Artigo de Antonio Eustáquio  |  Eleições na União Europeia, e Putin venceu

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Há três meses, logo após a eleição para o parlamento português que inflou a extrema direita no país, escrevi sobre o desafio que seriam as eleições para o parlamento europeu a continuar o estado de coisas que contribuía para o crescimento do discurso nacionalista e anti europeu. Na ocasião, apontei que a guerra na Ucrânia era ponto central nesta questão, visto que, em minha visão a subserviência europeia aos interesses dos EUA naquela guerra impactaram sobremaneira o dia a dia dos cidadãos dos países da UE.

Pois bem, após a eleição finda neste último dia 10 de junho, em face de uma conjuntura que não apontou para uma dissipação dos problemas decorrentes principalmente do confronto Rússia x Ucrânia para a vida dos europeus, eis que acontece o que se previa, como uma profecia auto realizada: a extrema direita avança, em que pese a permanência de uma maioria de uma direita tradicional e da manutenção de uma bancada de esquerda expressiva, porém, com uma derrota importante para os partidos ecologistas.

Dentre os políticos e partidos que avançaram nestas eleições, destaca-se importantes nomes pró Putin, que desde sempre se posicionaram contra a insana dedicação da União Europeia em derrotar a Putin, servindo como correia de transmissão dos interesses norte-americanos, há confortáveis 10.000 quilômetros de distância, porém com bandeiras firmemente fincadas em quase todo o velho continente.

As duras sanções impostas pela UE à Rússia contribuíram para elevar fortemente o custo de vida dos cidadãos europeus via encarecimento substancial do custo de energia, muito mais barato quando adquirido da Rússia, e dos alimentos, cujo preço se impactou fortemente também pela elevação substancial dos preços de insumos agrícolas (a Rússia é dos maiores produtores de fertilizantes do mundo), além da quebra de fornecimento de grãos, sendo Rússia e Ucrânia dois grandes produtores.

A inflação se alimentou na UE e, em função de políticas neoliberais que presidem o Banco Central Europeu (a direita tradicional neoliberal é quem dá as cartas no rumo econômico da Europa), as taxas de juros explodiram levando consigo o custo do dinheiro e da habitação e com isto elevando substancialmente o custo de vida dos cidadãos. Este foi um ambiente fértil para a ascensão de discursos populistas e antiglobalistas, como se pôde perceber nestas eleições.

Não por acaso, dois dos maiores expoentes da defesa da guerra sem fim na Ucrânia, Olaf Scholz na Alemanha e Emmanuel Macron na França, foram os maiores derrotados em seus respectivos países. Macron chegou ao ponto de defender o envio de soldados franceses ao front, o que certamente só piorou sua rejeição e alavancou a extremista Marine Le Pen.

O crescimento de políticos pró Putin não significa que os cidadãos da Europa queiram que ele esmague a Ucrânia, embora a futura composição do parlamento vá dificultar as políticas anti Rússia da UE, mas o discurso de que a Europa não deveria carrear tantos recursos e se privar do fornecimento de insumos russos muito mais baratos foi determinante para a vitória destes. Putin, um político com práticas de extrema direita, se beneficia ainda com o que se vislumbra no horizonte e se vai concretizando, um bloco europeu enfraquecido e fragmentado, o que contribui para seu projeto de futuro, a retomada de um papel de importância fulcral nos destinos do mundo, o que, embora possa ser importante para a quebra da hegemonia unilateral e imperial dos EUA, não significa em si uma notícia tão alvissareira, haja vista o também não escondido desejo imperial russo.

Idiossincrasias da extrema direita brasileira.

A extrema direita brasileira comemora a expansão de sua correlata na Europa como uma vitória sua. Porem há diferenças fundamentais entre estas, e, afora o discurso de apreço mútuo de ambos os lados, um aspecto fundamental na extrema direita europeia é seu nacionalismo exacerbado e a defesa intransigente das questões nacionais, o que passa longe do papel da extrema direita brasileira, que se jacta de ser subserviente aos EUA, a ponto de personagens desta corrente já terem se declarados apaixonados por Donald Trump e se colocarem à disposição dos interesses dos EUA,  ao  ponto de defenderem até a deportação de brasileiros dos Estados Unidos.

Outro aspecto que passa ao largo da extrema direita europeia e se constitui no carro chefe desta expressão no Brasil é a pauta religiosa de costumes, em que discussões sobre aborto, drogas, ideologia de gênero e população LGBTQIA+ sequer são apresentadas nas campanhas. Como se vê, o fato de se ver esta expansão preocupante da extrema direita na Europa não significa que por osmose se dará algo semelhante no Brasil. Cada país tem suas realidades e peculiaridades, e as pautas caras à extrema direita brasileira, que beira a defesa de um estado teocrático, deve ser tratada à luz da realidade brasileira e do avanço do poder do neopentecostalismo, assunto para discussões profundas e ações sérias. Há tempo para se corrigir rumos até as eleições gerais de 2026, e todos os agentes democráticos, num arco da direita tradicional à esquerda devem se engajar nisto.

Antonio Eustáquio Ribeiro
é bancário aposentado do BRB, ex diretor do Sindicato e da Fetec/CN e mestre em Políticas Públicas.