Crescer em tempos de crise é característica da agiotagem
O Nubank não é banco, criado em 6 de maio de 2013, é uma startupdo segmento financeiro, uma fintech, fundada pelo colombiano David Vélez, a brasileira Cristina Junqueira e o estadunidense Edward Wible.
Dados do DIEESE, divulgados em agosto de 2024, sobre o Nubank, ou seja, 11 anos após a sua criação, apontam que a fintech possui uma carteira de 95,5 milhões de clientes para a fintech, com 80,7 milhões ativos.
Em 2020 possuía 23 milhões de clientes, sendo 14 milhões ativos. Em quatro anos cresceu mais de 300% (Tabela 1). Isso fez com que seu Ativo total saltasse de U$ 33 bilhões, em 2023, para U$ 44,8 bilhões, em 2024, enquanto o patrimônio líquido cresceu, neste mesmo ano, de U$ 5,6 bilhões para U$ 6,9 bilhões (Tabela 2).
Significa um crescimento respectivo de 33% e 23% em apenas um ano. A fintech conseguiu dar um salto no primeiro semestre de 2024, em seu lucro líquido, de 136%, considerando o mesmo período do ano anterior, teve um crescimento de U$ 336,6 bilhões para U$ 866 bilhões (Tabela 3).
Setenta e dois por cento (72%) das receitas de juros do Nubank vêm de cartão de crédito e empréstimos pessoais, o que tem sido determinante para o crescimento bilionário em tão curto espaço.
Como explicar este crescimento vertiginoso? Crescer assim em tempos de crise do capitalismo é a especialidade de quem se sustenta na miséria e no sofrimento da classe trabalhadora. Enquanto o Estado, obrigado a cumprir o pagamento de juros da dívida pública, cada vez mais reduz os recursos destinados ao investimento e ao desenvolvimento socioeconômico, em busca da redução das desigualdades sociais.
Tabela 1 (DIEESE)
Tabela 2 (DIEESE)
Tabela 3 (DIEESE)
A galinha dos ovos de ouro do Nubank
Mais da metade dos clientes ativos do Nubank, 41,8 milhões, faz uso de cartão de crédito, enquanto mais de 10%, 8,7 milhões, são usuários de empréstimos pessoais sem garantia (Tabela 4). Essas duas modalidades cobram taxas de juros ao mês que chegam 19,99% e 20,99%, respectivamente.
Essa grande lucratividade possibilitou que a Carteira de Crédito Nubank crescesse 49% em 12 meses, enquanto os empréstimos pessoais, no mesmo período, entre 2023 e 2024, saltassem 92%. Essas duas modalidades deram um salto de U$ 14,8 bilhões, no segundo trimestre de 2023 para U$ 18,9 bilhões, no segundo trimestre de 2024 (Tabela 5).
A Constituição brasileira proíbe a usura e a agiotagem, o que é praticado, muitas vezes de forma clandestina, por alguns endinheirados, entretanto é prática recorrente do Nubank, que a faz livremente sem sofrer nenhuma fiscalização ou punição. Essa agiotagem tem levado milhares de clientes a denunciar nos órgãos públicos. Apenas no Procon de São Paulo existem 6.173 reclamações contra o Nubank, a grande maioria sobre cobranças indevidas.
Michelle Rodrigues, advogada especialista em Direito do Consumidor, que tem inúmeras ações judiciais, representando clientes prejudicados pelo Nubank, afirma que “a fintchet cobra taxas de juros em cartões de crédito e empréstimos pessoais que ultrapassam em muito as médias do mercado, ou seja, da cobrança devida e legalmente, contribuindo para o endividamento ainda mais das famílias brasileiras”. Destaca, ainda, a doutora Michele, “a política de juros elevados, combinada com práticas de concessão de crédito sem análise criteriosa da capacidade de pagamento dos consumidores, tem contribuído, significativamente, para o superendividamento em desrespeito ao Artigo 54-A do Código de Defesa do Consumidor. Tais práticas evidenciam a ausência de políticas de crédito responsáveis, comprometendo a estabilidade financeira dos clientes”.
O portal UOL divulgou denúncia, realizada por clientes do Nubank, no Procon-SP, em que em que afirmam terem sido criadas chave PIX na financeira sem sua autorização. O órgão de fiscalização paulista enviou ofício à Federação Brasileira de Bancos (Febraban) em que afirma que o banco não pode efetuar o cadastramento de chaves do Pix “sem prévia, expressa e inequívoca autorização do cliente que é o consumidor, caso contrário poderão ser multados por prática abusiva.” ( https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2020/10/19/procon-sp-notifica-nubank-e-mercado-pago-apos-reclamacoes-de-clientes-sobre-pix.htm). Segundo a advogada Michelle Rodrigues, o Nubank ao cadastrar chaves PIX sem a permissão expressa de clientes, caracteriza prática abusiva e violação ao Artigo 39, III, do Código de Defesa do Consumidor.
Tabela 4 (DIEESE)
Tabela 5 (DIEESE)
De acordo com Neiva Ribeiro, presidenta do Sindicato dos Bancários de São Paulo, “a cobrança abusiva está diretamente ligada ao endividamento das famílias, contribuindo, significativamente, para o agravamento de sua situação financeira. Quando instituições financeiras ou empresas aplicam juros excessivos, multas desproporcionais ou encargos indevidos, isso acaba aumentando as dívidas de pessoas que, em muitos casos, já possuem dificuldade para cumprir com seus compromissos financeiros.”
Para o diretor do Sindicato dos Bancários de Brasília, Ivan Amarante, “uma das justificativas para a entrada dessas empresas, dessas fintechs, com uma regulamentação mais branda em comparação aos bancos tradicionais, era a bancarização da população que não tem acesso”. Continua Amarante, “no entanto, o que observamos é exatamente o contrário. Estamos testemunhando, em função de alguns atrativos, uma exploração excessiva em um mercado que deveria ser o mais regulamentado possível. Essa lógica é mantida justamente para o aumento dos lucros dos acionistas das empresas, sem, em momento algum, se preocupar verdadeiramente com a qualidade do serviço prestado”.
Oportunismo selvagem
Há 11 anos, um grupo de três pessoas, cada um de uma nacionalidade, criaram uma startup e conseguiram acumular um patrimônio bilionário. Para isso se aproveitam da necessidade de milhões de pessoas, uma grande parte que enfrenta restrições para ter acesso ao sistema bancário oficial, seja público ou privado, mas podem ter um cartão para fazer movimentações financeiras, usar um cartão de crédito e realizar empréstimos sem nenhuma restrição. Entretanto para atingir isso pagam taxas de juros exorbitantes, acima das altas taxas impostas pelo Banco Central do Brasil. Além de provocar uma inadimplência no pagamento de cartões de crédito dos clientes do Nubank que é mais de 100% da taxa equivalente ao Sistema Financeiro Nacional, que é de 7,0% e 3,2%, respectivamente (Tabela 6).
Essas “taxas excessivamente altas, muitas vezes superiores às do mercado. Juros de cartões de crédito e empréstimos chegam a níveis que podem ser comparados à agiotagem, prática vedada pela Constituição brasileira”, afirma a doutora Michele Rodrigues.
Ou seja, o Nubank atua fora da lei para garantir a sua alta lucratividade. Para enfrentar os abusos da financeira os clientes devem, de acordo com a advogada “fiscalizar suas transações e contratos, denunciar irregularidades aos órgãos competentes, buscar alternativas financeiras mais éticas e recorrer ao Judiciário, quando necessário”.
Com a elevada taxa de juros cobrada pelo Nubank nas modalidades de crédito e empréstimo pessoal, a alta taxa de inadimplência, o que possibilita maior lucro para o Nubank, faz com que a fintech se torne uma fonte de riqueza inesgotável. Isso é mais do que se imaginou com o mito do Rei de Midas, com o uso da tecnologia no sistema financeiro, tem feito com que essa fintech supere as metas de crescimento em seus lucros e acumulação. Uma verdadeira galinha dos ovos de ouro.
Pedro César Batista
Colaboração para o Seeb Brasília