Em seminário, quilombolas decidem ajuizar ação no STF por danos morais

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Os quilombolas vão entrar com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) por danos morais pelos mais de 20 anos que aguardam pela demarcação das terras garantida pela Constituição Federal. São quase 5 mil comunidades quilombolas reconhecidas. Destas, apenas 200 são certificadas e demarcadas com a titularidade da terra.

Esta proposta foi aprovada durante o Seminário Quilombolas: aspectos políticos, jurídicos e políticas públicas inclusivas e consequentes à edição do Decreto nº 4.887/2003 e do julgamento da ADI nº 3239. O evento foi realizado no final do ano passado, pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), em conjunto com a Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra do Conselho Federal da OAB e o Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), no Rio de Janeiro. 

Presente ao evento, Daine Alves, representante da Comissão da Verdade da Escravidão Negra do DF e Entorno, organizada pelo Sindicato dos Bancários de Brasília, apresentou resumo do relatório das pesquisas efetuadas e denúncias de violações contra comunidades quilombolas da região.

Confira a íntegra do evento: 

A ação será ajuizada pela Federação Nacional de Associações Quilombolas (Fenaq). “Isso está nas disposições transitórias do Artigo 168 da Constituição Federal, em tratados internacionais, e vem sendo postergado sem a menor cerimônia pelas instituições do estado brasileiro”, ressaltou Humberto Adami, advogado da Fenaq e presidente da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra do Conselho Federal da OAB.

Para Adami, a pauta do movimento negro não tem de estar atrelada ao movimento político. “Isso independe de o governo estar à direita ou à esquerda e do presidente gostar ou não. É um cumprimento da Constituição”, enfatizou.

E acrescentou: “O que virá depois do julgamento da ADI nº 3239, que questionou a constitucionalidade do decreto 4.887, que elabora as regras de demarcação de terras quilombolas? Este processo levou 15 anos e, finalmente, o STF concluiu que o decreto é constitucional. Quanto tempo ainda vai demorar para que essas 4.800 comunidades quilombolas tenham suas terras demarcadas?”. 

Fim das diferenças

Na abertura do evento — que reuniu grupos de representantes quilombolas, advogados, historiadores, promotores de justiça, acadêmicos e representantes do legislativo –, o presidente do TRF-2, André Fontes, defendeu que “esse seminário possa ser um pequeno passo para construir uma futura ponte para que o judiciário retorne ao seio da sociedade brasileira e se mantenha como tal no lugar onde sempre deveria ter estado e nunca ter se afastado”. 

O desembargador falou da necessidade de acabar com as diferenças raciais e culturais e destacou a importância da criação da Comissão da Verdade da Escravidão Negra do Brasil. “Esse foi um grande marco no nosso país sobre o tema que ainda hoje não permite que possamos dormir em paz”, e fez reverência “aos escravos mortos que, em parte, estão aqui embaixo desse solo sagrado”.

Resgate da cidadania

“Os direitos dos quilombolas é um resgate necessário de todos nós brasileiros”, ressaltou Rita Cortez, presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros. Ela observou que “o STJ é conhecido como o tribunal da cidadania, mas eu acho que o legítimo representante deste título é o TRF-2 que, por intermédio do doutor André Fontes, tem promovido eventos de qualidade relacionados a direitos humanos”. E adiantou que está reconstituindo a Comissão de Discriminação Racial no IAB.

Remanescentes de quilombos 

Em sua definição original de 1740, “quilombo” era usado para identificar espaços ocupados por pelo menos cinco escravos fugidos. No entanto, o Artigo 68 da Constituição Federal de 1988 deu um novo significado ao termo, que passou a designar ocupação coletiva da terra e com ligações ancestrais relacionadas à opressão e à escravidão.

Após a promulgação da Carta de 1988, o estado brasileiro passou a reconhecer a existência de outras formas de propriedade, orientadas por interesses coletivos. O Decreto nº 4.887/2003 regulamentou o Artigo 68, dizendo que os chamados “remanescentes de quilombos” são grupos étnico-raciais que possuem uma trajetória histórica própria, associada a uma ancestralidade negra que se reflete na constituição do território. 

No entanto, em 2004 o Democratas (antigo PFL) contestou a constitucionalidade do Decreto 4.887/2003, através da ADI 3239, para bloquear seu reconhecimento. Solicitou que o decreto nº 4.887 fosse considerado nulo, em um processo que se arrastou por 15 anos até finalmente ser concluído em fevereiro do ano passado, quando o STF derrubou a ADI.

Mariluce Fernandes
Do Seeb Brasília