

Em audiência pública na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Previdência, nesta segunda-feira (29), especialistas em Direito Previdenciário foram unânimes em afirmar que a reforma proposta pelo governo Temer parte de diagnósticos equivocados e premissas seletivas. A audiência foi a sexta promovida pela CPI para tratar do assunto.
Para Thais Maria Zuba as análises usadas para justificar a reforma ignoram que o modelo escolhido para a Previdência brasileira já computa soluções para os seus próprios problemas. Segundo ela, os cálculos que apontam déficit no setor deliberadamente excluem receitas que, enquanto não têm caráter diretamente previdenciário, existem para minimizar riscos do sistema como um todo.
“Quando se desconsidera o conjunto das contribuições, estamos desconfigurando o que foi pensado [pela Constituição] em termos de custeio. O regime de repartição consegue pagar uma maior quantidade de riscos porque, no grupo, eles se diluem”, afirmou.
A advogada disse, ainda, que o problema do envelhecimento populacional, responsável por reduzir a proporção entre população ativa e inativa ao longo do tempo, já foi considerado na elaboração do sistema. Por isso a Previdência é abastecida com cobranças sobre lucros das empresas, importações e loterias, porque essas bases de cálculo, segundo a advogada, estão mais imunes a mudanças na pirâmide etária do país.
Zuba também defendeu o regime previdenciário atual, em que a Previdência é integrada a áreas como saúde e assistência social. Para ela, esse sistema é o mais eficiente para proteger a população de forma sustentável, pois usa as contribuições para garantir a qualidade de vida, permitindo que a população economicamente ativa continue produzindo e contribuindo.
“O Estado percebeu que nós não somos previdentes. É da nossa natureza. Não pensamos que existem riscos e que eles são inerentes à existência humana. Não temos, normalmente, disciplina de fazer uma poupança para uma eventual situação de risco”, completou.
Irresponsabilidade
Diego Monteiro Cherulli também observou que o cálculo que aponta déficit previdenciário mistura os servidores públicos federais e os militares ao Regime Geral da Previdência Social (RGPS), o que é incorreto porque eles têm regimes próprios, com custeio à parte, e não integram a seguridade social.
Cherulli apontou, ainda, que o Executivo federal tem usado mal o chamado “fundo poupador” da Previdência, criado pela Emenda Constitucional 20, de 1998. O fundo tinha por objetivo guardar e investir eventuais superávits previdenciários para o futuro. Porém, segundo o advogado, ele tem sido usado pelos sucessivos governos como caixa para despesas correntes.
“Quando o legislador diversificou a base de financiamento, ele sabia que ia sobrar e que precisaria poupar para garantir o pagamento dos benefícios no futuro. Os técnicos não se adaptaram às novas disposições e à vontade da emenda. Eles mantiveram a aplicabilidade da regra antiga: só folha de pagamento custeia a Previdência, e não é assim”, explicou.
Para o advogado, essa prática pode ser enquadrada como uma violação à Lei de Responsabilidade Fiscal.
Gestão
Adriane Ladenthin apresentou à CPI alguns dados que estão disponíveis publicamente nos portais governamentais da Previdência Social e que, para ela, indicam erros na elaboração e no direcionamento da reforma. Conforme explicou, mais de 80% dos benefícios do RGPS são de até dois salários mínimos.
A advogada também afirmou que o grande problema da Previdência, hoje, não é de estrutura, mas de gestão da Seguridade Social. Há ineficiência administrativa que leva a judicialização, fiscalização ineficiente que não consegue prevenir acidentes de trabalho e problemas no sistema de saúde que sobrecarregam os benefícios assistenciais. Além disso, o próprio RGPS contém distorções, como desequilíbrios para a concessão de alguns benefícios.
Ainda de acordo com Ladenthin, a Previdência faz um trabalho ruim em estimular os cidadãos a contribuírem. Ela afirmou que a população tem um entendimento equivocado do funcionamento e do objetivo da Previdência Social, e, por isso, tende a se afastar do sistema. Segundo ela, há cerca de 10 milhões de pessoas na “informalidade previdenciária”.
“As pessoas não querem contribuir para a Previdência porque entende que ela presta um desserviço. Apesar de termos uma Previdência que tem a função de distribuição de renda, a propaganda é invertida. Falta educação previdenciária”, afirmou.
Servidores e setor rural
Para Theodoro Agostinho a Previdência carece de uma boa gestão. Além disso, ressaltou o desconhecimento entre os proponentes da reforma de aspectos como a previdência do setor público. Ele disse que o regime próprio do funcionalismo passou por alterações recentes, visando corrigir desigualdades e equalizar o sistema nos próximos anos. Observou ainda que, diferente dos trabalhadores do setor privado, os servidores públicos precisam contribuir para a Previdência mesmo quando aposentados.
Jane Lúcia Berwanger falou sobre o setor rural e alertou sobre o risco social de se alterar o regime especial do qual se beneficiam os trabalhadores rurais. Afirmou que, caso passe a vigorar um sistema de contribuições individuais voluntárias, a tendência é que as mulheres fiquem desprotegidas, pois não terão como efetuar as suas próprias contribuições. Também destacou o forte êxodo rural pelo qual passa o país.
Além disso, segundo ela, a mudança pela reforma Previdenciária subverteria um dos principais objetivos da aposentadoria rural, que é a redução de desigualdades regionais. Atualmente, o sistema é desenhado para que regiões menos produtivas não fiquem descobertas.
Auditoria Cidadã
A audiência também teve a participação de Maria Lúcia Fatorelli, coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida, associação que milita pela investigação das origens e da composição da dívida pública brasileira. Ela pediu à CPI que vá além da análise da Previdência e que trabalhe para identificar as causas do rombo nas contas públicas do país. Para isso, sugeriu o estudo das conclusões de outra CPI, a da Dívida Pública, realizada pela Câmara entre 2009 e 2010.
Fonte: Agência Senado
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