A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30) inicia nesta segunda-feira (10), em Belém, após a Cúpula do Clima apresentar, nesta semana, indícios de quais serão os principais desafios dos governos progressistas, como o Brasil, nas negociações para restaurar a credibilidade do Acordo de Paris: aumentar a responsabilização dos países ricos e das multinacionais em relação ao financiamento climático, transição energética e regular o mercado de carbono.
Embora a cúpula, de forma inédita, tenha conseguido aumentar os holofotes sobre o tema do racismo ambiental, do lado de fora da zona azul, movimentos sociais e comunidades tradicionais do mundo todo tentarão demonstrar que não é possível superar a crise climática sem mudar o modo de produção capitalista.
A Cúpula de Líderes pelo Clima realizada em Belém, nos dias 6 e 7, definiu o tom político que deve guiar a COP30, com foco em acelerar a transição energética, garantir financiamento climático e proteger as florestas tropicais.
Entre os principais anúncios feitos estão o Compromisso de Belém pelos Combustíveis Sustentáveis, que pretende quadruplicar o uso de combustíveis alternativos até 2035, a criação de uma coalizão internacional de mercados de carbono e o lançamento do Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), proposto pelo Brasil para remunerar países que mantêm suas florestas preservadas. Apesar dos avanços, especialistas consideram os compromissos ainda tímidos diante da urgência climática.
A cúpula também recolocou o fim dos combustíveis fósseis no centro do debate, embora sem medidas concretas, e lançou as bases para um “mapa do caminho” rumo a uma transição energética justa. Outras pautas que devem dominar a COP30 incluem o fortalecimento das metas nacionais de redução de emissões, o financiamento climático e o combate ao racismo ambiental — tema incorporado pela primeira vez a um acordo internacional.
Com a presença de mais de 50 mil participantes de quase 200 países, a conferência em Belém busca transformar as sinalizações políticas em ações reais, capazes de salvar o Acordo de Paris, que, segundo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, está distante de ser cumprido.
O Brasil de Fato conversou com fontes ligadas ao Ministério de Meio Ambiente e Mudanças do Clima e Ministério dos Povos Indígenas, para saber se a liberação da exploração de petróleo na foz do rio Amazonas havia afetado a posição de vanguarda do Brasil no debate sobre transição energética. Elas relataram que temas da política interna sensíveis como esse dificilmente seriam tratados em um ambiente em que o país anfitrião é aliado político, embora, internamente, a avaliação é que o governo cometeu um erro estratégico em conceder a licença tão próximo à COP30.
Desde Glasgow, no Reino Unido, em 2021, a COP não é realizada em um país mais aberto à participação popular. Movimentos sociais e comunidades tradicionais devem realizar diversas atividades em Belém para denunciar que a COP30 continua poupando os verdadeiros responsáveis pela crise ambiental: as grandes corporações e o sistema capitalista, que lucra com a destruição da natureza. Quando as grandes corporações capitalistas são protagonistas em um evento para debater mudanças climáticas, a tendência é que as soluções adotadas não enfrentem a lógica que transforma florestas, povos e territórios em mercadoria.
Algumas lideranças populares consideram que temas como financiamento climático direto, racismo ambiental e multilateralismo já apareceram de forma mais avançada na Cúpula dos Líderes, e deve ganhar um pouco mais de força na COP já por influência de um debate mais próximo desses movimentos. A COP ser realizada na Amazônia, afinal, deve ter um peso nas decisões oficiais.
Sara Pereira, coordenadora da organização não governamental Fase e integrante da comissão política da Cúpula dos Povos, no entanto, avalia que é tarefa da sociedade civil organizada denunciar as causas estruturais da crise e apresentar medidas para além de soluções paliativas que tendem a intensificar o neocolonialismo de rios e florestas, como a regulação do mercado de carbono.
“Eu acho que tudo o que a gente conquistou, em relação à mudança de comportamento do governo, que nos últimos meses tem dado uma guinada um pouco maior à esquerda, foi à base de muita pressão da sociedade, na base de muita luta. E creio que na COP, que tem uma estrutura extremamente limitada de acolhimento das demandas dos movimentos sociais, a tendência é que ela siga atendendo aos interesses das grandes corporações”, reflete Sara Pereira. Segundo ela, prova disso é que o agronegócio e as mineradoras terão estandes na zona azul. As vozes dos movimentos sociais, por sua vez, não estarão lá.
Segundo Adolfo Neto, professor de geografia da Universidade Federal do Pará (UFPA), a COP já deixou um legado fundamental para a sociedade brasileira e amazônida, que foi colocar a pauta socioambiental na boca do povo. Hoje não há uma pessoa em Belém que não reflita sobre o tema. Ele acredita que isso deve ter sido irradiado para boa parte do Brasil.
“Quanto mais o assunto está em evidência, mais vozes dissonantes, como as da Cúpula dos Povos, das lideranças indígenas, quilombolas, ribeirinhas terão espaço para se propagar. Essas vozes são fundamentais para que a gente enfrente os principais desafios, com soluções que já existem. A gente só vai conseguir enfrentar a crise climática mudando o modo de produção desenfreado, pautando um novo modelo econômico”, argumentou.
A Cúpula dos Povos deve reunir 15 mil pessoas e ocorre de 12 a 16 de novembro, junto a diversos eventos populares paralelos. O Brasil de Fato fará uma cobertura completa desses eventos e dos debates que serão travados na COP30.
A COP está sendo realizada em Belém, que ao longo dos últimos meses foi alvo de críticas por problemas estruturais, falta de leitos e preços de hospedagens exorbitantes. Enquanto políticos locais acusaram as críticas de terem tons de xenofobia, Lula, sempre que se pronunciou a respeito, reiterou que é importante conhecer os problemas da cidade, que não precisam ser mascarados.
Com 160 países confirmados, a cidade disponibiliza hoje 53 mil leitos, entre apartamentos, hostels, escolas e navios cruzeiros. A cidade tinha cerca de 15 mil vagas na rede hoteleira antes de investimentos bilionários. Segundo Valter Correia, secretário da COP 30, Belém recebeu quase R$ 6 bilhões em melhorias para a cidade, sendo mais de R$ 4,5 bilhões destinados pelo governo federal.
“Mudamos absurdamente a realidade da cidade de Belém. Pará não é o mesmo. A região Norte não é a mesma. O desenvolvimento aqui é muito nítido, o investimento que foi feito aqui proporciona a melhoria da vida de muitas pessoas. Só em Belém mais da metade da população está sendo atingida diretamente pelas obras de saneamento básico, de drenagem”, afirmou Valter.
Porém, há obras inacabadas, como a do Parque Linear do Igarapé São Joaquim e a de requalificação da avenida Rômulo Maiorana, cujos tapumes e entulhos estão à vista, bem próximo da zona azul, muitas obras para a COP30 sofreram críticas, por remoções de famílias por indenizações irrisórias e racismo ambiental.
O governo do Pará antecipou as férias escolares e determinou trabalho remoto, assim como diversas instituições, para que o trânsito tenha fluidez, e as 50 mil pessoas aguardadas para o evento consigam participar das atividades a contento.
Além disso, “embora esse não seja um evento turístico como uma Copa do Mundo, uma olimpíada, muitas pessoas estão vendo a oportunidade de consolidar Belém e a Amazônia como um polo de turismo. Temos uma cultura maravilhosa, uma culinária única e belezas estonteantes. Apesar dos problemas que enfrentamos diariamente, sabemos que podemos acolher todo mundo, pra que tenham vontade de voltar”, afirma a turismóloga Raquel Ferreira.
Fonte: Brasil de Fato
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