Decorridos mais de dois anos da Reforma da Previdência, o governo Bolsonaro ainda não conseguiu regulamentar o art. 33 da Emenda Constitucional (EC) nº 103/2019. A emenda trata da relação entre os entes federativos (estados e municípios) que têm RPPS-Regime Próprio de Previdência Social (2.151) para seus servidores públicos e as Entidades Abertas de Previdência Complementar (EAPC). Ou seja, aquelas vinculadas aos bancos e ou às seguradoras.
Já é contestável impor ao ente federativo a obrigatoriedade de criar um regime previdenciário, que, na essência, pelo art. 202 da Constituição Federal, é facultativo. Será que os outros mais de 3.000 entes que não têm RPPS e têm os servidores públicos vinculados ao INSS também estarão obrigados a instituir o Regime de Previdência Complementar (RPC)?
Bastaria um projeto de lei com alterações pontuais na Lei Complementar nº 108 de 2001 para fazer a adaptação requerida pela Reforma da Previdência. Mas o governo Bolsonaro tem sido vacilante. Além disso, pretende fazer outra reforma que agride os direitos dos participantes e assistidos de fundos de pensão: a da “previdência complementar”.
Primeiro elaborou uma proposta muito tendenciosa que altera as leis complementares nºs 108 e 109, de 2001, no âmbito do IMK-Iniciativa do Mercado de Capitais. Nesse sentido, vincula o tema à Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia, criada em junho de 2019. O órgão reúne 34 órgãos estatais e associações do mercado financeiro. Mas exclui os reais representantes e interessados que são os participantes contribuintes e os assistidos (aposentados e pensionistas).
Nessa primeira proposta, discutida ao longo de 2021 e coordenada pela Subsecretaria do Regime de Previdência Complementar do Ministério do Trabalho e Previdência, o governo propunha a “voucherização” da contribuição previdenciária do participante e do patrocinador para mais de uma Entidade de Previdência Complementar, seja ela aberta (EAPC) ou fechada (EFPC).
Essa proposta é uma anomalia no setor, pois desconsidera a assimetria regulatória e de fiscalização empreendida entre a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) e a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (PREVIC), além da não obrigação de contribuição do patrocinador, e das EAPC multipatrocinadas não se submeterem às regras de governança previstas na LC nº 108, de 2001.
Na segunda proposta, coordenada pela Secretaria de Desestatização do Ministério da Economia (antigo DEST) e conhecida informalmente pela imprensa, com ampla cobertura pelas editorias de Economia nas últimas semanas, o governo propõe de forma mais radical e absurda fechar ou transferir as EFPC. Pois transforma ou extingue compulsoriamente planos na modalidade de benefício definido (BD) para planos de contribuição definida (CD) e limitar a contribuição patronal em 8,5%.
Especulação em vez de proteção
Atualmente, os entes têm se virado somente com a oferta de planos previdenciários administrados pelas EFPC. Neles, apenas três entidades vinculadas aos bancos e seguradoras têm sobressaído. Isso com taxas de contribuição de até 0,5%. Ou seja, os planos passaram a ter uma característica eminentemente financeira em vez de proteção previdenciária para os participantes e sua família.
Além da regulamentação legal, existem ainda muitas lacunas e incertezas para que as 43 EAPC possam oferecer também planos de benefícios para os entes. Por exemplo a sujeição da governança da Entidade à LC nº 108, de 2001. E também a insegurança jurídica na autoproclamação recente de competência em fiscalização direta dos Tribunais de Contas. Como, por exemplo, podemos ver no Acórdão TCU nº 3.133, de 2012, nas operações de investimentos e de previdência das Entidades de Previdência Complementar.
Como dizia a paródia do provérbio português, quem tem duas não tem nenhuma. Com essas duas propostas, o governo Bolsonaro segue batendo cabeça e ainda não entendeu a relevância e importância do setor fechado de previdência complementar para o país, na formação de poupança estável e de longo prazo para a realização dos investimentos em infraestrutura e capital humano capaz de gerar renda e empregos.