Capitalização: o verdadeiro cavalo de Troia da Reforma da Previdência

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Por Antônio Augusto de Queiroz (*)

Desde a Constituição de 1988 já foram aprovadas cinco Emendas Constitucionais com reformas paramétricas na Previdência, que consistem em mudanças tópicas nos critérios de elegibilidade de benefícios e correções de disfunções do sistema, diferentemente da reforma proposta por Bolsonaro, que promove mudanças estruturas na direção de privatização da Previdência Pública brasileira.

A reforma, no formato apresentado, tem dois objetivos claros: um fiscal, voltado para reduzir o gasto previdenciário, e outro de mercado, voltado para a privatização da previdência social brasileira, a partir da substituição do regime de repartição, de caráter solidário, pelo modelo de capitalização individual e de gestão privada.

O primeiro objetivo, que justifica a agressividade sobre os segurados e aposentados e pensionistas, se traduz na redução de benefícios, no aumento da idade mínima, na ampliação do tempo de contribuição e na adoção de alíquotas maiores, progressivas e extraordinárias, medidas que podem caracterizar confisco. A meta fiscal é ambiciosa e visa a obter ganhos de R$ 1,1 trilhão em dez anos, fato que faz dessa reforma a mais dura de que se tem notícia no Brasil.

O segundo objetivo é a privatização da previdência público, mediante instituição de um novo regime de previdência, organizado com base em sistema de capitalização, na modalidade de contribuição definida, de caráter obrigatório para quem aderir, com a previsão de conta vinculada para cada trabalhador e de constituição de reserva individual para o pagamento do benefício, com “livre escolha” pelo trabalhador da entidade e da modalidade de gestão das reservas, assegurada a portabilidade.

A própria ideia de “adesão” já é uma armadilha. Assim como ocorreu em 1967, quando foi extinta a estabilidade no emprego e criado o FGTS, o novo sistema foi criado por Roberto Campos e pelos militares como “opcional” para o trabalhador. O que se viu, porém, é que somente conseguia emprego quem exercesse, no ato da admissão, a “opção” pelo novo regime. O mesmo ocorrerá com o novo sistema, que deverá representar uma redução ou desoneração de encargos previdenciários para os empregadores. Assim, quem não optar “facultativamente” pelo novo regime não terá emprego.

Num sistema desses, que é inspirado no modelo chileno de previdência, as chances da previdência social pública e de caráter solidário, e até mesmo os fundos de pensão existentes, sobreviverem é muito baixa, porque irão disputar diretamente com o sistema financeiro internacional, leia-se bancos e seguradoras privadas que terão muito melhores condições de concorrência e poderão usar seu poder de mercado para implodir as previdências dos regimes próprios, geral e complementar das entidades de previdência fechada.

Ora, se a simples autorização prevista no § 15 do art. 40 – de patrocínio de plano administrado por entidade fechada de previdência instituída por ente público, assim como, por meio de licitação, o patrocínio de plano administrado por entidade fechada de previdência complementar não instituída pelo ente federativa ou por entidade aberta de previdência complementa – já seria suficiente para colocar em risco fundos de pensão como a Funpresp. A eventual adoção do regime de capitalização previsto no art. 201-A será é o verdadeiro “cavalo de Troia” da reforma, porque poderá exterminar tanto o regimes próprio e geral, quanto o regime complementar, organizado sob a forma de entidade fechadas de previdência, como a Previ, a Petros, entre outros.

Ou os segurados, os aposentados e pensionistas do setor privado e do serviço público se organizam para modificar ou suprimir esses dois dispositivos do texto da reforma, ou sua aposentadoria estará comprometida, pois a gula do sistema financeiro, em matéria previdenciária, é insaciável. Mãos à obra.

(*) Jornalista, consultor e analista político, diretor licenciado do Diap e sócio-diretor da Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais.