Em carta aberta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os bancários e as bancárias de Brasília denunciam o progressivo afastamento do Banco do Brasil de sua função pública e social, apontando contradições entre a orientação histórica do governo e as práticas adotadas pela atual direção da instituição, especialmente no enfraquecimento de políticas como o Pronaf e o microcrédito produtivo, na falta de transparência dos dados divulgados e no agravamento das condições de trabalho, com ampliação ilegal de jornada e retirada de direitos.
No documento, assinado pelo presidente do Sindicato, Eduardo Araújo, as bancárias e os bancários cobram ainda uma intervenção política firme para restabelecer o diálogo, o respeito ao acordo coletivo e o compromisso do banco com os trabalhadores, o desenvolvimento nacional e a dignidade do trabalho.
Confira na íntegra:
Carta Aberta dos Bancários de Brasília ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva
Presidente Lula,
Falamos com o senhor como trabalhadores organizados, por meio de um sindicato filiado à CUT. Falamos a partir do chão de fábrica de onde o senhor veio, da trajetória construída no movimento sindical e da convicção que sempre nos pautou: trabalhadores não existem para aplaudir governos, mas para cobrar. Cobrar sempre - inclusive quando o governo é democrático, popular e de esquerda.
O senhor construiu sua vida política afirmando que direitos não são concessão, que não caem do céu e que só existem porque houve luta, organização e enfrentamento. Sempre defendeu que um governo comprometido com o povo não pode se afastar da crítica vinda da classe trabalhadora. É por reconhecer essa história, e por respeitá-la, que nos dirigimos ao senhor de forma fraterna, porém firme.
Quando a presidenta Tarciana Medeiros assumiu o Banco do Brasil, o senhor foi claro ao afirmar que a instituição precisava ser moderna, eficiente e competitiva, mas sem jamais perder seus compromissos sociais nem descuidar do trato com seus trabalhadores e trabalhadoras. Essa orientação política não pode ser relativizada. É justamente o seu descumprimento que nos traz até aqui.
O Banco do Brasil, sob a atual direção, tem se afastado de forma cada vez mais explícita de sua função histórica como instrumento de política pública e de desenvolvimento nacional. Esse afastamento se expressa de maneira concreta nas escolhas estratégicas, nos números divulgados e nas decisões políticas tomadas pela alta gestão. Os próprios documentos oficiais do banco revelam contradições graves que não podem ser tratadas como meros detalhes técnicos.
No Formulário de Referência apresentado à CVM, a gestão do banco afirma que a atuação da União como acionista controlador, ao orientar o Banco do Brasil para cumprir objetivos governamentais, poderia afetar negativamente seus resultados e até sua reputação. Essa afirmação é reveladora. Qual seria, afinal, a razão de um banco público existir, senão para executar políticas públicas e atender aos interesses legítimos da sociedade que o controla? Desde quando cumprir sua função pública passou a ser visto como risco reputacional?
Esse esvaziamento deliberado das políticas públicas se manifesta de forma clara no crédito rural. PRONAF, política estratégica para a agricultura familiar e para a soberania alimentar, chegou representar cerca de 30% da carteira rural do Banco do Brasil em 2010. Entre o final de 2010 e meados de 2016, cresceu 83,4%, refletindo uma orientação clara de fortalecimento da agricultura familiar. Desde então, essa trajetória foi revertida. Em setembro último, a participação do PRONAF havia sido reduzida para cerca de 17% do crédito rural ofertado pelo banco. Trata-se de uma escolha política da direção, que rebaixa uma política pública central e prioriza uma lógica estritamente mercantil, em aberto conflito com o projeto de desenvolvimento defendido pelo seu governo.
O mesmo ocorre com o Microcrédito Produtivo Orientado. Na Carta Anual de Políticas Públicas e Governança Corporativa 2025 (Ano-base 2024), o Banco do Brasil informa ter desembolsado R$ 1,56 bilhão em 2024. Ao mesmo tempo, nas Séries Históricas divulgadas no site do banco, o saldo da Carteira de Crédito - Pessoa Física referente a essa política era de apenas R$ 227 milhões em dezembro de 2024. Essa discrepância compromete a transparência, dificulta o controle social e levanta dúvidas legítimas sobre a efetividade real de uma política essencial para a inclusão produtiva e o combate à desigualdade. Quando os números não se explicam, o problema deixa de ser contábil e passa a ser político.
Essa mesma orientação aparece de forma ainda mais violenta no tratamento dispensado aos trabalhadores e trabalhadoras do banco. A ampliação da jornada de trabalho dos assessores e assessoras, imposta pela direção do Banco do Brasil, escancara uma incoerência grave com a orientação do governo Lula, que afirma combater jornadas exaustivas, como a escala 6/1, e promover mais equilíbrio entre trabalho, saúde e vida. Enquanto o governo sinaliza a valorização do trabalho como prioridade política, a direção de uma empresa pública controlada pela União intensifica a exploração e o adoecimento no ambiente laboral.
Ao ampliar jornadas, reduzir postos e impor mecanismos de coação econômica, o Banco do Brasil não apenas descumpre a lei e o Acordo Coletivo de Trabalho, como atua objetivamente contra uma agenda estratégica do próprio governo federal. Hoje, o banco possui cerca de 85 mil empregados em todo о país. Essa medida pode atingir mais de 20 mil trabalhadores e trabalhadoras - quase um quarto do corpo funcional - com impactos nacionais e efeitos diretos sobre milhares de famílias.
A maioria desses trabalhadores tem longo tempo de casa. São pais, mães e arrimos de família que organizaram suas vidas em torno de uma renda estável. A perda abrupta da função e da remuneração não é detalhe administrativo: é ataque direto à dignidade e à segurança material dessas famílias. Além disso, o banco cria conscientemente um passivo trabalhista bilionário, abrindo espaço para uma avalanche de ações judiciais decorrentes da ampliação ilegal da jornada e dos mecanismos de coação adotados.
O dano à imagem do Banco do Brasil é inevitável. Uma instituição pública, símbolo nacional, não pode confundir modernização com retirada de direitos, medo institucional e adoecimento em massa de seus trabalhadores. Causa profunda perplexidade que uma violação tão ampla e estrutural da jornada legal dos bancários esteja sendo implementada justamente agora - algo que nem mesmo durante governo anterior se tentou impor.
Presidente Lula, empresas públicas devem dar exemplo. Não podem operar pela lógica do medo, da coação e da retirada de direitos. O que ocorre hoje no Banco do Brasil caminha na contramão do projeto que o senhor sempre defendeu.
Por isso, fazemos este chamado público: para que o compromisso com os trabalhadores e trabalhadoras do Banco do Brasil seja reafirmado na prática; e para que o banco seja orientado a interromper esse processo e a abrir um diálogo real com a representação sindical, respeitando a lei, o Acordo Coletivo e a dignidade de quem constrói diariamente o Banco do Brasil.
Direitos não são concessão. Direitos são fruto de luta. E é essa luta que seguimos fazendo, com responsabilidade e firmeza.
Brasília, 19 de dezembro de 2025.
Eduardo Araújo de Souza
Diretor-Presidente do Sindicato dos Bancários de Brasília
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