Em roda de conversa, mulheres negras debatem políticas públicas sob sua ótica

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O Sindicato promoveu a Roda de Conversa ‘Políticas Públicas do DF sob o Olhar da Mulher Negra’, no dia 19 de julho, no Teatro dos Bancários, em alusão ao Julho das Pretas, ao Dia Internacional da Mulher Afro Latino-Americana e Caribenha e ao Dia Nacional de Tereza de Benguela e Mulher Negra, celebrado em 25 de julho. Mulheres negras do DF e de diversos lugares estratégicos apresentaram contribuições e encaminhamentos valiosos em relação ao acesso e à promoção de políticas públicas voltadas à população negra feminina da capital do país.

Com apoio do Movimento Negro Unificado e do Coletivo de Mulheres Negras Baobá, o evento, que teve transmissão pelo Youtube do Sindicato, foi aberto pela cantora negra Prethais, baiana radicada em Brasília, com seu repertório que, além dos cantos, fez uma fala potente sobre o papel das mulheres negras. “Sou cria de todas estas mulheres que organizaram esta agenda no Sindicato. Este é um espaço que já acolhe as nossas pautas e as nossas lutas há algum tempo. Sou muita grata por isso”, ressaltou.

Secretária das Mulheres do Sindicato, Zezé Furtado parabenizou a iniciativa da atividade e enfatizou que, por meio da ação Sindicato Cidadão, além das questões trabalhistas e das funções sindicais, “a entidade sempre esteve presente em nosso cotidiano com a pauta das mulheres, especialmente das negras. Por conta da luta pela igualdade de oportunidades para as mulheres negras e pelo fim das violências ainda presentes em nossas vidas, na intenção do controle de nossos corpos, e por mais mulheres nos papéis de decisão como a política, este é um assunto que nos toca e nos movimenta”.

Único órgão do GDF presente no evento, a Secretaria de Desenvolvimento Social foi representada pela coordenadora de Proteção Social e Especial de Média Complexidade, Aline Pinto, que expressou: “Me sinto muito honrada de poder estar aqui, é um privilégio e já me sinto muito acolhida. A gente discute tanta coisa difícil quando se trata da questão racial. E discutir políticas públicas é um assunto sério, desafiador e necessário”.

A deputada federal (PT/DF) Erika Kokay destacou a importância deste encontro para discutir políticas públicas de qualidade, que são enganchadas umas nas outras. “Não podemos dividir os direitos. São indivisíveis e são universais. Se são universais precisam partir de uma base de reconhecimento das nossas histórias. Das nossas dores, dos nossos amores e de nossos risos. Fazer o luto dos períodos traumáticos da nossa História para termos políticas públicas de qualidade”, apontou.

Apresentação cultural

“Peço licença às mais velhas, às religiosas, e é um grande prazer em falar onde pensam e falam mulheres negras, e onde falam mulheres Erikas Kokays”, destacou a matriarca Lydia Garcia, primeira professora negra de arte do GDF, fundadora do Bazafro, que abrilhantou o evento com os poemas “Esperançar”, de sua autoria, e o “Meu Cabelo é Bom”, da escritora e poeta Cristiane Sobral.

Mesas temáticas

O tema da primeira mesa “Escravização Negra no DF e Entorno”, composta por Daiane Souza Alves, secretária-executiva da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra no DF e Entorno, e as consultoras pastora Wall Moraes da Ruah e Josefina Serra, apresentaram uma síntese do relatório final da Comissão da Verdade, instalada no DF, sob a responsabilidade do Sindicato dos Bancários, com a participação política das entidades e pessoas negras ativistas do movimento negro do DF.

A mediadora Samay Borges contou um pouco sobre a história de Tereza de Benguela, que no século XVIII se tornou líder durante 20 anos do Quilombo Quariterê, na região do Vale do Guaporé/MT, e logo se tornou símbolo da resistência contra o colonialismo. Segundo ela, a escravizada se tornou rainha de uma comunidade composta por mais de 100 membros.

Já a secretária-executiva da Comissão enfatizou que, como o nome diz, a Comissão da Verdade veio trazer verdades ainda não contempladas, oficialmente, pela história sobre a participação negra tanto no que diz respeito à construção de Brasília, como capital federal, mas também com a invisibilidade das pessoas negras independente da participação na construção.

Daiane Alves explicou que “o livro ‘A Verdade sobre a Escravidão Negra no DF e Entorno’, publicado em 2017, é resultado de um estudo que levou um ano para ser feito, em 2016, com apoio do Sindicato dos Bancários. O livro registrou relatos e documentos que comprovam que na região no DF, a um raio de 300 km ao seu redor, já contava com a participação negra. Entretanto, essa formalização nunca foi realizada”.

> Clique aqui para ler o livro A Verdade sobre a Escravidão Negra no DF e Entorno, publicado pelo Sindicato
> Acesse aqui a obra no formato PDF

Para ilustrar, a secretária-executiva citou e comentou sobre três pontos muito importantes, que fazem parte do relatório. Primeiro, o Quilombo Mesquita, um dos contemplados no estudo, que teve um papel muito importante na construção de Brasília. Segundo ponto, o Quilombo do Moinho, que fica no Alto Paraíso, a 190 km de Brasília, só teve notícias da abolição, registrado em 1888, na década de 1970. E, o terceiro, no território Kalunga.

Para a consultora Pastora Wal, “como fiéis do protestantismo, a principal contribuição da Comissão da Verdade sobre a Escravização no DF e Entorno para a história do Distrito Federal foi desconstruímos a ideia do senso comum de que no Distrito Federal não teve e não tem e não terá Quilombo. Visitamos por três vezes 9km e completamos e contemplamos 18, realizando escutas ativas de mulheres pretas crianças, adolescentes, jovem e  adultas”.    

Ela continua: “as pessoas idosas relataram que, apesar da falsa Lei da Abolição ter sido assinada em 1888 e só 100 anos depois a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 ter incluído no artigo 68 o reconhecimento da propriedade das terras de quilombolas do Brasil e nos artigos 215 e 216 a garantia do pleno exercício dos direitos culturais e sociais, entendem a cultura como uma forma de criar, fazer e viver dessas comunidades tradicionais”.  

Wal ressalta, ainda, que “o principal olhar de mulher negra para políticas públicas no Distrito Federal e nas cinco regiões brasileiras está voltado para nós, mulheres pretas, que temos que sair dessa roda de conversa para convocar uma plenária ampliada unificada nacional, para exigir de todos os partidos políticos do Brasil convocar uma assembléia geral extraordinária de prestação de contas dos fundos partidários e fundo eleitoral de 2018, 2020, 2022, para que as eleições municipais de 2024, que hoje está em 5 bilhões de reais o Fundo Eleitoral, que seja divulgado para a sociedade eclesiástica e civil o critério de distribuição do fundo eleitoral para as candidaturas das eleições municipais de 2024 e quanto cada candidatura vai receber para a sua campanha eleitoral”.    

A consultora da Comissão, advogada Josefina Serra, ao agradecer a oportunidade de ter participado da Comissão, lembra que foi a última a ingressar, trazendo toda a sua ancestralidade  que encontrou nos quilombos. “Agradeço todo o empenho que eles tiveram, deste Sindicato, na pessoa do presidente Eduardo Araújo e diretoria, expressando seu desejo de ter continuado o trabalho da Comissão. Uma coisa que eu gostaria até de fazer que não deu para continuar, porque em todos os estados a comissão foi apoiada pela Ordem dos Advogados, o único lugar que foi apoiado pelo Sindicato foi aqui, porque  OAB do Distrito Federal falou que não ia apoiar coisa de preto”.   

“As propostas de políticas públicas no Brasil  são de mulheres negras.  Só falta a gente se juntar, se unir e a gente mesmo levar nossas propostas”, anfatizou.

Ao final da mesa, a mediadora Samya reforçou a importância da necessidade de que materiais como esse aqui, como esse relatório, sejam feitos por meio de estudos e registros. “Esses registros aqui nos respaldam para a luta. Sem registro, a gente não tem como provar nada”.

Experiência e trajetória

As participantes do evento contaram um pouco de suas experiências. A assistente social Alice Caetano relatou sua trajetória como conselheira tutelar. Uma das dificuldades que vivenciou como conselheira, aqui no DF, foi trabalhar em rede. “Muito, muito difícil. Infelizmente na data de hoje nós temos que falar a verdade, que é super difícil. Você liga para um órgão, resposta: não é comigo. Não tem como fazer, você liga para outro: já tá encerrado. Estou falando de vagas em creche das nossas crianças negras”, desabafa Alice. “Colocá-los sempre lá em cima é o que eu procuro fazer mesmo, se eu não estiver bem, eu boto o astral deles lá em cima, porque eles são mais eles, nós negros somos mais que qualquer coisa, está dentro de nós”, finaliza,  emocionada de estar pela primeira vez numa mesa de debate.

Adelina Benedita, que representou as mulheres do Coletivo Baobá, também contou sua experiência. Educadora, Adelina traz o processo do Coletivo no início da caminhada, que durante o período da Covid, com objetivo de construir ações para que mulheres negras, chefes de família, fossem atendidas. Adelina ressalta que colaborar, apoiar, ser parceiras, ser parceiros, sair desse lugar não é assistencialismo, é consciência do pensar político unificado em prol de políticas públicas para toda uma comunidade.

Técnica em enfermagem, Maura Lúcia dos Anjos comentou que esteve na representação do controle social de sua cidade Núcleo Bandeirante, como presidente do Conselho de Saúde. Hoje, ela à frente de uma organização de mulheres chamada Rede Brasil Mulher, que trabalha com violência contra a mulher, com tráfico de humanos, violência contra a criança, racismo e violência no trabalho.

Assistente social, Cristiana Luz trabalha atualmente na Alta Complexidade da Secretaria de Desenvolvimento Social do GDF. Segundo ela, a política de assistência deveria ser na realidade uma política de retaguarda, ao contrário do que é hoje.

Também representante da Secretaria de Desenvolvimento Social do GDF, Loyde Cardoso, saudou a a coletividade das mulheres negras, salientando a ancestralidade como modo de viver, a base dos direitos à educação, saúde, vida. “Nossos passos vêm de longe”.

Na visão de Renata Parreira, uma das coautoras do filme Elas Falam, juntamente com Fernanda Lopes, destacou: “Nós temos a narrativa de professoras negras, as corporeidades, o sentir, o fazer numa época, todas do movimento”. Para ilustrar, ela leu a poesia “Dia de Mãe, de Conceição Evaristo.

Assista à roda de conversa na íntegra:

Jacira da Silva
Colaboração para o Seeb Brasília