
O estágio de desenvolvimento de uma sociedade se mede por diversos aspectos, dentre os quais, um de longe se destaca: a capacidade de conhecer seu passado, sem medo, sem traumas, e com capacidade para reconhecer os erros e puní-los, criando assim um ambiente que propicie um presente mais saudável e um futuro mais promissor, com uma cultura que rejeita os erros e, desta forma, não os estimule.
Um fato extremamente relevante ocorreu na última semana em dois de nossos vizinhos, fato que por si só determina uma grande diferença entre nossa sociedade e a destes dois países, Argentina e Uruguai. O fato refere-se ao julgamento de acusados na Operação Condor, articulação de ditaduras da América do Sul nos anos 70, com a finalidade de perseguir e eliminar fisicamente opositores destas ditaduras.
Há muito, a sociedade destes países tem demonstrado a disposição de enfrentar e vencer seu passado nada glorioso, em que, por decisão de governo, cidadãos foram perseguidos, sequestrados, presos, torturados, desaparecidos e mortos, assim como no Brasil, em nome de uma falsa política de segurança nacional.
A Argentina, em especial, desde a redemocratização, já julgou e puniu diversos autores do massacre ocorrido contra a população de seu país, inclusive os grandes mandatários, que exerceram cargos de chefes das juntas militares que dirigiram o país naqueles anos de chumbo.
O Chile, também já avançou sobremaneira na apuração e condenação dos responsáveis pelo terror instalado naquele país após o golpe de Pinochet em 1973.
O Brasil, por outro lado, até agora adotou medidas tímidas sobre o período de trevas a que foi submetido com a ditadura civil-militar aqui instalada em 1964. Até agora, apenas reparações financeiras aos prejudicados, e agora mais recentemente, através da Comissão Nacional da Verdade, instalada pela presidenta Dilma Roussef, se reconstruiu a história naqueles fatídicos anos em que o brasileiro tinha medo do estado, pois qualquer contestação poderia ser sua sentença de morte.
O principal, que é a apuração e punição dos responsáveis pelos crimes diversos cometidos naquele período segue obstruída, seja pela pressão das forças armadas e por parte da elite que apoiou e se beneficiou daqueles governos, seja pela ação covarde do Supremo Tribunal Federal, que rejeitando todos os apelos das cortes internacionais, mantém o entendimento de que a Lei da Anistia, promulgada pelo ditador João Figueiredo, ou seja, durante a própria ditadura, absolve os culpados por crimes de lesa humanidade, apesar do trabalho importante por parte de membros do Ministério Público em demonstrar que aqueles crimes praticados em nome do estado, são imprescritíveis, e jamais poderiam ter sido perdoados pela Lei da Anistia.
Este temor em enfrentar seu passado, muito em função de articulações da elite brasileira, inclusive por políticos ainda na ativa, que apoiou abertamente o golpe de 1964, contribuiu para que nossa sociedade ainda tenha de conviver com esta impunidade que mancha de forma indelével a imagem do país, e permita que alguns de seus cidadãos saiam às ruas pedindo a volta da ditadura, e que um parlamentar desequilibrado como Jair Bolsonaro, em uma seção dantesca na Câmara Federal, dedique um voto absurdo a um torturador, sem nenhum pudor, pois contam com a certeza da impunidade por este tipo de ato. Ou seja, como não houve uma postura dura contra os crimes e criminosos da ditadura, a sociedade não teve um processo educativo sobre a real situação das ações criminosas praticadas por aqueles que assaltaram o estado com o golpe de 1964, e, por conseguinte, nada temem ao fazer apologia àquele período.
Para piorar, o governo ilegítimo de Michel Temer, empodera em um cargo de relevância na estrutura da república, um general que se opõe veementemente ao reconhecimento dos crimes praticados pelo estado, e criticou ferozmente a Comissão Nacional da Verdade.
Ações como estas estimulam a impunidade e o comportamento criminoso de quem defende a volta daquele estado de exceção.
Apenas para ilustrar e mostrar o quanto nossa sociedade ainda precisa avançar no quesito reconhecimento de seu passado e punição dos responsáveis, até como elemento educador para que não se repita aquela barbárie, basta observar o que pode ocorrer com um cidadão alemão que faz apologia ao nazismo.
Antonio Eustáquio Ribeiro
Conselheiro Fiscal do Sindicato dos Bancários de Brasília
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