É fundamental debatermos o financiamento verde e o crédito para a reconstrução do planeta, mas isso exige encarar, de forma estrutural, o sistema financeiro internacional. No mundo de hoje, o FMI continua a ocupar um lugar central na governança econômica global, condicionando políticas fiscais e monetárias, especialmente nos países do Sul Global. Experiências recentes mostram que seus programas, muitas vezes atrelados a metas de austeridade, podem restringir investimentos públicos essenciais e agravar desigualdades — crítica recorrente entre economistas progressistas, sindicatos e movimentos sociais.
Ao mesmo tempo, cresce o debate, inclusive em think tanks progressistas e redes internacionais de esquerda, sobre reformar o mandato do FMI para incorporar justiça social, transição ecológica justa, combate à fome e trabalho decente como pilares, e não externalidades. O presidente Lula tem vocalizado a importância de rever o papel da instituição, entre outras, que “sustentam um Plano Marshall às avessas, em que as economias emergentes e em desenvolvimento financiam o mundo mais desenvolvido”. É nessa direção que devemos orientar nossa intervenção.
Hoje, o setor produtivo vem perdendo participação nos PIBs nacionais devido à financeirização de nossas economias. Precisamos de uma nova conferência internacional que recoloque a liberdade e a dignidade humanas no centro, repensando o papel do FMI e do Banco Mundial. Nesse contexto, a iniciativa do Banco dos BRICS é uma novidade relevante, pois abre espaço para alternativas de financiamento mais alinhadas às prioridades do Sul Global.
Outro ponto crucial é enfrentar a hegemonia do dólar nas transações internacionais. Romper com esse monopólio e valorizar outras moedas no comércio global aumenta a autonomia econômica dos países e reduz as vulnerabilidades cambiais. Da mesma forma, é urgente taxar os super-ricos. A implementação de mecanismos como a taxa Tobin (tributação sobre transações financeiras) e um imposto mínimo global sobre grandes fortunas e grandes patrimônios é passo importante para desestimular a especulação e financiar políticas ambientais e sociais.
Cuidar do clima não pode significar esquecer a fome. Por isso, a liderança do presidente Lula é estratégica: não apenas na COP30 e na agenda climática, mas também na luta para erradicar a fome, como o Brasil voltou a demonstrar ao sair novamente do Mapa da Fome. Financiamento verde e crédito para a transição precisam vir acompanhados de reformas institucionais. O Brasil tem experiências que podem contribuir.
Em primeiro lugar, o papel dos bancos públicos. BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica, Banco da Amazônia e Banco do Nordeste são instituições fundamentais. Precisamos recuperar sua missão de desenvolvimento e não subordiná-la à lógica de rentabilidade dos bancos privados. Não foi por acaso que, na crise de 2008–2009, esses bancos amorteceram o choque externo — o que Lula chamou de transformar um “tsunami” numa “marolinha”. O desempenho dessas instituições foi decisivo para preservar empregos e investimentos.
Também avançamos na democratização da governança: há representação de trabalhadores nos conselhos de administração de estatais como o Banco do Brasil, a Caixa e o BNDES — iniciativa da qual participei na organização. Isso amplia a transparência e o compromisso social. Devemos ir além, incorporando representantes da sociedade civil, do setor produtivo, da indústria, da agricultura e dos serviços nesses conselhos, para que os bancos públicos reflitam o interesse público em sua integralidade.
No tema monetário, o Brasil acumula experiências com moedas sociais e bancos comunitários, que dinamizam economias locais e fortalecem o comércio nos territórios. Podemos, inclusive, pensar em uma “moeda verde” para financiar a transição ecológica e a reconstrução ambiental. Mas é indispensável cuidar da cadeia produtiva associada a esse crédito: não adianta financiar reflorestamento se a execução ocorrer com trabalho degradante ou análogo à escravidão — práticas que combatemos firmemente no Brasil. Todo financiamento deve ter salvaguardas socioambientais robustas, rastreabilidade e critérios de trabalho decente.
Precisamos, igualmente, garantir a qualidade do investimento: o recurso aprovado deve chegar à ponta, especialmente aos pequenos produtores, cooperativas e iniciativas locais, e não se perder em camadas intermediárias, consultorias e burocracias. Por isso, além das COPs, é essencial fortalecer as conferências da OIT para potencializar o trabalho decente como eixo de qualquer transição.
Proponho que a CUT e, em particular, os sindicatos de bancários, estabeleçam uma parceria internacional para qualificar e formular propostas concretas nessas frentes: reforma da governança financeira internacional, fortalecimento dos bancos públicos, criação de mecanismos de taxação justa, moedas alternativas e instrumentos de crédito com salvaguardas sociais e ambientais.
O encontro que debateu o financiamento da transição Ecológica para mudar e enfrentar o desafio climático em Belém é um diamante lapidado em meio à mineração bruta de ideias: uma pedra preciosa que aponta caminhos numa conjuntura complexa.
Jacy Afonso é bancário.
Foi Presidente do Sindicato dos Bancários, da CUT e PT no Distrito Federal.
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