Crise conjuntural é consenso entre pesquisadores em fórum

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A conclusão de que a crise do sistema político do país é uma questão de conjuntura dominou os debates e conferências do Fórum Crise do Sistema Político Brasileiro: Estrutural ou Conjuntural?, realizado na última quarta-feira (8), no Centro de Convenções da Unicamp. Para o cientista social Fernando Limongi, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), os problemas não estão na estrutura do presidencialismo de coalizão, mas na estratégia adotada por parte da elite política de que seria urgente fazer o impeachment da presidente Dilma Rousseff para conter a Operação Lava Jato. “Não há nada de estrutural. Foram decisões conjunturais, decisões estratégicas que levaram a essa opção.”

Segundo o professor da USP, com a Operação Lava Jato, “a classe política entrou em pânico, por isso optou-se pelo impeachment; só havia uma saída”. De acordo com o pesquisador, “se há um problema que a atual conjuntura está revelando é a relação escusa entre o dinheiro e a política, a questão do financiamento da política brasileira. É óbvio que isso ocorreu sob o presidencialismo de coalizão, mas a relação causal só é possível em linhas de raciocínio frágeis”. Na perspectiva do professor, o foco do combate à corrupção deve estar nas empresas estatais, muito mais que nos orçamentos públicos. Entre os possíveis caminhos para sair da crise está a revisão dos mecanismos de financiamento.

A professora Andréa Freitas, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, uma das organizadoras do evento, afirmou que a crise está mostrando que há problemas, mas que, no entanto, não são estruturais, “porque não estão nos pilares institucionais do presidencialismo de coalizão, mas ligados à arena eleitoral, ao financiamento de campanha e, em algum grau, à fragmentação partidária”, devido à proliferação no número de siglas nos últimos anos. 

Para Freitas, “enquanto a Lava Jato não chegar à sua última fase, provavelmente continuaremos com um sistema com a instabilidade que temos observado, por um motivo muito simples: não há nenhum ator político que esteja seguro neste momento, e os políticos sabem disso. Até então não é possível fazer o que o presidencialismo de coalizão possibilita, que é coordenar o processo decisório”. Em sua visão, é preciso localizar onde estão os problemas, sendo que a influência do poder econômico no financiamento de campanha é o principal.

A docente do IFCH participou da segunda mesa de discussão do Fórum, que contou também com a participação da jornalista Maria Cristina Fernandes, colunista do jornal Valor Econômico. Fernandes narrou detalhes dos bastidores do centro de poder em Brasília, na semana da votação da Câmara Federal sobre o impeachment. “O que eu assisti foi a estratégia dos agentes políticos que fazem do controle de suas legendas a real disputa de poder. Muitas vezes, nas conversas com eles, me vinha a impressão de que o que importava não era se daria [Michel] Temer ou Dilma [Rousseff]. É claro que importava que estivessem do lado vencedor, mas o que mais importava era que, independentemente do desfecho, eles estivessem de posse de suas legendas.”

Também teve espaço nas discussões o protagonismo do Poder Judiciário na presente crise e o excesso de decisões monocráticas nas instâncias superiores. Nas últimas décadas, 93% dos julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF) foram feitos por apenas um ministro e somente 1% foi decidido pelo plenário. O professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro Diego Werneck Arguelhes apresentou esses resultados sobre a atuação do STF e o opinou sobre o papel da corte em meio à instabilidade institucional. “Há uma grande fragmentação no Supremo. O que percebemos, e que parece ser novidade, ou pelo menos ter sofrido um aprofundamento desde que a crise política começou, no final de 2014, são três coisas: a relação desigual entre o poder individual dos ministros e o poder do plenário; a liberdade que o tribunal tem para montar sua agenda e escolher quando decidir; e os mecanismos, quase inexistentes, de responsabilização para garantir que os ministros realmente respeitem as regras”.

Werneck enfatizou também a relação entre a sobrecarga do STF e a escassez de debates em temas de interesse nacional, já que “o relator vence em quase 100% dos casos, o que leva a pensar que isso se dá por conta do excesso de casos e da falta de tempo para julgá-los”.

Saídas possíveis

Na mesa “Caminhos para o futuro: o que precisa ser transformado”, o cientista político Bruno Reis, professor da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), defendeu o sistema em vigor e justificou sua posição favorável ao chamado presidencialismo de coalizão, tão criticado na imprensa como um dos motivos da atual crise brasileira.

Reis levantou questionamentos sobre algumas peculiaridades do sistema eleitoral, como o modelo de financiamento de campanha. Segundo ele, sistemas proporcionais de lista aberta existem em vários países, mas nenhum deles tem a magnitude do brasileiro, entre eles o Chile e a Finlândia “Temos um excelente sistema de controle, de administração eleitoral, mas esse sistema é dificilmente governável. Há milhares de candidatos disputando milhões de votos e o TRE [Tribunal Regional Eleitoral] coordenando essa eleição”.

De acordo com o professor da UFMG, medidas necessárias seriam a normalização do sistema eleitoral, com a inserção de um teto nominal para as doações a campanhas eleitorais. Atualmente, as doações de pessoas jurídicas são limitadas a um percentual do faturamento das empresas, o que, conforme Reis, confere um excessivo peso ao poder econômico no sistema político, já que empresas grandes dispõem de um teto muito elevado. Outro ponto destacado por ele é a necessidade de dar continuidade ao combate à corrupção.

O Fórum Crise do Sistema Político Brasileiro: Estrutural ou Conjuntural? foi uma uma realização do Fórum Pensamento Estratégico (Penses), com o apoio do IFCH da Unicamp. O Penses é um espaço acadêmico vinculado ao Gabinete do Reitor, responsável por promover discussões que contribuam para a formulação de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento da sociedade em todos seus aspectos.

Fonte: Unicamp