, conservadoras e menos representativa da história desse Congresso. Entendemos que isso é inconstitucional e, por este motivo, a CUT continuará lutando pela garantia do acesso à Câmara dos Deputados seja através de manifestações seja através de meios judiciais.

CUT Brasília – A CUT prepara uma grande manifestação da classe trabalhadora para março. Qual serão as principais reivindicações do movimento e qual o diferencial dessa marcha para as realizadas em 2015?

Graça Costa – A manifestação que a CUT está organizando para março, juntamente com todos os atores que estiveram juntos ao longo de 2015 em diversos atos nacionais e que fechou o ano passado com a união histórica das forças progressistas, através da Frente Povo Sem Medo e Frente Brasil Popular, no grande ato nacional do dia 16 de dezembro. É a continuação da nossa luta em defesa da democracia, contra o golpe, por uma nova política econômica, contra a reforma da Previdência, pela manutenção dos direitos e para colocar o Cunha (Eduardo Cunha, presidente da Câmara) fora do Congresso.
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A diferença que a CUT entende do ano de 2015 para o ano de 2016 é a oportunidade que se coloca para o governo virar o jogo e trilhar um caminho diferente, onde o crescimento econômico com distribuição de renda, valorização do trabalho e manutenção dos direitos sejam os pilares. Essa oportunidade é fruto da luta nas ruas que nós travamos contra essa direita preconceituosa e conservadora no ano passado e que mudou o cenário, que era dado como de golpe certo na democracia desse país. Portanto, o governo precisa olhar para aquelas milhares de pessoas que votaram nele e no seu projeto popular democrático, que foram às ruas lutar contra essa direita raivosa, e mudar o rumo das políticas que vem adotando, as quais são contrárias a essas pessoas.

CUT Brasília – Algumas organizações apontam os atos em defesa da democracia, realizados pela CUT e movimentos sociais, como governistas. De fato, qual o caráter dessas manifestações?

Graça Costa – Essas pessoas não analisam com seriedade e profundidade quando dizem que a CUT e os movimentos sociais são governistas. Na verdade elas fazem coro com essa mídia que quer desinformar e disseminar o ódio contra a esquerda. É só olhar para a nossa pauta para ver que tanto a CUT quanto os movimentos sociais têm críticas muito duras ao governo e que cobramos políticas diferentes das que foram tomadas, especialmente no último ano, pois vão contra o povo desse país, colocando o ônus da crise nas costas desse povo batalhador e sofrido. A CUT e os movimentos sociais defendem a democracia, arduamente conquistada, e lutam contra tentativas de impedir, sem motivo justificável, a continuidade de um governo democrático e legalmente eleito. Contudo, nós também lutamos e exigimos uma mudança de rumo desse governo que deve implementar o projeto que o elegeu. A CUT defende, luta e representa o interesse da classe trabalhadora e sempre que isso for ameaçado, nós estaremos na rua combatendo, exigindo e manifestando como sempre fizemos ao longo da nossa história.

CUT Brasília – Na sua opinião, qual a diferença entre as marchas realizadas pela CUT e movimento social e as realizadas por setores da direita? Os dois lados não têm o direito de se manifestar e, por isso, são legítimos?

Graça Costa – A diferença entre as marchas realizadas pela CUT e movimentos sociais e as realizadas por setores da direita é clara: as da CUT e movimentos sociais defendem a democracia, a liberdade, a igualdade e a justiça social; já as da direita defendem o golpe, a ditadura, a intolerância, o ódio, a retirada de direitos, a desigualdade e a injustiça social. É muito grave o que temos assistido nos últimos anos por parte da direita conservadora e preconceituosa desse país, uma disseminação do ódio, da intolerância e da volta da ditadura. Nós não iremos permitir isso e combateremos nas ruas com manifestação pacífica. É claro que o direito à manifestação deve ser defendido arduamente e, mais do que isso, deve ser lembrado que foi conquistado à custa de muito sangue e vidas, pois na época da ditadura esse direito foi cassado violentamente. Contudo, em uma democracia, o direito à manifestação não pode ferir a liberdade, o direito do outro e muito menos propagandear o ódio e a intolerância.

CUT Brasília – Desde o ano passado, vemos, em diversos estados, uma crescente na ação truculenta da polícia militar contra manifestações em defesa da manutenção dos direitos garantidos pelo povo ao longo das últimas décadas. Na sua opinião, quem é o responsável por este tipo de atuação violenta e por que ela ocorre?

Graça Costa – Em primeiro lugar, o responsável maior é a autoridade máxima que comanda a polícia militar: o governador do estado. E não é à toa que vemos as ações mais truculentas da polícia militar em estados comandados pelo PSDB, um partido que representa a classe elitista e o que é mais conservador, autoritário, retrógrado e intolerante nesse país. Basta ver os estados do Paraná e de São Paulo, palcos das mais violentas ações policiais nos últimos anos, especialmente o estado paulista, onde essa prática é recorrente nos mais de 20 anos de governo do PSDB. Em segundo lugar, a própria instituição da polícia militar é responsável. É uma instituição que preserva os valores e práticas da ditadura, que deveriaaspa4ter sido reformada após o fim da ditadura militar, mas não foi. Por isso, é uma instituição que forma policiais violentos, intolerantes e autoritários. Não é à toa que há inúmeros movimentos pedindo a desmilitarização da polícia e a reforma da mesma para dar fim à herança da ditadura militar.

CUT Brasília – Em 2016, as ruas serão os principais locais de luta em defesa de um Brasil mais justo e igualitário?

Graça Costa – Em 2016 e sempre. As ruas serão os principais locais de luta em defesa de um Brasil mais justo e igualitário. Foi assim durante toda a história da humanidade e será assim sempre. Para mudar a ordem vigente e buscarmos os nossos sonhos e ideais de um país com justiça social, liberdade, igualdade e fraternidade, é preciso se manifestar, exigir, lutar e pressionar muito, e não será diferente em 2016. A CUT, juntamente com os movimentos sociais, estará nas ruas lutando pela democracia, contra o golpe, por uma nova política econômica, contra a reforma da Previdência, pela manutenção dos direitos, por mais conquistas e avanços e para colocar o Cunha na cadeia.

Fonte: CUT Brasília