Editorial: Trabalho excedente, concentração de riqueza

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A vida corre e todos correm para viver. É preciso acelerar para não perder a chance de alcançar a satisfação das necessidades e fantasias geradas pelo mundo moderno.

Moderno? Espera aí, que modernidade é essa que a todos tanto seduz?

Levando em conta o que disse Marcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), durante a 10ª Conferência Nacional dos Bancários, realizada recentemente em São Paulo, a indagação faz sentido. É necessária. Porque, ao contrário do que se imagina, a roda pode estar girando sem sair do lugar. Ou, quem sabe, indo em direção ao passado de imposição acintosa do trabalho forçado. 
Pochmann traçou paralelo entre a realidade do trabalhador brasileiro hoje e no final do século 19. Lá atrás, na seqüência da abolição formal da escravidão, os trabalhadores conquistaram a alteração da jornada de trabalho de 16 horas para 8 horas diárias. As crianças deixaram de ingressar no mercado de trabalho aos 5 anos para começarem aos 15. Ocorreram as reformas agrária e tributária, que muito contribuíram para a alteração da realidade da época. Quem tinha muito di-nheiro passou a ser tributado.

Reduzir a jornada de trabalho e promover uma reforma tributária que onere os ricos são hoje desafios à luta dos trabalhadores contra a concentração da riqueza e as desigualdades sociais. “Não há razão técnica para se trabalhar mais que 12 horas por semana”, sustenta o presidente do Ipea. Isso porque, segundo ele, estamos vivendo o fim da produtividade física, o que significa dizer que a medida não é mais o número de carros produzidos por trabalhador ou a quantidade de cheques processados.

Heresia, dirão os patrões – banqueiros entre as vozes mais fortes. Mas Pochmann reforça o argumento de que “a produtividade é cada vez mais imaterial” lembrando que se trata da exploração de um trabalho não-tangível, que está sendo executado para além do local de trabalho, com metas de vendas e novos métodos de gestão que mantêm o trabalhador plugado 24 horas por dia. “É uma fase do capitalismo de profunda concentração de riqueza”.

Os banqueiros estão, seguramente, no topo do ranking dos mais ricos do país. A jornada de trabalho dos bancários é de 6 horas desde meados do século passado. É inacreditável que os patrões ainda se esmerem em subterfúgios para desrespeitá-la e engodar ainda mais seus lucros.