Quase cinco décadas depois da morte de Vladimir Herzog sob tortura nos porões do DOI-Codi, o Estado brasileiro reconheceu formalmente sua responsabilidade pelo crime e concedeu anistia política ao jornalista. O gesto histórico foi oficializado nesta quarta-feira (26), em São Paulo, por meio de um acordo judicial celebrado entre a Advocacia-Geral da União (AGU) e a família de Herzog.
O acordo ainda prevê uma indenização no valor de R$ 3 milhões à família, além da pensão vitalícia de de R$ 34,5 mil a Clarice Herzog, viúva de Vlado.
A cerimônia aconteceu na véspera do dia em que Vladimir Herzog completaria 88 anos. Preso em outubro de 1975, quando era diretor de jornalismo da TV Cultura, Herzog foi levado ao DOI-Codi, em São Paulo, sob a acusação de envolvimento com o Partido Comunista Brasileiro. Horas depois, apareceu morto. A versão oficial da ditadura afirmava que ele havia se suicidado na prisão, mas rapidamente surgiram evidências de que o jornalista fora torturado até a morte.
A tentativa de encobrir o assassinato com uma foto encenada de enforcamento causou comoção e gerou uma das maiores manifestações públicas de repúdio ao regime na década de 1970, reunindo intelectuais, religiosos e artistas na histórica missa celebrada na Catedral da Sé.
“Já fui a muitos atos em homenagem ao meu pai, mas nunca a um como este. É emocionante pra mim”, disse Ivo Herzog, filho do jornalista. “Essa é uma luta de todos os familiares de mortos e desaparecidos, não só da família Herzog”, completou.
O reconhecimento da anistia política e o pedido oficial de desculpas do Estado representam, segundo Ivo, a “terceira vitória” em mais de 50 anos de busca por justiça: “A primeira foi a sentença do juiz Márcio José de Moraes [que condenou a ditadura pela morte de Vlado], a segunda foi a condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos, por crime de lesa-humanidade, tornando o caso imprescritível e não passível de anistia. E hoje temos a terceira: o reconhecimento da anistia política ao meu pai. Não é um ato simbólico. É um ato de Estado que mostra que o governo atual não pensa como o governo da época”.
Durante a cerimônia, o ministro da AGU, Jorge Messias, classificou o ato como o mais importante de sua gestão. Ele destacou o simbolismo da reparação e seu impacto na confiança da sociedade brasileira nas instituições: “Estamos aqui fazendo algo inédito, honrar a memória de Vladimir Herzog a partir da luta de anos da família, dos companheiros e entidades da sociedade civil. Reconhecer a responsabilidade do Estado é fazer justiça, é um compromisso com os direitos dos cidadãos. É a chance de o brasileiro voltar a confiar no Estado”.
Ivo também ressaltou a importância da força e da perseverança da mãe em busca de respostas: “Nunca pedimos dinheiro, mas justiça e reparação do Estado. E a AGU propôs um acordo justo, equilibrado e rápido, porque a gente não tem esse tempo. Queremos cuidar da minha mãe, Clarice, a grande heroína dessa história”. Aos 83 anos, Clarice foi diagnosticada com Alzheimer.
A cerimônia reuniu familiares, juristas, representantes de entidades de direitos humanos e militantes históricos. O ministro Messias lembrou que muitos parentes de mortos e desaparecidos ainda não tiveram a oportunidade de ver o Estado assumir sua culpa: “A ditadura deixou a marca do luto eterno, mas também trouxe luta.”
“Estamos falando de uma mudança muito profunda, de um Estado algoz, que perpetuou violência de Estado, reconhecida pelo Poder Judiciário, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Estamos mais uma vez pedindo desculpa por toda a barbaridade. Há também uma renovação de um compromisso ético-político de todos nós, de manter acesa a luta permanente pela democracia”, reforçou Jorge Messias, ministro da Advocacia-Geral da União.
Ao final, o ministro fez um alerta: “Esse ciclo de horror parece querer se repetir a cada instante. É uma estrutura odiosa de Estado que leva quem está no poder a atentar contra o próprio povo. Que este momento represente uma virada de página para a nossa instituição e para o país.”
Fonte: ICL Notícias