Ceticismo com a ética nos negócios

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Por mais utilitaristas que pareçam, a ética nos negócios e a responsabilidade social empresarial (RSE) também são essenciais para manter um nível mínimo de confiança nas relações entre firmas e consumidores. Os consumidores, no entanto, estão mais desconfiados do que nunca quanto à ética empresarial e, em especial, quanto aos programas de RSE. Por que todos parecem duvidar das “boas intenções” de uma empresa? E, ainda mais importante, que argumentos podem demonstrar que a RSE é mais do que uma simples encenação?

Os argumentos contra a RSE são numerosos. A agenda encoberta por trás da ética nos negócios e dos programas de RSE é colocada em questão frequentemente. Uma pesquisa recente do IESE Center for Business in Society mostrou que mais de 80% dos cerca de 500 entrevistados acreditavam que pelo menos 70% das iniciativas de RSE são programas puramente cosméticos para fortalecer a reputação empresarial. Não ajuda muito a reduzir as dúvidas dessas pessoas o fato de a maioria dos programas ser comandada pelos departamentos de marketing e comunicação…

Em segundo lugar, um número demasiado grande de programas de RSE é planejado à custa do consumidor. Em outras palavras, as firmas ficam com a boa reputação e os consumidores, com todo o custo. Um exemplo disso é o programa para “manter os lençóis” nos hotéis. Pedem que pensemos se realmente queremos ter a roupa de cama trocada todos os dias. Oficialmente, o programa almeja reduzir o impacto ambiental. Sabemos muito bem, entretanto, que o objetivo encoberto é reduzir despesas à custa de uma menor qualidade de serviço aos clientes.

O artigo “A Responsabilidade Social nas Empresas É Gerar seu Lucro”, do prêmio Nobel Milton Friedman, publicado na revista “The New York Times Magazine”, em 13 de setembro de 1970, destacava três importantes questões que levam as pessoas a questionar iniciativas de responsabilidade social empresarial. Primeiro, a responsabilidade dos gerentes baseia-se no interesse dos acionistas. Eles não têm direito de gastar os lucros das empresas em RSE ou em iniciativas beneficentes. Segundo, questões sociais são de responsabilidade do governo – não de instituições de nível inferior como as empresas. E, por fim, responsabilidades morais cabem ao indivíduo. Imputar responsabilidade às empresas não faz sentido.

O professor Albert Z. Carr comparou as transações econômicas ao pôquer em 1968. Você não pode esperar que os outros participantes te digam a verdade. Blefar é parte intrínseca do jogo. Verdade e ética não são. Sob esse ponto de vista, a ética empresarial pode ser vista como apenas mais um truque arquitetado por gerentes engenhosos para tirar ainda mais dinheiro de seu bolso.

Contudo, há de existir alguma forma de enfrentar esse ceticismo legítimo desenvolvido pela sociedade. Desde o início do século XXI, advogados e políticos concordam em que as leis devem favorecer as empresas quando as empresas favorecem a comunidade e a sociedade. Não se trata de lucro. Trata-se de pessoas e de servir à comunidade. E, embora possa parecer manipulador ou cínico, a ética nos negócios é fundamental para manter um nível mínimo de confiança nas relações entre empresas e consumidores. Hoje, sem ganhar a confiança do consumidor, você não vai ganhar seus negócios.

Estudos empíricos recentes mostram que as expectativas de nossa sociedade em relação às práticas empresariais estão em alta. A ética empresarial e a RSE atendem às expectativas éticas dos envolvidos. Ambas podem ser alavancadas de forma a criar uma vantagem competitiva sustentável. Estratégias operacionais baseadas em suposições irresponsáveis ou mesmo imorais são insustentáveis. Subestimar nos dias de hoje o poder dos consumidores responsáveis deixa qualquer empresa em situação de desvantagem.

Várias multinacionais, entre as quais Nike e Nestlé, tiveram enormes custos tanto financeiros quanto para suas operações e reputações por práticas imorais e equivocadas. Quanto mais práticas éticas problemáticas uma empresa tiver, maior a probabilidade de reação dos envolvidos. Também sabemos muito bem que os gerentes deveriam manter-se afastados de qualquer tentação imoral ou antiética. Sempre que alguém em uma organização começa a jogar sujo, o efeito “bola de neve” é quase inevitável.

Por fim, estudos recentes demonstram que a ética empresarial e o desempenho em RSE de uma firma afetam diretamente a felicidade dos funcionários. E a felicidade, por sua vez, é o principal propulsor da criatividade, da inovação e da disposição individual de melhorar a eficiência da empresa. Portanto, a ética empresarial e a RSE têm impactos positivos sobre o desempenho empresarial no médio a longo prazo. Por que uma firma não iria querer promover esse tipo de ambiente?

Ter esses argumentos em mente, tanto os que tendem ao ceticismo quanto os favoráveis à RSE, proporciona a gerentes e políticos algumas dicas importantes. A importância da autenticidade, de elaborar programas em que todos saiam ganhando e com transparência. Ser autêntico significa que as iniciativas de RSE devem ter como objetivo provocar impacto real na sociedade. Funcionários, consumidores e outros envolvidos esperam que sua empresa esteja total e autenticamente comprometida em melhorar a sociedade.

Elaborar programas em que todos saiam ganhando nos remete novamente aos lençóis nos hotéis. Se você pedir aos consumidores para manter a roupa de cama, você precisa dar algo em troca. Por exemplo, enviar o dinheiro economizado a alguma organização não governamental ambiental. Ser transparente quanto a sua missão e comprometimento em questões sociais estabelece a confiança necessária. Acionistas têm direito a saber como você planeja usar os lucros empresariais (e que porcentagem será usada para atingir objetivos de cunho social).

E, mais importante, é preciso lembrar que “nossa” população deve ser sempre o centro do negócio: consumidores, funcionários e a comunidade na qual operamos. Como disse certa vez o professor Lloyd Sandelands: “O negócios das empresas é a pessoa humana”, o resto é irrelevante. (Tradução de Sabino Ahumada).

Antonino Vaccaro é professor de ética empresarial na IESE Business School e diretor acadêmico do Center for Business in Society, na IESE.

Fonte: Valor Econômico