Artigo de Wadson Boaventura | O canto da sereia das ferramentas de gestão de pessoas

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Na mitologia grega, as sereias eram seres que usavam seu belíssimo canto para atrair os marinheiros, que acabavam se jogando ao mar ou naufragando. A expressão o canto da sereia” é utilizada quando uma ideia, teoricamente agradável e persuasiva, esconde uma farsa que pode ser fatal.

A coordenadora do Observatório de Saúde do Trabalhador do Sindicato e professora da UnB, Ana Magnólia, não tem dúvida: esse é o caso da ferramenta de gestão de pessoas do Banco do Brasil denominada Conexão, que, a pretexto de “fortalecer” a autoestima e reforçar o orgulho de trabalhar no banco, é uma estratégia para a despolitização da categoria.

“Se o funcionário é tratado como um prolongamento do banco, ou seja, se as ferramentas estimulam a identificação eu sou o banco e o banco sou eu, onde estão o sujeito, o EU, a subjetividade, a autonomia, a independência de pensamento? Dizer que o empregado é ‘colaborador, e outros eufemismos, encobre as contradições do capital-trabalho, no caso do sistema financeiro”, afirma ela, em artigo publicado no site do Sindicato.

As ações de reconhecimento propostas na chamada Conexão, critica ela, são descoladas do trabalho, são ações pessoais e não profissionais, comemoração de datas de aniversários, nascimento de filhos, conclusão de curso superior, especialização, aniversário corporativo, aposentadoria ou participação em eventos esportivos e culturais.

O desempenho deve ser avaliado de forma transparente, com critérios objetivos e de modo participativo, o que de nenhuma maneira, entende a professora, é clicar em botões de um aplicativo. E questiona: qual o grau de participação dos funcionários na parafernália do sistema de avaliação de desempenho do banco?

“Esse é um sistema que gera revolta, decepção e ressentimento nos trabalhadores, como bem destaca a pesquisadora. Se a avaliação de desempenho está baseada no prescrito e num modelo hierarquizado, é uma contradição falarmos em reconhecimento”, afirma o secretário de Saúde da Federação Centro-Norte (Fetec-CUT/CN), Wadson Boaventura.

Esse falso reconhecimento só deixa feliz o sujeito encantado pelo canto da sereia. Essas práticas perversas produzem psicopatologias como a indiferença, a violência, a normopatia e a melancolização, lamenta ela.

E como trazer esse trabalhador encantado de volta ao mundo dos humanos? O que a professora propõe é o contrário da solução encontrada por Ulysses na sua Odisseia, que colocou cera nos ouvidos dos seus marinheiros para que eles não ouvissem os cantos das sereias: apostar nos espaços de discussão coletiva e na produção de discursos produtores de saberes sobre a força e o poder dos trabalhadores.

Só a nossa luta coletiva por respeito e valorização nos protege das ilusões vendidas pelos que lucram com o nosso trabalho. Juntos sempre somos mais fortes!

Wadson Boaventura Secretário de Saúde da Federação Centro-Norte (Fetec-CUT/CN)