Mais Médicos: questões ideológicas acima do interesse do povo brasileiro

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Criado em julho de 2013, pelo governo Dilma Rousseff, o programa Mais Médicos tem como principal objetivo contratar profissionais para atuar na atenção básica e expandir o número de vagas de graduação, especialização e residência médica, além de melhorar a infraestrutura da saúde.

Das 18.240 vagas, distribuídas em cerca de quatro mil municípios, 8.332 (aproximadamente 47%) são ocupadas por médicos cubanos, que trabalham em 2.885 cidades. Desse total, 1.575 municípios só contam com cubanos no programa. Em aldeias indígenas, são 300 os médicos de Cuba, correspondendo a 75% do atendimento a essa população.

Mais de 15 mil médicos cubanos passaram pelo programa sem, com isso, tirar o emprego dos profissionais brasileiros. A maioria dos cubanos, os últimos na lista de prioridades para ocupação das vagas não preenchidas por brasileiros, foi para periferias de cidades grandes, municípios menores e distritos indígenas, ou seja, localidades onde os médicos brasileiros se recusaram a trabalhar.

Considerados “operadores de milagres”, em 2014, pelo então secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, os médicos de Cuba tiveram um papel fundamental para o sucesso do programa nestes cinco anos. Segundo Ban Ki-moon, esses profissionais compartilham uma visão de “generosidade, solidariedade e cidadania global” e podem ensinar ao mundo como cuidar da saúde.

Aqui no Brasil, vergonhosamente, esses profissionais receberam um tratamento desrespeitoso por parte de médicos brasileiros, que duvidaram da sua formação acadêmica, mesmo sendo reconhecidos por instituições internacionais como profissionais de excelência, especialmente em medicina familiar, e responsáveis por salvar vidas em comunidades remotas em cerca de 66 países.

Por último, o pior ataque veio do presidente eleito que, por intransigência ideológica, questionou a preparação profissional dos cubanos e condicionou a permanência no projeto à revalidação individual do diploma de medicina.
Diante do fato, entendida pelo governo cubano como quebra das garantias acordadas, no dia 14 de novembro o Ministério da Saúde de Cuba decidiu sair do programa, por considerar a ideologia do próximo governo brasileiro uma ameaça à integridade dos profissionais cubanos.

Com a saída dos cubanos, prevista para ocorrer até o final deste ano, cerca de 28 milhões de pessoas serão atingidas, principalmente as menos favorecidas, as que mais necessitam da assistência básica em postos de saúde localizados em cerca de 600 municípios.

Para nós, brasileiros, essa situação é lamentável, pois irá afetar diretamente a população mais carente,  que teve atendimento médico pela primeira vez em locais de extrema pobreza, a exemplo dos 34 Distritos Especiais Indígenas, especialmente na Amazônia. Segundo estudo realizado pela Universidade Federal da Bahia em parceria com o Imperial College, de Londres, e a Universidade de Stanford, no Vale do Silício, a interrupção do programa e o teto de gastos na saúde podem levar à morte precoce de até 50 mil pessoas.

É triste ver acabar uma parceria tão promissora com o país caribenho. Nos últimos 55 anos, Cuba treinou mais de 35 mil profissionais de saúde de 138 países e, em 2015, se tornou a primeira nação do mundo a eliminar a transmissão materno-infantil de HIV e sífilis. 

Muito temos que aprender com nosso vizinho, primeiro país a desenvolver uma vacina efetiva contra a meningite B e que criou uma vacina contra o câncer de pulmão. Seus médicos, profissionais altamente qualificados, diferentemente dos colegas brasileiros, não escolheram o lugar para trabalhar e se dispuseram a atender indistintamente a todas as pessoas, tornando possível um tratamento humanitário onde nenhum médico jamais esteve.

A esses guerreiros nossas desculpas pela situação vexatória pela qual passaram e o nosso muito obrigado e reconhecimento pelo trabalho desenvolvido nas regiões mais pobres e remotas do país e por manter a qualidade do atendimento, aprovado por 95% dos pacientes, segundo estudo encomendado pelo Ministério da Saúde do Brasil à Universidade Federal de Minas Gerais.

Essa é uma grande perda para a saúde pública e para a política externa do Brasil. A decisão reforça que questões de ideologia estão acima dos interesses do povo brasileiro.



Rosane Alves


Colaboração para o Seeb Brasília