
A Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra no Distrito Federal e Entorno, do Sindicato dos Bancários de Brasília (CVN/SBB), recebeu na última segunda-feira (1º) as lideranças de oito comunidades remanescentes de quilombos do Estado de Goiás. O encontro fez parte da metodologia da Comissão que tem como objetivo resgatar a história omitida do período escravocrata do Brasil.
Participaram representantes dos quilombos/municípios Almeidas/Silvânia, Flores Velha/Flores de Goiás, Jardim Cascata/Aparecida de Goiânia, Mesquita/Cidade Ocidental, Moinho/Alto Paraíso e Kalunga, dos municípios de Cavalcante, Monte Alegre e Teresina de Goiás. Na ocasião, eles tiveram a oportunidade de expor versões de suas histórias que, mantidas nas comunidades por meio da oralidade, nunca foram registradas em documentos públicos oficiais e livros didáticos.
Para a diretoria e os consultores da Comissão, essa ausência de registro se trata de uma estratégia dos remanescentes coloniais para o que é hoje conhecido como “racismo ambiental”, ou o racismo que não vê no negro o direito de posse à terra. “Quando tratamos de povos tradicionais, a história e a terra são base dos direitos fundamentais. O que acontece no racismo ambiental é o fato de que se o negro não tem história, ele não existe. Se não existe, não tem direitos”, afirma a presidente da CVN/SBB, Lucélia Aguiar.
Em seu discurso, o presidente do Sindicato dos Bancários de Brasília, Eduardo Araújo, salientou a importância desse momento de troca de experiências com as lideranças quilombolas como um instrumento para trabalhar as demandas dessas comunidades e conscientizar a sociedade sobre a contribuição quilombola na formação do povo brasileiro. Ele também destacou o trabalho do Sindicato para incluir mais negros dentro do sistema financeiro.
Metodologia
As comunidades foram selecionadas em um grupo de 19 na área de abrangência do DF e seu entorno, região que entre os anos 1700 e 1888 teve grande circulação de negros escravizados e livres, que cumpriam demandas impostas pelos colonizadores e seus bandeirantes. De acordo com o relator da Comissão, Mário Theodoro, a proposta se deu pelo fato de se ter à disposição os arquivos vivos que são os próprios quilombolas.
Os registros realizados durante a visita das lideranças serão analisados e cruzados com informações técnicas a partir de arquivos e acervos públicos. Os depoimentos serão os principais subsídios ao relatório da Comissão que apontará ao Estado diretrizes para a implementação de políticas públicas reparatórias, compensatórias e/ou afirmativas.
A entrega do relatório está prevista para o mês de novembro, na semana em que se celebra o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra.
Parceria e credibilidade
Para Domingos Ferreira, liderança do Quilombo Flores Velha, o encontro foi uma oportunidade única de apresentar as verdades sobre as lutas e resistências cotidianamente vivenciadas pelas famílias quilombolas desde sua chegada no país.“Em séculos de história, é a primeira vez que somos procurados para sermos ouvidos nesse sentido”, disse. “Aqui vimos a possibilidade de ampliar nossa voz à sociedade e as possibilidades de que nossas demandas sejam atendidas”.
Kalunga do município de Monte Alegre, Maria Helena Rodrigues disse acreditar que a Comissão pode dar novos rumos aos olhares dados pelas instituições às comunidades quilombolas. “Queremos que os quilombos deixem de ser ‘especulados’ como oportunidades de prêmios para acadêmicos. Queremos ser vistos como pessoas, famílias com demandas e necessidades que precisam ser atendidas”, esclareceu.
Comunidades quilombolas
São grupos sociais rurais ou urbanos formados por descendentes de negros escravizados cuja identidade étnica, ancestralidade, formas de organização política, religiosa e cultural definem sua trajetória histórica.
Entre suas principais reivindicações estão medidas contra a falta de saneamento básico, ausência do sistema de tratamento de água, por atendimento em saúde, transporte público, implementação de uma política de incentivo para o ingresso de quilombolas nas escolas e nas universidades, demarcação dos territórios quilombolas e atenção à demanda de gênero com maior atenção às especificidades da mulher.
Da Redação com Daiane Souza e Denise Porfírio (da CVN/Seeb Brasília)
Foto: Denise Porfírio