Julho das Pretas | Kelly Quirino, CA do Banco do Brasil: ‘Está sendo uma honra representar os mais de 125 mil funcionários’

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Ao completar um ano de mandato e também por estarmos no Julho das Pretas, alusivo ao Dia Internacional da Mulher Afro-Latino Americana e Caribenha e ao Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, conversamos com a bancária do Banco do Brasil Kelly Quirino, primeira mulher, negra, a ocupar o cargo de conselheira de Administração eleita da instituição, com votação expressiva da categoria.

“Está sendo uma honra representar os mais de 125 mil funcionários do Banco do Brasil no Conselho de Administração. É uma responsabilidade porque a gente está falando do maior banco público. Banco que, nos seus 215 anos de história, está no país inteiro, que tem compromisso com o desenvolvimento econômico do país. A responsabilidade é muito grande, porque desenvolvemos muitas políticas econômicas do Estado brasileiro”.

Kelly exemplifica: “Na semana passada, tivemos o lançamento do Plano Safra. O Banco do Brasil é extremamente relevante para o agronegócio. Temos atuado muito, sistematicamente, na microempreedendedora individual, micro, pequenas empresas. Então, o BB também é um fomentador, é do empreendedor, que é muito relevante, gera muitos empregos no país. Eu tenho aprendido muito porque é isso, tem aí a política de crédito que chega, a política de dados, a política de risco, a política de tecnologia, tudo isso é apresentado neste Conselho”.

A conselheira continua: “É importante a gente participar, votar, e ao mesmo tempo tem vários desafios. Não é fácil estar nesse lugar, porque a gente tem outras questões também sérias, importantes”.

Pedir desculpas é reconhecer a escravidão

Kelly esclarece que, nesse primeiro mandato, “tivemos que enfrentar o inquérito do Ministério Público Federal relacionado à questão da escravidão. Realmente o Banco do Brasil patrocinou isso no passado e foi um momento delicado da nossa administração. É falar sobre isso, reconhecer, pedir desculpa. E a partir disso, já estamos implementando as ações afirmativas. Tem sido muito relevante. Momentos tensos, delicados, mas necessários. Eu, como mulher negra há 20 anos no banco, foi também desafiador para mim, mas ao mesmo tempo tenho o apoio muito grande de funcionários que respeitam o meu trabalho. Eu tenho o apoio da alta administração, as pessoas me reconhecem, me apoiam, me respeitam”.

Emocionada, acentua: “Não é fácil equilibrar pires, porque tenho outras duas funções. Mas eu acho que é um saldo bem positivo. Eu acho que é muito, muito importante eu estar neste momento e, principalmente, abrindo caminho para outras mulheres negras no futuro também estarem nesse espaço”.

Kelly fez questão de ressaltar, ainda, que compor um Conselho de Administração que é paritário, onde tem 50% de homens e 50% de mulheres, é de grande relevância. “Até porque os Conselhos de Administração de empresas de capital aberto não costumam ser paritários. Então, o Banco do Brasil tem isso, e é uma conquista nossa da classe trabalhadora. E desses, 50% têm a paridade de gênero. A paridade da questão racial, temos duas mulheres pretas, no Conselho. Eu e a presidenta Tarciana Medeiros. Mulheres e negras”.

Visibilidade

Sobre o significado para mulheres negras, do país e do mundo, neste espaço de decisão e como este espaço pode contribuir com a política das ações afirmativas dentro desse grande estabelecimento bancário, Kelly reforça a importância de levar em consideração que o Banco do Brasil é muito grande e que não tinha uma política de diversidade. “Passa a ter uma política de diversidade com a chegada da presidenta Tarciana Medeiros, que é a primeira mulher só depois de 214 anos da história do Banco, para que a gente tenha uma mulher presidenta e negra. E ela chega e começa a pautar diversidade enquanto uma política, uma política perene, que continua existindo depois que ela sair da presidência. Isso é muito claro”.

O censo étnico e de gênero, no Banco do Brasil, para saber quantos, quem, onde e como estão funcionárias e funcionários para fins destas ações afirmativas a serem aplicadas, adianta Kelly, “ainda não conseguimos fazer censo, mas está no radar”.

Segundo Kelly, nesta direção, ocorreu em janeiro do ano passado a criação de um grupo de trabalho para começar a pensar nas políticas de diversidade. Foi então criado um grupo consultivo. Esse grupo consultivo são os comitês consultivos que têm a mesma força de um comitê de crédito, comitê de clientes. Este é o comitê que foi ouvir a sociedade civil, em relação a pautas importantes ligadas à diversidade.

O comitê criou os grupos de trabalho que ouviram Pessoas com Deficiências (PCDs), LGBTQIAPN+, mulheres, pessoas negras, pessoas mais velhas. “Porque é isso, a nossa expertise é fazer crédito, a nossa expertise é abrir conta. A nossa expertise é dar crédito para fomentar o desenvolvimento de cidades, de estados, do País. Mas a gente não tem expertise de diversidade, então a gente vai ouvir”.

Programas específicos de ascensão racial

Para a conselheira, o ano passado foi um momento muito de escuta ativa e este ano está sendo de implementação. “Mas criamos o Raça, que é um programa para acelerar a ascensão, como prioridade. Seguido do Programa de Carreiras de Pessoas Negras. Na realidade, o Banco do Brasil passou a ser embaixador do Raça, cumprindo assim a exigência de prioridade do pacto global da ONU. Posteriormente, nasceu um Programa de Mentoria de Pessoas Negras, um bom programa de aceleração de carreira de pessoas negras. Porque a gente entende que é muito importante desenvolver novas lideranças, uma vez que em algum momento essas lideranças também vão ser diretores, vão ser os vice-presidentes e os presidentes do Banco do Brasil. O Banco do Brasil precisa ter a cara do Brasil. Que não é a cara do mercado financeiro. Homens, brancos, heteros, cis, na faixa de 40 anos. Esse Brasil é plural. O Banco do Brasil precisa refletir a realidade do país, Brasil”, conclui.

De que forma?

De acordo com a CA eleito do BB, “a partir da adoção de políticas ligadas à área de Gestão de Pessoas, por meio da mentoria. Contrata uma empresa para ajudar a desenvolver as habilidades daquele grupo historicamente excluído”.

“Vale salientar”, reforçar a conselheira, “a nossa presidenta também é negra, então isto é de um simbolismo, mais do que simbólico, tornou-se real, que é palpável, muito mais que imaginávamos. Negra e lésbica”.

Dedicação exclusiva para conhecer as realidades

Enfim, como planejamento para sua atuação, Kelly afirma que gostaria de no próximo ano viajar mais, ir para estados que “eu ainda não visitei, agências que ainda não pude ir para ter esse contato com os nossos colegas. A gente tem alguns desafios, enquanto instituições, em relação aos empregados”.

Em relação ao Conselho de Administração, onde termina o seu mandato em 2025, “o melhor dos mundos era poder me dedicar só ao Conselho. Amo o que eu faço, a comunicação interna, amo dar aula, mas eu se eu pudesse me dedicar só ao CA seria muito bom, porque eu poderia falar com os colegas”.

Assegura, ainda, que deseja continuar fazendo um trabalho de escuta, porque acredita muito nessa atual administração. “Ter a presidência de Tarciana como uma mulher que trabalha muito e está muito empenhada para resolver questões que a gente nunca conseguiu resolver. Você vai nas agências e as pessoas reclamam do plano de cargos e salário, reivindicação antiga. As pessoas reclamam em relação ao assédio, a não ter segurança psicológica.

“Estamos compromissadas e se faz necessário realmente criar condições dignas pro trabalhador trabalhar, dar o resultado para o banco, mas de forma saudável, com segurança psicológica, com seu salário digno, com seus direitos assegurados, que é um desafio”.

Animada, assegura: “ eu estou muito feliz porque tem gente que está trabalhando e está trabalhando muito, está muito dedicada realmente para resolver essas questões que são complexas. Se fossem simples, já tinham sido resolvidas, e elas não são fáceis de resolver, não é?”

Dia Internacional da Mulher Negra Afro Latino-Americana e Caribenha e Dia Nacional da Mulher Negra Tereza de Benguela e Dia Nacional da Mulher Negra

Deseja, Kelly Quirino, “ que sejamos amadas e respeitadas, como fala a escritora negra bell hooks (escrito em minúsculas), sabe? Eu acho que, enfim, nós que somos a estrutura dessa sociedade, a gente realmente que estrutura a dignidade para as nossas famílias, dos nossos filhos, o nosso trabalho que movimenta essa economia. A gente ainda é muito desrespeitada, a gente não é valorizada, a gente é violentada, sistematicamente, assim, não é.

Eu sempre concedo entrevista aqui para as redes, TVs locais, e eu até falo, olha, fico feliz de ser convidada porque reconhece o meu trabalho, mas eu fico triste porque as pautas não são pautas fáceis. Me chamam para falar de feminicídio, me chamam para falar de caso de racismo. Não são pautas fáceis, são pautas extremamente dolorosas. Por quê? Porque a gente não é respeitada, porque a gente não é amada, a gente não é visto como o sujeito de direito por causa do Racismo.

Conclui: “Então eu quero que nós, mulheres negras, sejamos amadas, sejamos respeitadas. É para isso que eu luto, entende. Está nesse Conselho de Administração é muito no sentido de possibilitar abrir caminho para outras mulheres negras, sabe. Ainda tem um monte de coisa para aprender. Mas é ocupar esse espaço. possibilitar que outras meninas negras, várias são minhas alunas, entendeu, possam estar aqui. Que algumas ainda nem entraram no Banco do Brasil, mas que a Tarciana Medeiros, que a Kelly Quirino, não sejam as primeiras nesses espaços. Elas são as primeiras por uma questão histórica, mas não vão ser as únicas. Vai ser a primeira de muitas que vão entrar e que vão construir. Políticas que pense em nós, mulheres, crianças, pretos, idosos, porque é isso que a gente acredita. Então assim é. É desafiador, mas é isso. Tem trabalhado muito para abrir caminhos aí para que outras pessoas historicamente excluídas ocupa esse espaço.

Fontes bibliográficas

O Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha foi instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) e teve origem durante o 1º Encontro de Mulheres Afro-Latino-Americanas e Afro-Caribenhas, realizado em Santo Domingo, na República Dominicana, em 1992. O evento reuniu mais de 300 representantes de diversos países para compartilhar suas vivências, denunciar as opressões e debater soluções para a luta contra o racismo e o machismo.

Em homenagem à luta e à resistência das mulheres negras, no dia 25 de julho se comemora também no Brasil, em homenagem à Tereza de Benguela, conhecida como “Rainha Tereza”, que viveu no século XVIII, no Vale do Guaporé (MT), e liderou o Quilombo de Quariterê. Segundo documentos da época, o lugar abrigava mais de 100 pessoas, incluindo indígenas. Sua liderança se destacou com a criação de uma espécie de Parlamento e de um sistema de proteção da população quilombola. Tereza foi morta após ser capturada por soldados. O Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra foi instituído no Brasil pela Lei 12.987/2014.

bell hooks (professora, teórica feminista, artista e ativista negra antirracista estaduniense (1951-1921)), usava seu nome escrito com leras minúsculas como posicionamento político.

Jacira da Silva
Colaboração para o Seeb Brasília