Economista do Dieese fala sobre a real situação econômica do país em artigo

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Diante das oscilações que a economia brasileira vem sofrendo nos últimos meses de 2019, a economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e assessora do Sindicato Mariel Angeli Lopes produziu um artigo que analisa a política econômica adotada por Paulo Guedes.

Confira:

Qual a situação da economia brasileira no fim de 2019?

Nas últimas semanas, desde o leilão dos campos de petróleo do Pré-sal da Bacia de Santos (realizado no início de novembro e que arrecadou R$69,9 bilhões, e não R$106 bilhões, como esperava o governo Bolsonaro), a variação da cotação do Dólar Americano frente ao Real tem oscilado com mais força, indicando uma desvalorização de 8,3% da nossa moeda frente à moeda americana em 2019. Nos últimos dias essa oscilação se tornou preocupante, agravada pelas declarações do ministro da Economia, Paulo Guedes, e do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, de que não se importavam com o aumento da cotação da moeda americana, indicando que não vão tentar conter essas variações do câmbio. Desde agosto o saldo das transações correntes (divulgada pelo Banco Central) está se deteriorando, e a entrada de investimentos estrangeiros não está sendo suficiente para compensar a saída acelerada de divisas do país, que já chega a US$27,2 bilhões no acumulado do ano. O aumento do valor do dólar frente ao real pode ser positivo para os setores econômicos que exportam sua produção, uma vez que barateia o preço dos produtos brasileiros nos mercados internacionais. Por outro lado, o enfraquecimento da nossa moeda pode provocar aumento de preços dentro do país, uma vez que a oferta de bens no mercado interno será afetada pela escolha dos empresários de exportar, e também porque os produtos importados ficarão mais caros, tornando-os pouco atrativos para os consumidores brasileiros. Esse mecanismo já tem se mostrado no recente aumento dos preços da carne bovina, que subiu 8,09% em novembro, devido principalmente ao aumento da demanda da China1. Os dados da inflação de novembro divulgados pelo IBGE hoje (06/12) indicam que aumento do custo de vida no último mês2 foi influenciado principalmente pelas despesas pessoais, alimentação (dentro e fora do domicílio) e habitação (tarifas de energia elétrica), e que o impacto foi maior para os trabalhadores que recebem renda mensal de até R$4.990,00 (5 salários mínimos).

Com a desvalorização do real os produtores brasileiros vão ver a demanda pelos seus produtos subir mais no mercado externo, o que vai continuar pressionando os preços não só da carne bovina no mercado interno, mas também dos alimentos concorrentes, como frango e carne suína. Além do aumento do preço da carne, o gás liquefeito de petróleo (GLP) e a gasolina também subiram de preço recentemente (a gasolina teve 4 reajustes em 2019, acumulando 1,59% de alta), devido às oscilações de oferta no mercado internacional de combustíveis e à política de preços praticada pela Petrobras, maior empresa do setor no país, que desde 2017 vinculou o preço dos combustíveis vendidos no Brasil às oscilações cambiais e dos preços internacionais, trazendo mais incerteza para os brasileiros.

A alta dos preços é acompanhada por uma taxa de desocupação elevada e resiliente, que, depois de atingir 13,6% no fim de 2017, no último trimestre (ago-set-out) foi de 11,6% da força de trabalho, equivalente a 12,4 milhões de pessoas, de acordo com a Pnad Contínua (Pnad/IBGE). Além da taxa de desocupação, também a taxa de subutilização da força de trabalho é útil para entendermos o cenário econômico do país: são 27,1 milhões de pessoas (23,8% da força de trabalho) trabalhando menos do que gostariam no último trimestre, sinal de que ainda há falta de demanda por trabalhadores, justamente pelo desempenho fraco da economia brasileira. Os trabalhadores brasileiros, desde o início da crise econômica, em 2015, estão se inserindo no mercado de trabalho em ocupações com salários menores, na maior parte das vezes no mercado informal, ou seja, sem proteção social e direitos trabalhistas. Dos 94 milhões de trabalhadores ocupados no último trimestre, o número de empregados no setor privado sem carteira de trabalho chegou a 11,9 milhões, maior valor já registrado na Pnad Contínua, um crescimento de 2,4% em relação ao mesmo período de 2018. Além disso, o número de trabalhadores por conta própria cresceu 3,9% com relação a 2018, totalizando 24,4 milhões de brasileiros.

Ao mesmo tempo, o rendimento real médio do trabalho ficou estável em R$ 2.317,00, ou 2,4 salários mínimos, valor muito inferior ao necessário para suprir as necessidades básicas dos trabalhadores. De acordo com a Pesquisa Nacional da Cesta Básica (PNCB/DIEESE) em novembro de 2019 o salário mínimo necessário para suprir as necessidades básicas de uma família de 4 (quatro) pessoas era R$ 4.021,39, mais de 4 vezes maior do que o salário mínimo nacional. A massa salarial cresceu só 1,8% entre os 2 últimos trimestres, chegando a R$ 212,8 bilhões, indicando que a crise econômica, para os trabalhadores brasileiros, está longe do fim, uma vez que o produto per capita, que caiu 10,2% entre o 2014 e 2016, vem crescendo lentamente desde então: para alcançar os valores pré-crise (o PIB per capita anual foi estimado em R$ 35.000,00 para o 3º trimestre de 2019) seria necessário um crescimento econômico muito mais acelerado, uma vez que, no 3º trimestre de 2019, enquanto o PIB cresceu 0,6% a o PIB per capita cresceu somente 0,4% com relação ao trimestre anterior, e somente 0,2% com relação ao mesmo período de 2018. Se esse ritmo de crescimento do produto per capita se manter, só em 2037 alcançaremos o PIB per capita de 2013. Caso a economia cresça mais nos próximos anos, a Fundação Getúlio estima que ainda levaremos 6 (seis) anos para alcançar o PIB per capita registrado em 2013.

Os mecanismos que poderiam mitigar os problemas causados pelo modelo de desenvolvimento econômico que tem sido adotado pelos governos brasileiros desde meados de 2016 têm sido, desde então, esvaziados: ao fim daquele ano foi aprovada no Congresso a Emenda Constitucional nº95 (Teto de Gastos), que limita os gastos públicos em saúde, educação e segurança pública pelas próximas duas décadas, impossibilitando o Estado de investir mais nessas áreas caso a arrecadação de impostos cresça; a Política Nacional de Valorização do Salário Mínimo, estabelecida em lei em 2011 após anos de mobilização das centrais sindicais, não foi renovada este ano, o que significa que o salário mínimo será reajustado unicamente pela variação da inflação a partir de 2020, e a base de beneficiários do Bolsa Família – atualmente são 13,2 milhões de famílias atendidas – não vai ser expandida pelo governo Bolsonaro em 2020, além de receber menos recursos (em 2019 os custos do Programa Bolsa Família foram de R$32 bilhões, e o Ministério da Cidadania prevê orçamento de R$29,5 bilhões no ano que vem), contrariando uma recomendação da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) ao governo brasileiro feita em maio desse ano, em que a instituição reforçava a necessidade de aumentar o número de famílias beneficiadas e o valor do benefício. Desde 2015 os índices de pobreza e vulnerabilidade social reverteram a tendência de queda, e atualmente são 13,5 milhões de pessoas vulneráveis no Brasil (sobrevivem com até R$145,00 por mês), com crescimento expressivo desse grupo, que ganhou 4,5 milhões de pessoas desde 2014, de acordo com o IBGE.

A desigualdade social também aumentou nos últimos anos e, em 2018 bateu recorde, com o rendimento da parte mais rica da população brasileira crescendo 8,4% ao mesmo tempo em que, entre os mais pobres, a queda da renda foi de 3,2%. Os 1% mais ricos, um grupo de 2,1 milhões de brasileiros, tiveram, em 2018, rendimento médio mensal de R$27.744,00, enquanto os 50% brasileiros mais pobres – 100 milhões de brasileiros – tiveram rendimento mensal médio de R$820, de acordo com a Pnad Contínua (IBGE). Não é de se surpreender que o resultado do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH/ONU) brasileiro de 2018 mostre uma estagnação, com o Brasil na 79ª posição entre 189 países, com pequenas melhorias no componente educacional e de longevidade sendo ofuscadas pela redução da renda média do brasileiro desde 2015.

Este desmonte da incipiente rede de proteção social do Estado brasileiro indica que a erradicação da pobreza e a diminuição da desigualdade social continuam fora da agenda do governo Bolsonaro, que se concentra em tentar piorar ainda mais as condições dos trabalhadores brasileiros, através da criação do programa “Carteira Verde e Amarela”, do enfraquecimento dos mecanismos de fiscalização trabalhista e das normas reguladoras de segurança do trabalho, da proposta de desobrigar as empresas de contratar pessoas com deficiência, entre outras medidas apresentadas nestes 11 (onze) meses de governo. O pequeno crescimento do PIB no 3º trimestre deste ano, de 0,6% com relação ao trimestre anterior e 1,2% com relação ao 3º trimestre de 2018, só foi possível porque o consumo das famílias, que representa 65% da economia brasileira, cresceu 0,8% no 3º trimestre. Os resultados ainda são muito tímidos e é pouco provável que melhorarão sem a participação do Estado, seja através da expansão dos programas sociais e da valorização do salário mínimo, seja através do incentivo aos investimentos, que continuam em nível muito baixo, representando somente 16,3% do PIB (taxa de formação bruta de capital fixo).
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1) Motivos para aumento da demanda chinesa por carne bovina brasileira: peste suína no país diminuiu oferta interna de carne de porco, a mais consumida no país, seca na Austrália diminuiu oferta de carne bovina daquele país no mercado internacional, que a China utilizaria como substituta para a carne de porco.

2) Os índices divulgados pelo IBGE foram: IPCA: 0,51% (novembro) e 3,27% (12 meses) INPC: 0,54% (novembro) e 3,37% (12 meses)

*Por Mariel Angeli Lopes, economista do Dieese e assessora do Sindicato dos Bancários de Brasília (SEEBB-DF)