No dia 22 de julho, os recursos ordinários interpostos nas Ações Civis Públicas nºs 253-87.2014.5.10.0003 e 342-81.2017.5.10.0001, em que o Banco Santander (Brasil) S/A sofreu condenações pela prática de assédio moral contra seus empregados, inclusive por imposição de metas abusivas, foram retirados da pauta de julgamento da 1ª Turma do TRT da 10ª Região.
A razão? O Supremo Tribunal Federal, mais uma vez!
Parece pouco crível, mas é verdade que, por decisão de seu presidente, o Ministro Dias Toffoli, o STF justificou a suspensão dos talvez mais importantes processos para a categoria bancária em tramitação, com o seguinte pífio fundamento: “Sem emitir juízo de valor a respeito da matéria jurisdicional debatida nos autos principais, a matéria versada no feito de origem encerra discussão, ainda sem solução definitiva, que envolve a aplicação do artigo 16 da Lei nº 7.347/1985” (STF-RCL-42302). A mesma Suprema Corte cujo ministro mais antigo afirma que, entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário, razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção, aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humanas (STF-AI-452312, Rel. Min. Celso de Mello).
Diante do dilema entre proteger a vida e a saúde dos bancários e bancárias e fazer prevalecer o interesse financeiro secundário do Banco Santander (Brasil) S/A, se Dias Toffoli tivesse seguido a orientação do Ministro Celso de Mello, não restaria outra alternativa constitucional. Caberia a ele preservar a jurisdição até então prestada pela Justiça do Trabalho da 10ª Região, em fundamental serviço dedicado à humanidade pelo Ministério Público do Trabalho, no estrito exercício de sua competência, sob a assistência do Sindicato dos Bancários de Brasília.
Pela coleta de provas de âmbito nacional tornada pública nos autos das ações civis públicas, a sociedade teve a oportunidade de conhecer a triste realidade imposta pelo Banco Santander a seus empregados e empregadas, visto que estrutura seu modelo de gestão no assédio moral organizacional, baseado no estresse e na humilhação.
Como resultado desse modelo, em 2014, a média de afastamentos por acidente e doença mental ocupacional no Banco Santander foi de dois empregados por dia. Dois empregados por dia! Levando-se em conta apenas os dias úteis (segunda-feira a sexta), são quase três trabalhadores afetados por dia de trabalho.
De 2012 a 2016, 6.763 bancários receberam auxílio-doença do Instituto Nacional do Seguro Social. Desse total, 1.784 (26,38%) são ou foram empregados do Banco Santander (Brasil) S/A. Benefícios previdenciários pagos a uma legião de jovens bancários acometidos de transtornos psicológicos, nunca suportados pelos abusivos lucros regularmente auferidos pelo grupo espanhol Santander em solo pátrio. E sim pela Previdência Social do Brasil, cujo défice é reiteradamente denunciado pelas próprias instituições financeiras que o aprofundam, com a sua já conhecida irresponsabilidade social.
Dentre outros tantos e vastos, os referidos dados fundamentaram a magistral e irretocável sentença proferida pela 3ª Vara do Trabalho de Brasília, em que fora evidenciada a conduta nefasta perpetrada pelo banco contra a saúde mental de seus empregados e empregadas.
Infelizmente, Dias Toffoli preferiu não emitir “juízo de valor a respeito da matéria jurisdicional debatida”. Todavia, a infelicidade de muitos tem sido motivo de regozijo para poucos.
De “forcinha” em “forcinha”, o grande capital nacional, principalmente aquele formado por banqueiros e rentistas, tem contado com o Supremo Tribunal Federal para o esgarçamento da trama de direitos sociais, inclusive trabalhistas, assegurados pela Constituição a todos os cidadãos brasileiros desde 1988. Direitos que, paradoxalmente, objetivam a proteção daqueles seres que enriquecem o grande capital pelo seu trabalho assalariado.
Em poucos anos de um processo histórico secular, sob a batuta do Supremo Tribunal Federal, trabalhadores e trabalhadoras veem-se tomados pela radical flexibilização de um modelo de trabalho que tinha a dignidade da pessoa humana em sua centralidade.
A terceirização foi aprofundada e garantias mínimas ao trabalho decente, sonegadas, mesmo em época de pandemia. Por sua vez, as estruturas sindical e negocial, como meios legítimos de conquista de direitos, foram desidratadas por uma “Reforma Trabalhista” abusiva referendada amplamente pela Corte. Tudo, até mesmo os limites de atuação do Ministério Público do Trabalho e da Justiça do Trabalho e a remuneração dos débitos trabalhistas, encontra-se sob a sanha reformista do Supremo Tribunal Federal, em menos de cinco anos.
Nós, que não ocupamos o topo da pirâmide social deste que é um dos mais desiguais países do mundo, temos que estar vigilantes e, de forma organizada e contundente, fazer nossa voz ser ouvida.
Basta! Queremos o que é nosso!
A quem se destinam os direitos sociais e para que servem, se mesmo a Corte Suprema não é capaz de os efetivar? Sem direitos, é bom que se lembre, não é nada que resta, mas sim a barbárie desumana da exploração do homem pelo homem, sem limites.
Brasília, 24 de julho de 2020.
Ricardo Quintas Carneiro
Sócio da LBS Advogados, que presta assessoria jurídica ao Sindicato