II Seminário Anapar de Autogestão em Saúde inaugurou nova fase do debate na entidade

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Segunda edição do evento contou com presença da ANS e foi marcada pela intensa participação dos presentes nos debates

No dia 27 de setembro de 2024, foi realizado na AABB Lagoa, no Rio de Janeiro, o II Seminário Anapar de Autogestão em Saúde, reunindo especialistas, militantes e representantes do setor de saúde suplementar para discutir questões cruciais ao fortalecimento da autogestão no país. De forma inédita, o evento contou com a presença da Agência Nacional de Saúde (ANS), o que deu aos participantes do evento a oportunidade de um diálogo direto com o principal canal de relacionamento com o usuário de plano de saúde.

“Todas as mesas do seminário foram de altíssima qualidade. Mas o ponto alto foi, sem dúvida, termos proporcionado aos presentes a chance de interagirem com a ANS neste momento crucial de revisão da Resolução Normativa (RN) ANS 137/2006”, ressaltou Caroline Heidner, diretora de Saúde Suplementar da Anapar.

Lei dos planos de saúde

A primeira mesa, ‘PL 7419/2006 – como ficam as Autogestões em Saúde’ – atualizou a discussão sobre o PL que altera a lei dos planos de saúde, Lei nº 9.656/1998. O palestrante Jerônimo Guedes, assessor da Advocacia Garcez, destacou as ações da Anapar junto ao deputado federal Duarte Junior (PSB-MA), relator do projeto. Ele citou a audiência que a Anapar teve com o deputado em agosto de 2023, quando tentou sensibilizá-lo para a pauta dos trabalhadores nas autogestões. Lembrou do esforço da associação que, frente ao prazo exíguo dado pelo parlamentar, apresentou proposta de emenda ao projeto. No entanto, o relator ignorou todas as demandas dos beneficiários no seu relatório, publicado em setembro de 2023.

A diretora Caroline lembrou aos presentes que, dos 299 apensados ao projeto, nenhum propõe a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) aos planos de autogestão, que esse retrocesso veio diretamente do relatório do deputado Duarte Jr, e precisa ser combatido pelos trabalhadores. “Nossos planos não são mercadorias para serem regulados pelo CDC, tanto é assim que há anos esse entendimento está consolidado em súmula do STJ”, comentou.

Já o palestrante Angelo Remédio Neto, advogado da Advocacia Garcez, fez um apanhado sobre a Resolução Normativa (RN) ANS 137/2006, que está em processo de revisão para alteração. Ele destacou que o modelo regulatório atual perdeu competitividade, com uma redução de 27,2% no número de beneficiários desde 2015, enquanto no mesmo período, os planos de saúde privados tiveram crescimento significativo, o que evidencia que atualmente a norma não atende às necessidades da autogestão.

Angelo ainda apresentou os principais parâmetros de alteração da RN 137 propostos e defendidos pela Anapar, que buscam aumentar a segurança jurídica para o segmento, garantir a sustentabilidade financeira e ampliar a participação dos trabalhadores na gestão dos planos. As propostas incluem a ampliação do público-alvo, com a inclusão de terceirizados e familiares até o quarto grau, e maior participação dos beneficiários nas decisões administrativas. A ideia é criar um sistema mais inclusivo e que permita a renovação da base de beneficiários.

Atualizações da Regulação para a Autogestão

Já na mesa ‘Atualizações da Regulação para a Autogestão’ – a servidora da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Fernanda Freire de Araújo, que coordena a Diretoria de Normas e Habilitação de Operadoras, fez uma abordagem da ANS sobre os planos de autogestão, especialmente neste momento em que o marco regulatório das autogestões, a RN 137/2006, está sendo revisada pela agência.

Fernanda apresentou dados sobre o setor, demonstrou as etapas da ANS para a alteração da norma, que contém Análise de Resultado Regulatório, Tomada Pública de Subsídios (da qual a Anapar participou) e Análise de Impacto Regulatório, para então se definir por uma eventual alteração normativa. E destacou como principais pontos de atenção os temas: grupo restrito de beneficiários, correlação entre patrocinador e grupo de beneficiário, participação dos beneficiários na gestão do plano e compartilhamento da rede.

Ao considerar a maior proporção de idosos nos planos de autogestão em relação aos planos de saúde de mercado, a servidora da ANS avaliou que aqueles planos que promovem projetos de prevenção e promoção à saúde apresentam gastos menores com essa faixa etária. Sobre a participação da Anapar no processo de TPS, ela constatou o ineditismo das propostas levadas, pontuando que as demandas da Anapar ampliam o debate sobre o marco regulatório e dão voz aos beneficiários.

Caroline Heidner, também palestrante, comentou sobre a importância dessa abertura de diálogo com a ANS, especialmente por se perceber vários pontos de convergência entre as preocupações levantadas ao longo do debate. E destacou a luta da Anapar pela ampliação da representatividade dos beneficiários na gestão dos planos de autogestão, com mandatos eletivos que sejam paritários, sem voto de minerva, com estrutura para o exercício dos mandatos, tanto física e financeira quanto política, com garantias análogas aos mandatos sindicais, com direito à liberação e estabilidade no emprego.

A palestrante alertou de forma especial sobre a necessidade de avanços para as autogestões por Recursos Humanos, que são dispensadas pela RN 137/2006 de dar qualquer espaço representativo aos beneficiários. “A norma vai enfileirando uma sequência de ‘não se aplica’ às autogestões por RH e nos joga num vazio normativo”, observou. Sobre a necessidade de oxigenação dos planos para a sustentabilidade financeira, defendeu a proposta da Anapar pela ampliação da elegibilidade para os terceirizados (entre outros grupos), evidenciando que neste caso é necessário que os beneficiários entendam que os novos grupos também precisarão ter espaços efetivos de representatividade.

Desafios do CPC 33

Na parte da tarde, na mesa ‘Desafios do CPC 33 para os Planos de Autogestão’ – o professor doutor Rodrigo Salgado, da Advocacia Garcez, apresentou o histórico de autorregulação do mercado que culminou na aplicação do CPC 33, uma norma contábil baseada na internacional IAS 19, que obriga as empresas a registrarem passivos relacionados a benefícios pós-emprego, como planos de saúde. “Essa mudança afeta diretamente as autogestões, pois o registro de passivos futuros reduz o valor contábil das empresas e, em última instância, pressiona sua capacidade de manter benefícios aos aposentados”, esclareceu.

Salgado ressaltou que o CPC 33 pode aumentar a pressão para a privatização e financeirização dos planos, ameaçando a sustentabilidade dos benefícios vitalícios garantidos pelas autogestões. As mudanças contábeis também podem resultar em judicializações e impacto negativo nas estatais. No entanto, ele apontou que a questão que está colocada não é sobre a aplicabilidade ou não do CPC 33, ainda que pronunciamentos contábeis não tenham força de lei.

“A principal questão que o CPC 33 impõe aos beneficiários das autogestões é se apropriarem tecnicamente do tema e serem capazes de auditar os lançamentos. Afinal, uma empresa pode adotar um posicionamento ‘técnico’ bastante conservador em relação a projeções, tábuas de vida, de mortalidade etc, e, frente ao impacto contábil gerado dessa forma, criar argumentos para uma narrativa de insustentabilidade do plano de saúde”, explicou.

Representantes eleitos

Por fim, a ‘Mesa de Diálogo dos Representantes Eleitos’ encerrou o evento com as falas de Alberto Alves Junior, diretor eleito de Planos de Saúde e Relacionamento com Clientes da Cassi; de Francisco Pugliese, conselheiro eleito do Conselho de Usuários do Saúde Caixa; e Edvaldo Pereira, diretor eleito de Relações com os Beneficiários da Cemig Saúde. O debate contrastou diferentes espaços de atuação de representantes eleitos pelos beneficiários, com realidades muito específicas. Seja o contraste entre os planos dos maiores bancos públicos do país – um, com a estrutura de representação consolidada na Cassi, outro ainda numa estrutura de Conselho de Usuários apenas consultivo, onde os beneficiários não ocupam nenhuma instância deliberativa. Seja no contraste entre os momentos políticos distintos entre autogestões de empresas públicas federais e no âmbito estadual, como é o caso da Cemig.

Os representantes eleitos falaram sobre suas experiências no dia a dia de seus mandatos. Junior destacou a necessidade de os beneficiários fazerem uso mais consciente do plano. Pugliese fez um apanhado da luta pela manutenção do Saúde Caixa nos últimos anos, muito atacado pelos últimos governos. Já Edvaldo fez reflexões sobre governança, custeio e sustentabilidade, os desafios para a manutenção dos aposentados e, ainda, a necessidade constante de acompanhamento vigilante nas relações com prestadores. Mesmo se tratando da última mesa do dia, os presentes não se deixaram levar pelo cansaço e promoveram um excelente debate com os palestrantes.

Da Redação